O azeite tem sido dos bens cujo preço mais disparou no último ano e meio, mas os consumidores portugueses têm mostrado grande fidelidade à gordura conhecida como base da dieta mediterrânica. Sem avançar com projeções concretas, o presidente do CEPAAL - Centro de Estudos e Promoção do Azeite do Alentejo, Gonçalo Morais Tristão, antecipa ao Jornal Económico que o preço normalize após uma campanha agrícola mais produtiva, algo que se mantém em cima da mesa para 2024, depois de um início do ano promissor.
Falando a propósito do 7º Congresso Nacional do Azeite, desta feita em Valpaços, o representante do sector do azeite reconheceu ainda que as primeiras impressões do novo governo têm sido positivas, mas pede ação para corresponder com a mensagem.
Como se explica a evolução dos preços do azeite nos últimos semestres?
Nos últimos dois anos, os preços do azeite têm atingido valores nunca vistos e isso deve-se muito aos aspetos inflacionistas das economias, todas elas interligadas. No azeite, o aumento deve-se também ao sector agrícola em geral: aumento dos fatores de produção e também as fracas campanhas de produção, nomeadamente em Espanha, o maior produtor mundial de longe. Contrariamente às expectativas do próprio sector, o consumidor foi muito resiliente. Entre dezembro de 2022 e dezembro de 2023, Portugal apenas reduziu o consumo em 11%. Digo apenas porque os aumentos foram muitíssimo superiores. Isto que se verificou em Portugal está a verificar-se noutros países produtores europeus, como Espanha, Itália e Grécia, o que quer dizer que o consumidor se mantém muito fiel ao produto. Isto não quer dizer que esta alta de preços se tenha ou deva manter; não é boa para o sector. Com produções de azeitona a regressarem ao normal, estou em crer que os preços irão, mais tarde ou mais cedo, descer para valores mais equilibrados.
Que balanço fazem do Congresso Nacional do Azeite, que se realizou na passada sexta-feira?
Balanço que fazemos do Congresso é muitíssimo positivo, não só porque teve a adesão de muita gente do sector – foi em Valpaços, muito olivicultor da região participou e a sala estava cheia – e, por outro lado, pela participação do ministro no evento, que teve a oportunidade de ouvir o último painel e ainda fazer uma intervenção que, para nós, foi muito honrosa e especial. Sabemos que este Governo entrou em funções há pouco tempo, todos estamos ansiosos para saber o que vai fazer, nomeadamente o Ministério da Agricultura. A mensagem que o ministro deu foi bastante positiva. Deu ideia de que o Governo quer apoiar a produção de azeite em termos nacionais, que é o que o sector apela: que retirem alguns constrangimentos e nos deem a oportunidade de mostrar o nosso azeite lá fora. Não cometendo nenhuma inconfidência, numa conversa no final com o ministro e o presidente da CAP, onde mostramos alguma preocupação com a nossa associação interprofissional do sector olivícola, o ministro foi muito objetivo: disse para apresentarmos soluções, que o Governo está cá para decidir.
O primeiro contacto foi, portanto, positivo.
Pelo menos da minha parte, a avaliação é muito positiva. Como tudo na vida, não bastam as palavras, é preciso passar aos atos, mas o Governo merece o benefício da dúvida, até porque tem pouco mais de 30 dias de legislatura. Sendo o ministro uma pessoa de ação e olhando para o que nos transmitiu, esperemos que assim aconteça.
Quais foram as preocupações e prioridades manifestadas pelos empresários do sector?
Os painéis do congresso foram sobre olivoturismo, uma oportunidade de maior promoção do azeite e das próprias marcas, com o testemunho de três produtores já instalados na área e associados ao enoturismo; tivemos a questão dos preços do azeite, que é uma preocupação hoje em dia; e tivemos a participação do nosso colega espanhol, que demonstrou muito claramente que o preço não pode descer muito, porque os custos da produção são muitíssimo elevados, nomeadamente os olivais tradicionais – como a grande maioria dos olivais da zona do congresso, em Trás-os-Montes. Essa foi uma preocupação de alguns dos participantes, as dificuldades do olival tradicional, dos custos muito grandes, tratamentos, colheita… Essa foi uma preocupação constante e que levou algumas pessoas, incluindo eu, a apelar ao Governo que tenha em atenção a questão do olival tradicional, que seja apoiado de forma – não querendo com isto afastar outra forma de olival, o que predomina no Alentejo, o superintensivo, muito produtivo. Sempre preocupante, no fim tivemos uma apresentação sobre alterações climáticas, com um debate onde se provou que o sector já está algo preparado para isto. Como a oliveira, também o sector é muito resiliente e já há metodologias e sistemas para que os produtores se vão adaptando a estes tempos novos com mais calor e menos recursos hídricos.
Olhando para a agenda de transição verde, que iniciativas pode o Governo levar a cabo para ajudar a tornar o sector mais resistente às alterações climáticas?
