Skip to main content

Cimeira árabe-islâmica aponta cobardia de Israel e conivência dos EUA

Os países que compõem o Conselho de Cooperação Islâmica consideraram a intervenção militar de Israel no Qatar uma cobardia sem precedentes, mas não deixaram de apontar a conivência dos Estados Unidos no aumento da tenção no Médio Oriente. E querem aumentar a capacidade comum de resposta militar a ataques externos.

A decisão do secretário de Estado norte-americano, Mark Rubio, de fazer uma visita de apoio a Israel dias depois do ataque ao Qatar – e de visitar Doha um dia depois – foi uma "decisão errada", disse Chris Doyle, diretor do Conselho para o Entendimento Árabe-Britânico. Rubio "deveria ter demonstrado pelas suas ações que os Estados Unidos estavam realmente irritados com o comportamento israelita. Deveria ter visitado o Qatar primeiro; deveria ter sido uma demonstração de solidariedade", disse Doyle em declarações à rede de informação Al Jazeera – que está proibida de entrar na Palestina.

"Este é mais um passo em falso da administração Trump em termos diplomáticos". Doyle disse que os EUA estão a enviar muitos sinais confusos, afirmando que apoiam as negociações de cessar-fogo em Gaza e, em seguida, não tomando qualquer medida quando Israel atacou os negociadores em Doha. “Está tudo em todo o lado – está a apresentar uma posição muito fraca e incoerente ao mundo. Não está a conseguir controlar as coisas. O presidente dos EUA diz que quer resolver estes conflitos, mas, na verdade, as suas ações sem clareza estão a piorar” o aumento da tenção entre as partes, disse.

“Portanto, os Estados Unidos não estão de facto a agir em função dos seus próprios interesses. Israel também não. E penso que precisa de uma mão muito mais firme no leme para realmente avaliar os riscos envolvidos em não tentar trazer segurança real e adequada”. “Neste momento, os Estados Unidos serão os grandes perdedores, porque muitos países, não apenas o Qatar, que procurarão outros países no mundo para fazerem parte do seu guarda-chuva de segurança, pois verão os EUA como um parceiro pouco fiável.”

O mal-estar para com os Estados Unidos terá sido o motivo que levou o primeiro-ministro israelita a afirmou que a decisão de atacar os líderes do Hamas no Qatar foi tomada de forma independente e que "assumimos a total responsabilidade" pelo ataque. Numa conferência de imprensa conjunta com Rubio em Jerusalém Ocidental, Netanyahu afirmou ainda que Israel e os EUA continuarão a agir em conjunto para proteger os dois países. "A visita de Rubio é uma mensagem clara de que os Estados Unidos estão ao lado de Israel face ao terror", disse Netanyahu.

Mas o enviado dos EUA à Turquia e à Síria, Tom Barrack, reuniu-se com o primeiro-ministro do Qatar e transmitiu uma mensagem de apoio do presidente e do secretário de Estado norte-americano, que se encontrava em Israel reunido com Netanyahu. Barrack assumiu uma postura invulgar para um diplomata norte-americano, criticando duramente a abordagem norte-americana e europeia à região no passado, que caracterizou como interferência excessiva e cheia de erros que "custaram gerações".

Com o Qatar a considerar o ataque israelita “flagrante, traiçoeiro e cobarde”, houve um firme apoio ao país na cimeira e uma condenação a Israel pelo ataque, que, segundo os membros do Conselho de Cooperação Islâmica (com 57 membros, entre os quais a europeia Albânia), prejudica a segurança e a estabilidade na região. Refira-se que entre os membros está o Azerbaijão, um dos principais fornecedores de petróleo a Israel – o que pode ser um problema imediato para o Estado hebraico.

A cimeira pretendeu demonstrar solidariedade e unidade, mas também lançar o debate sobre a tomada de medidas concretas que sinalizem a Israel que a violação do direito internacional não se irá manter. Muitos discursos enfatizaram que é porque Israel conta com o apoio dos EUA que conseguiu escalar os ataques, incluindo o ataque nunca antes feiro a um país do Conselho de Cooperação do Golfo, o Qatar.

Parece ter ficado claro para todos que os países ali reunidos estão interessados, sem chegar ao confronto militar, em aumentar o nível de integração da resposta à escalada de Israel e aos seus atos considerados à margem do Direito Internacional. De qualquer modo, é pouco provável que os países presentes cheguem para já a acordo sobre uma ação conjunta para impedir futuros ataques israelitas. Mas um dos pontos evidentes é o adiamento da normalização das relações com Israel. Ou seja, os Acordos de Abraão, lançados por Donald Trump no final do seu primeiro mandato como presidente dos Estados Unidos, estão claramente colocados em causa.

