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Comissão Europeia “detetou inconsistências” e Governo alterou despesa líquida

O ministro das Finanças apontou no Orçamento para um crescimento da despesa primária líquida de 5,6%, acima do que combinara inicialmente com Bruxelas, mas a Comissão Europeia não conseguiu replicar as contas de Miranda Sarmento. Nem o Conselho das Finanças Públicas. O Governo, que recebeu alertas dos dois lados, enviou para Bruxelas uma errata esta terça-feira com o novo valor: 4,8%.

De forma surpreendente, numa resposta por escrito ao Jornal Económico (JE) sobre o aumento da despesa permanente, o ministro das Finanças revelou na passada terça-feira que a despesa líquida — o mais importante indicador para Bruxelas avaliar a verdadeira evolução das contas públicas — iria, afinal, aumentar 4,8% em 2026 e não 5,1% (como estava previamente combinado com a Comissão Europeia), nem 5,6% (como indicou a Bruxelas a 15 de outubro no âmbito do Projeto de Plano Orçamental). O JE tentou de imediato obter esclarecimentos do Ministério das Finanças, mas sem sucesso: onde estavam aqueles 4,8% no Orçamento do Estado? Havia, oficialmente, uma revisão?

O JE enviou então perguntas a Bruxelas na manhã de terça-feira, questionando, nomeadamente, se sabia desta alteração e, sendo esse o caso, se tinha sido o Governo a aperceber-se de algum problema ou, pelo contrário, a Comissão Europeia a corrigir. A resposta oficial de Bruxelas chega entretanto ao JE, esclarecendo que foi o executivo comunitário que identificou o problema: “Relativamente à submissão de 15 de outubro” do esboço orçamental que os países têm de entregar em Bruxelas, “a Comissão detetou inconsistências ao tentar replicar o crescimento da despesa líquida incluído no Projeto de Plano Orçamental para 2026”, respondeu uma porta-voz do executivo comunitário.

“Como é prática habitual”, após a submissão do documento, “a Comissão e o Ministério das Finanças trocaram informações sobre aspetos técnicos dos dados incluídos nas tabelas do Projeto de Plano Orçamental”, acrescentou a mesma fonte.

Depois, no dia em que as respostas foram publicadas no JE, “em 21 de outubro, Portugal submeteu à Comissão uma errata do Projeto de Plano Orçamental para 2026, abordando aspetos técnicos de dados da submissão de 15 de outubro”. O executivo comunitário “tomou nota de que a errata submetida inclui uma estimativa de crescimento da despesa líquida de 5,5% em 2025 e de 4,8% em 2026”.

“Para corrigir as inconsistências, na sua errata de 21 de outubro, Portugal reviu em baixa a estimativa para 2025 do investimento público financiado por fundos da UE e, consequentemente, a estimativa do cofinanciamento nacional dos programas financiados pela União”, o que significou “uma atualização da estimativa de Portugal para 2025 do investimento público financiado nacionalmente”.

A Comissão ressalva, no entanto, que “o investimento financiado a nível nacional é calculado como a diferença entre o investimento público total — que se mantém inalterado na errata — e o investimento público financiado por fundos da UE”.

Esta resposta surge depois de esta quinta-feira o Ministério das Finanças ter referido ao jornal Público que “foram detetadas pequenas inconsistências” na sequência de “interacções com os serviços técnicos da Comissão”, sem que ficasse claro, porém, quem desencadeou a alteração.

O crescimento da despesa líquida — indicador que desconta juros, medidas temporárias, receitas pontuais, entre outros — não pode ser ultrapassar o valor que serve de referência na União Europeia em mais de 0,3% do PIB num ano ou em 0,6% num período mais alargado.

Em audição no Parlamento, o ministro das Finanças desvalorizou a alteração, sublinhando que a Comissão Europeia “está a dizer que vamos executar mais empréstimos do PRR em 2025 e menos em 2026 do que aquilo que estava inicialmente estimado”.

Conselho das Finanças Públicas também avisou para inconsistências

O novo valor da despesa líquida, os tais 4,8%, já são assumidos pelo Conselho das Finanças Públicas no relatório publicado nesta quinta-feira em que faz uma apreciação global à proposta de Orçamento do Estado. No entanto, o organismo liderado por Nazaré da Costa Cabral diz que, “apenas no dia 22 de outubro, foi recebida a atualização das tabelas no Projeto Plano Orçamental enviadas à Comissão Europeia”, quando “o CFP alertou no dia 13 de outubro o Ministério das Finanças para existência de incoerência nas componentes de cálculo da despesa líquida”. Ou seja, Joaquim Miranda Sarmento recebeu alertas sobre as inconsistências da despesa líquida por duas vias.

A informação transmitida pelas Finanças à última hora “obrigou a uma nova análise da despesa líquida” subjacente à proposta de Orçamento, “com o objetivo de publicar este relatório em tempo de informar a discussão pública”, lamentou o CFP.

A entidade que fiscaliza as contas do Estado concluiu que a taxa de crescimento projetada é de 6,4% para este ano e de 5,7% em 2026, “acima do compromisso  do Governo”. No entanto, “dada a flexibilidade prevista na cláusula de derrogação nacional relativa ao aumento da despesa com investimento na defesa, os desvios acumulados na conta de controlo para 2025 (0,4% do PIB) e 2026 (0,5% do PIB) são  próximos, mas inferiores, ao limiar máximo de 0,6% do PIB”, acrescentou.

Neste relatório, o CFP levantou ainda muitas dúvidas relativamente a vários pressupostos e previsões que sustentam a perspetiva do Governo de um saldo orçamental positivo de 0,1%.

Artigo atualizado com declarações do ministro das Finanças no Parlamento