Em primeiro lugar, o Governo, seja este ou anteriores, tem de entender que o azeite é um produto muitíssimo importante a nível nacional, tanto a nível cultural, como a nível económico. Os valores que o sector tem trazido, nomeadamente na balança de pagamentos, são muito importantes. O Governo tem de entender a força do sector. Há alguns anos, o ministro Capoulas dos Santos emitiu um despacho, acho que muito motivado por razões ideológicas, (não dele, mas da nossa Assembleia da República à altura), que impediu, por exemplo, que os investimentos na área da olivicultura fossem financiados com fundos europeus. Achamos que isto não faz sentido. O sector tem de ser ajudado como os outros, não pode ser menosprezado ou ostracizado como se fosse um diabo. Uma medida concreta seria, talvez num futuro PEPAC [Plano Estratégico da Política Agrícola Comum], permitir que investimentos no sector olivícola sejam financiados com fundos europeus. Isso seria uma medida importante. Outra seria que o Governo pudesse fomentar e não impedir o funcionamento da nossa associação interprofissional, a AIFO – que em Espanha, por exemplo, funciona muito bem e permite alavancar o azeite espanhol. A portuguesa precisa de estar em atividade plena e que o Governo não impeça que faça esse papel muito importante de promover o azeite português lá fora e cá dentro.
Que medidas têm sido tomadas para lidar com os roubos?
Isto deve-se ao aumento do preço, que passa a ser um produto muito valioso. Não há forma de evitar os roubos sem ser com o reforço do policiamento. Seria uma medida muito importante. Por outro lado, também controlar as entidades recetoras de azeitona. O sector sabe perfeitamente onde vai parar a azeitona roubada – a um lagar. Seria preciso um controlo dos lagares e entidades recetoras que recebem estas azeitonas roubadas, que não tem sido feito. É por essa razão que é muito fácil atualmente roubar azeitona.
Também as falsificações têm subido. Sendo o consumidor português muito fiel ao azeite, como se pode trabalhar para limitar estas situações?
Confesso que em Portugal não assistimos a muitas falsificações. Por vezes, são mais comuns nas situações de exportação para o Brasil. É um problema que temos de ter atenção, até porque o azeite português tem muita aceitação no mercado brasileiro, embora tenhamos agora uma grande competição do azeite espanhol. Temos de nos preocupar com isso e obviamente a ASAE não tem competência no Brasil. É fundamental que controle aqui, não vemos outra maneira. Também é responsabilidade do próprio sector educar o consumidor, para que também perceba rapidamente o que está a consumir.
O azeite português tem vindo a ganhar alguma notoriedade internacionalmente. Com os problemas nos maiores produtores mundiais, parece-lhe que o país tem margem para ganhar alguma quota?
Sim, mas também os outros países a têm. Há um grande potencial para o consumo do azeite porque, apesar de tudo, ainda é muito pouco consumido no mundo. É a gordura mais saudável, mas a menos consumida. Em geral, há um potencial de consumo e exportação muito grande. Para isso, é preciso que o sector e o novo consumidor (por exemplo, os EUA e Canadá estão a crescer com margens muito interessantes) façam esse trabalho de educação. Temos também de nos preocupar com o consumo europeu, que tem vindo a diminuir ligeiramente nos últimos anos. Mesmo nos países com tradição de azeite não temos aumentado o consumo. Acho que há condições para fazer campanhas de promoção do consumo, uma vez que é saudável, tem benefícios para a saúde, é usado na dieta mediterrânica (muito ligada às questões da saúde e muito adotada nos EUA), portanto há condições para todos ganharmos margem de mercado. Em relação a Portugal, estamos a ter uma grande competição no Brasil, onde sempre reinamos, mas agora temos uma forte competência dos espanhóis – também ligada à grande força da interprofissional espanhola. Temos de ter capacidade de termos a nossa interprofissional a funcionar e promovermos o nosso azeite em todas as partes do mundo. Só assim conseguimos dar mais valor às nossas produções, porque grande parte das nossas exportações são azeite a granel, que vão para Espanha e Itália receberem as marcas. Não estou contra esse negócio, o nosso produtor faz aquilo que entender; em termos de país, era importante valorizarmos mais o nosso país e as nossas marcas.
Que perspetivas de produção e exportação têm para este ano?
Ainda é cedo. O que podemos dizer até agora é que o ano começou muito bem. Estas chuvas de fevereiro e março foram muito interessantes para quase todo o sector agrícola, em particular para o olival. A campanha está a começar bem. Agora é preciso que o resto também corra bem. Diria que as condições começaram muito bem, esperemos que assim continuem até final do ano, para que possamos novamente bater o recorde de produção ou, pelo menos, ficar lá perto. Cada ano que passa vamos instalando mais olivais, mais produtivos e modernos, por isso se as campanhas correrem normalmente, é natural que sucessivamente vamos batendo recordes de produção.