Chegaram a ser quase 100 milhões e eram conhecidos como ‘pequenos imperadores’. Quando ainda em vida do ‘Grande Timoneiro’, Mao Tsé-Tung, a China introduziu a política do filho único (nos finais de década de 70, mas já sob a influência do pragmático Deng Xiaoping), o mundo percebeu que alguma coisa estava a mudar num dos mais fechados países do planeta. Oficialmente, a intenção era a de melhorar o nível de vida, na altura paupérrimo, dos chineses e controlar uma população que ultrapassava os mil milhões de pessoas.
Como tudo o que o maoismo fez na China, o regime não se limitou a decretar a medida: envolveu-a por uma aura de nacionalismo (a bem do povo) e tratou de implementar multas pesadas para quem prevaricasse. Havia uma exceção: a província de Henan (estranhamente, a província mais populosa do país), onde os casais puderam continuar a ter dois filhos – talvez porque é considerada o berço da nação. O resultado era o que seria de esperar: em três ou quatro décadas, a China começou a envelhecer artificialmente, colocando em perigo o muito que tinha evoluído desde a nebulosa década de 70. Em outubro de 2015, o governo chinês aboliu a lei, passando a permitir dois filhos por família e em 2021 acabou por permitir três.
Mas não se pense que o assunto caiu da agenda política e os chineses passaram a ter os filhos que bem lhes apetecesse. A finalidade é que mudou 180 graus: a ‘ordem’ é agora povoar a China de chineses e impedir que o país sucumba à terceira idade – como em pouco tempo acontecerá à ‘velha’ (cada vez mais velha) Europa. Em outubro do ano passado, a China introduziu uma série de novas políticas de apoio à natalidade, “com o objetivo de construir uma sociedade mais propícia à criação de filhos, à medida que o país enfrenta profundos desafios demográficos impostos pelo rápido envelhecimento da população”, refere um texto oficial do governo liderado por Xi Jinping.
Uma diretiva do Conselho de Estado avança 13 medidas específicas para melhorar os serviços de apoio ao parto, expandir os sistemas de assistência infantil, fortalecer o apoio à educação, casa de família e sustentabilidade do emprego, “e promover um ambiente social favorável ao parto”.
O documento incentiva as autoridades locais a garantir a implementação de políticas de licença-maternidade, remuneração por parto, licença-paternidade e licença para assistência à infância. Foi estabelecido um sistema de subsídios de nascimento e os pais passaram a contar com benefícios fiscais. A área da saúde foi alinhada com o novo conceito: foram acrescentados serviços de alívio da dor do parto e tecnologia de reprodução assistida à lista daquilo que o seguro médico abrange. “O país também aumentará a educação em saúde para adolescentes para prevenir gravidezes indesejadas e melhorar os serviços de atenção à gravidez precoce e ao aborto”, refere ainda o texto oficial. Adianta ainda que adianta que “novos esforços serão envidados para aumentar o fornecimento de recursos pediátricos de qualidade, canalizar esses recursos para o nível comunitário e garantir uma distribuição mais equilibrada entre as regiões”. Foi aumentada a acessibilidade aos serviços de assistência infantil e criados centros de assistência infantil ao nível muito próximo das prefeituras e cidades. E também “as localidades com capacidade são incentivadas a aumentar os limites dos empréstimos do fundo de previdência habitacional para famílias com vários filhos, para apoiá-las na compra de casas”.
O problema
Se o envelhecimento da população foi detetado como um problema a meio da segunda década do milénio, a realidade tornou-se dramática em 2022. Para uma população de 1,4 mil milhões de pessoas, mais de um milhão (14%) têm pelo menos 65 anos. Há quase 300 milhões de cidadãos chineses com 60 anos ou mais — um número que deve ultrapassar 400 milhões até 2033 e aproximar-se dos 500 milhões até 2050, segundo dados oficiais. Nessa altura, e se nada tivesse sido feito, os idosos representariam quase 35% da população do país.
Paralelamente, a China desenvolveu recentemente o Plano de Ação Nacional para Crianças Migrantes e a Lei da Educação Pré-Escolar, medidas acolhidas como exemplares por parte da própria UNICEF. O primeiro projeto pretende atender às necessidades específicas de grupos particularmente vulneráveis: em 2020, 138 milhões de crianças chinesas — quase metade da população infantil do país — foram afetadas pela migração. Destas, 67 milhões foram deixadas para trás por pais migrantes, principalmente em áreas rurais, enquanto 71 milhões mudaram para as cidades para onde os seus pais migraram em busca de trabalho. Segundo dados recentes, o governo tem um plano de financiamento de todo o projeto da ordem dos 500 milhões de dólares por ano - que contempla um subsídio anual de aproximadamente 430 euros por criança com menos de três anos. Não parece haver dúvidas sobre o envolvimento político do regime com as soluções encontradas. Mas Xi Jinping não é um exemplo:em 1987, casou com a cantora Peng Liyuan (em segundas núpcias), na altura bem mais conhecida do público que o marido;tiveram apenas uma filha, Xi Mingze, que se formou em Psicologia na Universidade de Harvard em 2015.