O Banco de Portugal divulgou a análise do seu Governador Mário Centeno sobre as consequências dos desenvolvimentos no mercado de trabalho europeu para a evolução da inflação.
O paper do Governador Mário Centeno, sob o título “Praise to the euro area labor market: we are doing it better”, detalha a transformação do mercado de trabalho na área do euro.
O Governador do Banco de Portugal defende a "implementação de um mecanismo de seguro de desemprego à escala da União Europeia" que na sua opinião "contribuiria de forma decisiva para aumentar a eficiência do mercado de trabalho", pois é preciso "salvaguardar a procura de mão de obra para criar novos postos de trabalho, garantir uma flexibilidade segura para a adaptabilidade, aproveitar a migração para um mercado de trabalho mais alargado e abordar a desigualdade entre países para partilhar a prosperidade e a estabilidade entre todos", refere o Governador do banco central.
"Um elemento fundamental para alcançar estes objetivos é a capacidade orçamental central aprovada pelo Conselho Europeu em dezembro de 2019, exemplificada pelo Next Generation EU (PRR)", refere o economista que acrescenta que "a conjunção de um mercado mais eficiente e inclusivo com o reforço das instituições que formam o mercado único e a união monetária e bancária facilitam a transmissão da política monetária do Banco Central Europeu".
"A contenção de efeitos de segunda ordem nos salários tem sido uma realidade e há razões para assim continuar", defendeu ainda Centeno que sublinha que "os desafios presentes e futuros não deixam espaço para a complacência de decisores e agentes económicos".
"Neste contexto, a função das políticas económicas continua a ser a estabilização da economia e das condições financeiras", considera o Governador.
"Devemos permanecer, assim, fiéis aos princípios de reconhecer os dados; reportar as opções; e reagir apenas se, mas sempre que, necessário", defende Mário Centeno que destaca que o mercado de trabalho "permanece o maior ativo da área do euro e deve ser preservado".
"Esta é uma prioridade dos Tratados da União Europeia para todos", sublinha.
Mário Centeno, por causa da ligação entre a inflação e os salários, não deixou de recomendar que "os aumentos salariais devem ser orientados com prudência, devendo ser impulsionados por ganhos de produtividade, como se observou nos últimos 35 anos".
O Governador do Banco de Portugal está optimista, pois diz que "o mercado de trabalho, apoiado pelas políticas europeias adoptadas durante a pandemia de Covid, abriu caminho a um perfil salarial mais alinhado com a estabilidade dos preços. Olhando para o futuro, há poucas razões para antecipar espirais salários-preços na área do euro".
O que é que podemos esperar?
Centeno responde à pergunta por si lançada. "Na Europa, o mercado de trabalho tem funcionado como uma salvaguarda, protegendo os rendimentos dos impactos imprevisíveis de choques inflacionistas exógenos, impulsionados pela oferta. No entanto, a zona euro deixou de crescer há um ano. Se não fosse o emprego criado, a inflação e a estagnação do crescimento ter-se-iam traduzido em estagflação", refere o economista.
"Evitámos a estagflação porque as empresas interpretaram corretamente a inflação como um fenómeno transitório, que se adaptou à procura, não exigindo ainda qualquer ajustamento do emprego", acrescenta.
Quatro razões contribuíram para este resultado, defende o economista. "Em primeiro lugar, a credibilidade do BCE, patente na ancoragem das expectativas da inflação. Em segundo lugar, o facto de a inflação ser impulsionada pela oferta levou a uma redução imediata quando os os choques de oferta se dissiparam. Em terceiro lugar, as políticas orçamentais que, até à data, têm evitado uma orientação excessivamente expansionista e as subsequentes pressões sobre a procura. Por último, um mercado de trabalho mais flexível e móvel tem efetivamente contido os efeitos de segunda ordem. No entanto, a complacência não se justifica. O mercado de trabalho não se ajusta gradualmente durante as recessões ou desacelerações económicas prolongadas", lê-se no paper de Centeno.
O Governador lembra que quando as empresas iniciam uma redução do emprego, esta ocorre de forma sincronizada, conduzindo a um aumento do desemprego. "A destruição de postos de trabalho e o congelamento de novas contratações são mais sincronizados nas recessões do que durante as retomas", frisou.
"Graças ao mercado de trabalho inovador da área do euro e às respostas políticas eficazes, o ciclo de crise e expansão foi mais curto em comparação com os Estados Unidos; o emprego já tinha recuperado no final de 2021, enquanto os EUA demoraram mais de dois anos (até ao final de 2022) para regressar ao emprego pré-pandemia", destaca Centeno.
Mário Centeno lembra que foram necessários três anos para atingir a tendência de emprego anterior à pandemia. Mas "será necessário menos tempo para inverter esses ganhos históricos".
"As políticas monetárias e orçamentais devem ter em conta os desafios do mercado de trabalho, reconhecendo que a procura de mão de obra é uma procura derivada da atividade económica. Preservar os investimentos e as aspirações dos trabalhadores é incompatível com um aperto maior do que o necessário", defende o economista.
"O sucesso de uma economia não se mede apenas pelo seu desempenho global, mas também pelo sucesso dos que estão mal incluídos ou excluídos. É essencial atuar nas franjas", considera ainda o economista que lidera o BdP.
Mário Centeno refere também no documento que "a política monetária tem estado a atuar, embora com o seu habitual atraso" e diz que "temos de ser pacientes, como só os decisores políticos o podem ser, seguindo os princípios de ler os dados, comunicar as conclusões e reagir apenas se necessário".
O Governador lembra que "ao longo das últimas duas décadas, a taxa de atividade da área do euro apresentou uma tendência ascendente consistente, com um aumento extraordinário de 5,7 pontos percentuais" e acrescenta que "de forma notável, nem mesmo a pandemia conseguiu perturbar esta mudança estrutural; apesar de um recuo temporário, a taxa de atividade recuperou rapidamente a sua tendência anterior"
Além das reformas do mercado de trabalho, a Europa conseguiu a redução da incerteza em torno do projecto do euro, salienta Centeno.
As mudanças institucionais conduziram a um mercado de trabalho mais flexível e dinâmico,
reduzindo o custo da criação de novos postos de trabalho, refere o economista que diz que "este facto beneficiou os trabalhadores de todas as qualificações, com uma melhoria global da qualidade do emprego".
"A percentagem de trabalhadores com ensino superior aumentou de 30% em 2012 para 38% em 2023, e a proporção de profissionais qualificados subiu de 17% para 22%. Mesmo aqueles que são tipicamente marginalizados no mercado de trabalho - trabalhadores pouco qualificados, migrantes, mulheres e jovens - beneficiaram. Foram também criados empregos com menor produtividade, frequentemente associados aos serviços", lê-se no paper de Centeno.
Desde o início da pandemia, a Europa criou mais de mais de 9 milhões de postos de trabalho, revela.