"Um sucesso ainda maior do que o leilão de há um ano". Foi assim que João Pedro Matos Fernandes descreveu o leilão de energia solar que teve lugar em setembro de 2020. O então ministro do Ambiente (como o então secretário de Estado da Energia, João Galamba, sentado a seu lado) estimava que o benefício para os consumidores de eletricidade atingissse os 559 milhões de euros em 15 anos.
Mas passados mais de três anos, os projetos deste leilão teimam em não sair da gaveta. Dos 13 projetos com um total de 670 megawatts (MW) ainda nenhum está concluído.
As razões são várias: impacto negativo da pandemia e da guerra da Ucrânia nas cadeias de abastecimento; aumento dos preços dos componentes; aumento das taxas de juro, encarecendo o financiamento; atrasos nos licenciamentos; legislação pouco clara.
Destes 13 projetos, "cinco obtiveram licença de produção, estando dois em fase final de obtenção de título de controlo prévio", segundo um balanço feito pelo ministério do Ambiente a pedido do JE. "Nenhuma das centrais do leilão de 2020 está construída", de acordo com a tutela.
O grande vencedor deste leilão foram os sul-coreanos da Hanwha Q Cells com seis lotes conquistados num total de 315 MW. O JE questionou a empresa sobre os projetos, mas não obteve respostas até ao fecho da edição.
Os espanhóis da Endesa (99 MVA) e os da Iberdrola (69 MVA) também conquistaram um lote cada neste leilão.
Questionada pelo JE, fonte oficial da Endesa avançou que o projeto "encontra-se neste momento em fase Avaliação de Impacto Ambiental, projetando-se uma entrada em exploração no ano 2026".
Seguem-se os catalães da Audax com três lotes (157 MVA), os franceses da Impala SAS com dois lotes (20 MVA) e os espanhóis da Enerland com um lote de 10 MVA.
Em resposta ao JE, fonte oficial da Audax adianta que os projetos ficam localizados em Ferreira do Alentejo, distrito de Beja: Audax Solar Da Luz 1 de 128 MWp e Audax Solar Do Céu 4 de 76 MWp.
"Os projetos conseguiram a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) há poucas semanas, pelo que seguem a sua tramitação. Gostariamos que os procedimentos em Portugal, assim como em muitos outros países, fizessem-se a melhor ritmo, mas o ritmo não é marcado pela empresa, mas pela administração pública. Na atualidade, estes projetos seguem o seu trâmite e esperamos que estejam em fase de 'ready to build' no final de 2024. Esperamos construi-los em 2025, uma vez que tenhamos todas as autorizações", segundo oficial desta empresa que fica sediada em Badalona, nos arredores de Barcelona.
Por sua vez, a Enerland, sediada na cidade espanhola de Zaragoza, deixa algumas críticas aos processos administrativos. "Atrasos nos licenciamentos" e "existem muitas lacunas na lei em matéria de negociações para a expropriação de serventias para a passagem de linhas e postes", segundo fonte oficial da empresa que também indiciou os elevados custos de investimento registados em 2021 e 2022 e as taxas de juro elevadas em 2023.
Em relação ao leilão de 2019, foram atribuídos 23 lotes, correspondendo a 26 projetos que totalizam quase 1.300 MVA de potência de ligação. "Todos os projetos obtiveram licença de produção, 22 obtiveram licença municipal de construção e 12 encontram-se construídos, representando os últimos uma potência de ligação de 429 MVA", segundo o ministério do Ambiente que confirmou que estas 12 centrais estão a produzir eletricidade.
Em março de 2023, apenas sete das centrais do leilão de 2019 tinham entrado em operação, com mais cinco a ficarem concluídas desde então.
Em dezembro, a Iberdrola anunciou a conclusão da instalação das suas centrais solares do leilão de 2019, em que venceu o maior número de lotes, num total de sete: Montechoro I e II (12 MW e 25 MW), Algeruz II em Setúbal (27 MW), Conde, em Palmela (14 MW), as centrais fotovoltaicas de Alcochete I e II (46 MW) e Carregado (62 MW).
Em termos de potência, os franceses da Akuo foram os vencedores do leilão de 2019, num total de 370 MW dos 1.150 MW em jogo. O JE pediu um balanço dos projetos à empresa, mas não obteve resposta.
Outros vencedores foram os espanhóis da Dos Grados (110 MW) e os franceses da Total Energies (100 MW).
Entre outros promotores que já concluíram os seus projetos encontram-se os espanhóis da Solaria - lotes 4 (19 MW), 5 (10 MW), 6 (10 MW) e 14 (10 MW) - e uma de 13 MW do grupo Lusiaves.
Recorde-se que em em 2022 e em 2023 o Governo alargou os prazos para a construção e entrada em operação destas centrais, prevendo que algumas centrais possam entrar em operação até 2026, justificando a decisão com os efeitos negativos da pandemia da Covid-19 e da guerra da Ucrânia.
Questionado sobre os alargamentos dos prazos, o presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) apontou o "impacto notório" das subidas das taxas de juro de 0,25% para mais de 4% "para quem está a negociar financiamento".
Pedro Amaral Jorge destacou que a extensão do prazo em Portugal está em linha com o que foi feito em Espanha "há uma semana".
"Parece-me legítimo que a bancabilidade dos projetos seja assegurada através de alterações de prorrogações dos prazos. É benéfico não só para os promotores de eletricidade renovável", mas também para os consumidores "pois esta eletricidade está muito abaixo dos preços do mercado spot por causa dos CfD ou das contribuições significativas para o sistema elétrico", conforme previsto nos leilões. "Tentar preservar isso, faz sentido", defendeu.
Em termos de datas para entrada em operação, em relação ao leilão de 2019, os lotes 7, 9, 19, 20, 24 e uma das centrais do lote 21, não estando sujeitos a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), têm como data limite de entrada em exploração abril de 2024. Os restantes, sujeitos a AIA, têm como data limite de entrada em exploração abril de 2025, disse a tutela em março de 2023.
Já em relação ao leilão de 2020, os lotes 7, 8, 9, 10, 11 e 12 não estão sujeitos a AIA e têm como data limite de entrada em exploração junho de 2025. Os restantes, sujeitos a AIA, têm como data limite de entrada em exploração junho de 2026, de acordo com a Rua do Século.