De qualquer modo, a declaração final da cimeira árabe-islâmica foi tão branda quanto seria de esperar: o ataque é descrito como “uma brutal agressão de Israel ao Qatar”, que “mina qualquer perspetiva de paz na região”, até porque foi perpetrado “a um local neutro de mediação”. A organização diz-solidária com qualquer forma de resposta do Qatar – que teve uma “postura civilizada e sábia” face ao ataque “traiçoeiro”. Mesmo assim, os 57 manifestaram “apoio aos esforços dos mediadores Qatar, Egipto e Estados Unidos para travar a agressão em Gaza” e elogiaram “o papel construtivo e reconhecido do Qatar na mediação e apoio ao estabelecimento de segurança”, rejeitando “em absoluto as tentativas de justificar a agressão israelita sob qualquer pretexto”. A declaração conclui afirmando a sua “rejeição absoluta das repetidas ameaças de Israel sobre a possibilidade de voltar a atacar o Qatar”.

Também o Conselho Supremo do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) declarou que "condena veementemente o ataque israelita e a flagrante violação da soberania" do Qatar e que irá avaliar a postura de defesa do grupo e ativar "mecanismos conjuntos de defesa e capacidades de dissuasão no Golfo". "O Conselho Supremo afirmou a total solidariedade dos Estados do CCG com o Estado do Qatar em todas as medidas que este tomar para enfrentar este ataque, sublinhando que a segurança dos Estados do CCG é indivisível e que qualquer ataque a qualquer um deles é um ataque a todos, em conformidade com a Carta do CCG e o Acordo de Defesa Conjunta", afirmava o comunicado. O documento dizia ainda que os órgãos militares do CCG realizarão uma reunião urgente para "avaliar a postura defensiva dos Estados do CCG" e instruir o Comando Militar Unificado a "tomar as medidas executivas necessárias para ativar mecanismos conjuntos de defesa e capacidades de dissuasão no Golfo". O Conselho Supremo afirmou que o ataque de Israel "impede os esforços intensivos empreendidos pelo Estado do Qatar e o seu papel na mediação de um cessar-fogo na Faixa de Gaza, na libertação de reféns e detidos e no alívio do sofrimento do povo palestiniano".

O líder da oposição israelita, o antigo  primeiro-ministro Yair Lapid, descreveu as declarações de Netanyahu de que Israel está a entrar numa "espécie de isolamento" como uma "declaração insana" e sublinhou que é possível uma alternativa. Numa publicação nas redes sociais, Lapid respondeu com sarcasmo a uma notícia sobre os comentários de Netanyahu. "O isolamento não é um decreto do destino; é o produto das políticas erradas e falhadas de Netanyahu e do seu governo", disse. "Estão a transformar Israel num país do terceiro mundo e nem sequer estão a tentar mudar a situação." E acrescentou: "Israel pode voltar a ser bem-sucedido, querido, com uma próspera economia de primeiro mundo." Lapid escreveu ainda que o ataque de Israel aos negociadores do Hamas em Doha, que não conseguiu matar os alvos pretendidos, foi "mais um fracasso que Netanyahu está a tentar encobrir".

Entretanto, o primeiro-ministro espanhol pediu uma proibição internacional de Israel nas competições desportivas. Em declarações um dia depois de manifestantes pró-palestinianos em Madrid terem forçado o abandono da etapa final da prova de ciclismo Vuelta a España, Sánchez afirmou que as equipas israelitas deveriam enfrentar uma proibição semelhante à enfrentada pelos atletas russos após a invasão da Ucrânia por Moscovo. "A nossa posição é clara e categórica: enquanto a barbárie persistir, nem a Rússia nem Israel devem participar em qualquer competição internacional", disse Sánchez, reiterando a sua "profunda admiração" pelos manifestantes em Madrid.

Por outro lado, uma coligação de 84 organizações humanitárias e de defesa dos direitos humanos está a exigir que os países proíbam o comércio com os colonatos israelitas após a decisão de julho do Tribunal Penal Internacional (TPI), que declarou ilegal a ocupação israelita. Um relatório refere que os colonatos israelitas controlam mais de 42% das terras da Cisjordânia, que foram confiscadas às comunidades palestinianas. O relatório indica que a ocupação de Israel devastou a economia palestiniana, tendo custado cerca de 50 mil milhões de dólares entre 2000 e 2020, enquanto Israel fornece subsídios generosos às empresas instaladas nos colonatos através de incentivos fiscais e subsídios diretos.

O relatório refere que as atuais políticas europeias de rotulagem falharam – 90% dos vinhos produzidos em colonatos e vendidos na Europa são rotulados incorretamente como ‘Produzidos em Israel’ – e que a UE importa 15 vezes mais produtos de colonatos, que são ilegais segundo o Direito Internacional, do que de produtores palestinianos.