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Chumbo do OE lança incerteza na retoma à espera dos fundos do PRR

Especialistas dizem que Governo tem mecanismos para acomodar os fundos do PRR na gestão em duodécimos. Economistas não afastam receios do impacto do chumbo do Orçamento na recuperação.

O “chumbo” da proposta do Orçamento do Estado para 2022 desencadeou uma crise política que para Bruxelas não impede o desembolso das primeiras verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O risco reside no eventual não cumprimento futuro dos objetivos com os quais se comprometeu, mas os especialistas consultados pelo Jornal Económico consideram que o Governo tem mecanismos que permitem acomodar a despesa mesmo a governar em duodécimos. No entanto, economistas alertam para a incerteza na retoma.

Do ponto de vista da Comissão os primeiros desembolsos do PRR estão assegurados. O vice-presidente Valdis Dombrovski garantiu, em conferência de imprensa, quando questionado sobre as implicações do chumbo do Orçamento, que, “pela parte da Comissão, podemos ser muito claros: tal como também está claro no regulamento, que os desembolsos estão ligados ao cumprimento de objetivos e metas concretos, e esse continua a ser o caso”. Fonte da Comissão Europeia realça ao Jornal Económico que “o pedido de pagamento dos Estados-membros deve ser acompanhado de provas que demonstrem que foi alcançado um conjunto específico de metas e marcos estabelecidas na decisão de implementação do Conselho que adopta o PRR”. Ou seja, de acordo com a mesma fonte, “desde que o atraso na aprovação do Orçamento nacional não impeça o cumprimento das metas e marcos, não há uma ligação direta entre a adoção do Orçamento e o pedido ou o desembolso dos fundos ao abrigo do PRR”.

Desta forma, a tónica está na capacidade de o Governo executar os projetos previstos no PRR, não colocando em risco a libertação das tranches futuras. Uma fonte especialista em Finanças Públicas realça que “à semelhança do sucedido em 2019, o Governo irá provavelmente aprovar um decreto-lei que estabelecerá um regime transitório de execução orçamental até à aprovação do OE2022 que regulará muitas das questões suscitadas”.
Este decreto transitório de execução orçamental foi elaborado em dezembro de 2019 para entrar em vigor a um de janeiro de 2020 devido ao atraso do Orçamento, que estipulavam as regras para que durante o período transitório a execução do orçamento das despesas obedecesse ao princípio da utilização por duodécimos.

O Executivo de António Costa incluiu no decreto-lei de 2019 - que pode servir de modelo para o novo decreto-lei - que se excetuavam da aplicação do regime duodecimal as dotações “referentes às despesas cujas fontes de financiamento não sejam receitas de impostos e as afetas a projetos cofinanciados por fundos europeus”. Incluiu ainda como execepções a este regime “as destinadas ao pagamento de despesas com pessoal”, as “destinadas ao pagamento de contribuições de quotizações para organizações internacionais”, as que estivessem inscritas relativas a despesas excecionais e relativas aos recursos próprios europeus, do orçamento do Ministério das Finanças; as “destinadas ao pagamento dos encargos da dívida pública”; e “destinadas ao pagamento de compromissos já assumidos e autorizados relativos a projetos de investimento não cofinanciados”.

É neste cenário que o coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e professor universitário, Rui Nuno Baleiras, considera não haver impedimentos legais nas regras da gestão orçamental à execução do PRR no regime de duodécimos.
“O Governo tem flexibilidade na gestão dos programas orçamentais. As medidas de despesa do PRR poderão ser inscritas em 2022 nos programas orçamentais ao abrigo das competências do Governo, desde que a soma das dotações por rubrica não ultrapasse, em cada mês de 2022, 1/12 da dotação global de nenhum programa orçamental”, disse em declarações ao JE. Ou seja, “dentro das regras da gestão flexível, o Governo pode mexer nas gavetas, tirando dotação de umas para reforçar outras, mantendo inalterada a soma das dotações «gavetais»”. Recorde-se que está em causa 1/12 da da dotação de 100 mil milhões de despesa prevista para este ano.

O economista recorda que o PRR vai entrar em várias rubricas da classificação económica da receita e da despesa. “Do lado da receita, entrarão em Transferências Correntes e Transferências de Capital - são as subvenções europeias. Do lado da despesa, entrarão presumivelmente em Aquisições de Bens e Serviços, Subsídios, Transferências Correntes e de Capital e, claro, em Investimento. Até uma pequena parte há-de entrar em Encargos com Pessoal a título de remuneração dos trabalhadores da unidade de missão que gere o PRR”, exemplifica.

Em entrevista no “Falar Direito”, da JE TV, que será transmitido na próxima segunda-feira, o advogado Tiago Duarte sublinha que a utilização dos fundos europeus “pode ser despesa pública, nomeadamente através de transferências para municípios e aí tem que estar orçamentada e não estando orçamentada não pode ser executada”. Ou, adianta o sócio da PLMJ e especialista em Direito Administrativo, “podem ser programas que são aplicadas pelos privados. Aí podem candidatar-se a esses programas”.
No mesmo programa, conduzido por Filipe Alves, diretor do JE, Diogo Feio, sócio da Sérvulo, recorda que, no que toca ao Quadro Financeiro Plurianual “no plano jurídico há soluções para essa questão”. Esses fundos, que têm regras diferentes face ao PRR “vivem sempre do princípio N+3, ou seja, terminado o período dos programas existem mais três anos para execução dos mesmos”, assinala.

Questionado se dado que uma grande fatia dos fundos é executada por entidades públicas, estas terão ou não condições para executar esses fundos, Mário João Fernandes, consultor da Abreu Advogados recorda que “no primeiro trimestre de 2022 nunca haveria uma cornucópia de despesa pelo que mesmo com eleições antecipadas para a Assembleia da República não se verificarão, por comparação com o que aconteceria fora dessa circunstância, grandes atrasos na execução da despesa baseadas nos fundos europeus”. Este consultor recorda que a baixa taxa de execução dos fundos europeus, para a qual o Tribunal de Contas alertou esta semana, “é um problema antigo”.
Rui Nuno Baleiras adverte que desde que a receita suplementar não resulte de medidas legislativas válidas exclusivamente para o ano de 2021, o Governo pode encaixar em 2022 as subvenções europeias. No entanto, no caso da receita europeia atribuída ao PRR português sob a forma de empréstimos, “aí teria que pensar melhor para saber se existirá algum entrave legal”, uma vez que “é preciso assegurar a existência de autorização legal para o Estado contrair esta dívida. Todavia, estamos a falar de ume verba menor no financiamento europeu total previsto para 2022”. A velocidade de execução do PRR não depende apenas do financiamento público. Nota Rui Nuno Baleiras que também passa pela autonomia e sentido de responsabilidade das equipas de gestão.

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