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CEO da Premium Green Mail: "Mercado postal não é liberalizado. Pretende-se que exista um monopólio"

A responsável da PGM, um dos operadores do sector postal, defende que o mercado português não é livre, como a lei europeia manda. Para Ana Serrabulho, existe uma força para que os CTT continuem a dominar este mercado.

As notícias de que o Governo mandou a Parpública comprar uma participação nos CTT - Correios de Portugal após a nacionalização caíram como bombas, tanto na sociedade como no principal concorrente do serviço postal, a Premium Green Mail (PGM).

A CEO da PGM concedeu uma entrevista ao Jornal Económico para abordar aquelas que considera serem as vantagens que os CTT têm perante os outros players do sector, bem como o monopólio que os correios criaram em Portugal, mesmo após a liberalização do sector postal em 2012.

A PGM considera que os CTT têm vantagem em relação aos outros concorrentes. A União Europeia liberalizou o sector em 2012, mas os CTT detém a maior fatia do mercado. 

A União Europeia tem um objetivo da liberalização do mercado no sector postal há bastantes anos, sendo que em 2012 foi dado o último passo, com o pressuposto de acabar com os regimes de monopólio que, de uma forma geral, existiam transversalmente na Europa e promover a concorrência. Sabendo nós de antemão que, portanto, existindo concorrência o mercado será beneficiado e todos os seus consumidores serão beneficiados.

No que respeita o serviço universal, a PGM surge como operador em 2017 para ser uma alternativa de referência no âmbito do sector universal. São muito poucos os operadores que foram aparecendo e ainda menos aqueles que conseguiram vingar. Porque é um negócio difícil e complexo.

Disse que o sector postal é difícil e complexo. Em que medida?

Sabemos que o negócio da correspondência é maduro, fruto da digitalização da sociedade. Acaba por vir em declínio há bastantes anos, mas, ainda assim, é um negócio que movimenta mais de 500 milhões de euros, sendo que a correspondência, apesar da tendência de declínio natural e inevitável, representa mais de metade dessas receitas.

Neste caso, mais de 90% da quota de mercado do serviço universal é detido pelos CTT. É importante compreendermos, no fundo, a preponderância e relevância do mercado e aquilo que ainda representa a correspondência nos dias de hoje. Portanto, em termos concorrenciais, àquilo que existe no âmbito do serviço universal e em particular a distribuição da correspondência e os CTT.

O que está a diferir entre os CTT e restantes operadores postais?

Em termos práticos, o que temos vindo a observar desde que iniciámos é que existe um conjunto de barreiras, que impedem o desenvolvimento dos operadores.

Uma das primeiras questões é a do IVA no âmbito do serviço universal, que é algo que, a nível de sujeição, a concessionária [CTT] está isenta. Portanto, os demais operadores alternativo, no âmbito da prestação do serviço universal, estão sujeitos à taxa de IVA.

Isto é algo que retira competitividade a que está sujeito à aplicação de IVA. Porquê? Porque acaba por ser um custo que posteriormente acaba por ser aplicado ao cliente. Neste caso, a PGM perde competitividade porque tem de acrescer IVA aos seus serviços.

Fala que operam no serviço universal. Mas quem são os clientes da PGM?

Concorremos no mercado de quantidade, que é basicamente o mercado empresarial.

Estima-se que este mercado represente 60% do valor global do mercado. Deste total, 60% serão mercado público e 40% privados. Portanto, o mercado público é um grande consumidor e cliente do serviço universal.

A componente do mercado público é outra que nos diferencia. São muito poucos, mesmo residuais e inexpressivos, os procedimentos de contratação pública abertos à concorrência.

Num mercado de quantidade, em que 60% seja público, seja por via de ministérios ou municípios, são muitíssimo poucos. Um estudo de 2021 indicava que 2% do valor deste mercado era aberto à concorrência e que tinha oportunidade de apreciar o caderno de encargos, saber os valores envolvidos e apresentar ou não uma proposta.

No fundo, trata-se também de um constrangimento. Quando se pretende uma liberalização de mercado há mais de dez anos, fomentar a concorrência, quando temos uma fatia muitíssimo considerável do mercado, que é público, que não está de todo aberto à concorrência.

E o que dizem os reguladores?

A Autoridade da Concorrência tem tido oportunidade de se pronunciar várias vezes de que seria fundamental a promoção de um procedimento concursal para perceber aquilo que o mercado tem para oferecer e está disposto a oferecer.

Bem como a questão do IVA, que a Autoridade da Concorrência já se manifestou diversas vezes, que diz que esta deve ser equitativa e que os operadores que operam no mesmo mercado possam ter o mesmo ponto de partida para os seus serviços.

Então, neste caso, acham que estão a avançar vários passos atrás da casa de partida?

Naturalmente que temos essa consciência. Quem chega tem que ter a noção de tem todo um caminho para fazer. O nosso projeto foi construído do zero e de raiz.

Apostamos numa estratégia de rede própria e tivemos de implementar toda a estrutura que opera. Não temos subcontratação de serviços nem regimes de franchising de agenciamento. Não é só o investimento necessário, mas a aposta significativa e um esforço muito considerável.

Se, adicionalmente, depois temos todo um conjunto de condicionantes de mercado... Não estamos a falar de beneficiar de algo mais. Estamos só a falar para que existam iguais condições, nomeadamente do ponto de vista fiscal [IVA]. Do ponto de vista dos procedimentos públicos, é importante os concorrentes terem a oportunidade de perceber quais os requisitos e valores, para que possam fazer as suas análises de viabilidade e apresentar, ou não, uma proposta caso existam condições.

Agora, inibir e inviabilizar a possibilidade de qualquer concorrente poder decidir per si fazer um investimento para poder concorrer a um procedimento de contratação pública é algo que não faz sentido no mercado como o que temos aos dias de hoje.

Mas existem outras medidas a ter em conta.

Sim. Existe todo um quadro legal que também tem de ser observado. Há mais de dois anos que temos vindo a reiterar, junto da autoridade reguladora e Autoridade da Concorrência, o quadro legal vigente.

No nosso entender, e no que respeita ao tema da concessão e das obrigações da concessionária, não há nomeadamente dos preços. O serviço universal tem vários princípios subjacentes: transparência, não discriminação entre utilizadores com a mesma tipologia e que sejam idênticos do ponto de vista da descrição.

Já tivemos oportunidade de apresentar denúncias às autoridades e de expor o tema de que os preços propostos nos procedimentos públicos a que temos a oportunidade de concorrer apresentam descontos extraordinários face àquilo que é a tabela de preços pública vigente. Para nós, neste tema, não se coaduna com aquilo que é a legalidade do quadro nacional e do quadro comunitário.