A Comissão Técnica Independente anuncia esta terça-feira os resultados da sua análise às cinco opções para receber o novo aeroporto de Lisboa. Entre elas, a favorita da CTI – apurou o JE – será a de avançar para a construção de um novo aeroporto de raiz em Alcochete ao mesmo tempo que se insta a concessionária ANA – Aeroportos de Portugal (Vinci) a realizar obras para melhorar a situação do tráfego no Aeroporto Humberto Delgado, na Portela (Lisboa).
Horas antes do anúncio final da decisão técnica, o presidente da Câmara de Alcochete, Fernando Pinto, esteve à conversa com o Jornal Económico e mostrou duvidas sobre a velocidade com que a CTI estima que a nova estrutura de Alcochete possa estar concluída. Mas salientou que o atual governo, mesmo demissionário (ou demitido e em gestão) tem toda a legitimidade de, pelo menos, lançar os Estudos de Impacto Ambiental das soluções finalistas.
As informações que o JE recolheu dão Alcochete (mais Portela) como a solução escolhida pela CTI para a construção do novo aeroporto de Lisboa. Como é que isto pode influenciar ou alterar de forma decisiva a economia da região?
Bom, em primeiro lugar, eu não tenho ainda nesta, nesta fase, essa informação, pese embora tenha um conjunto de expectativas elevadas relativamente a esta matéria. E não tenho apenas essas expectativas agora. Já tenho essas expectativas há algum tempo e fiquei muito sereno e tranquilo a partir do momento em que uma Comissão Técnica Independente, liderada pela professora Maria do Rosário Partidário, assumiu estas funções no sentido de elaborar um trabalho estritamente técnico e que permitisse ao Governo em funções a decisão política da localização da nova solução aeroportuária, seja ela definitiva ou complementar. Aliás, se bem se recordam, quando iniciámos este processo existia um conjunto grande de alternativas, algumas delas dependentes umas das outras, nomeadamente se porventura o aeroporto Humberto Delgado se iria manter, se iria acabar de forma faseada, dando origem à implementação de uma nova solução ou de uma nova cidade aeroportuária.
Isso atrasou indevidamente o processo?
Houve um conjunto de variáveis que se foi discutindo ao longo do ano. Pelo meio houve alguns atrasos, mas, ainda assim, recordo que há cerca de dois ou três meses houve a promessa de se tentar recuperar esse tempo que entretanto se perdeu. Isto no sentido de, até ao final deste ano, haver um processo finalizado por parte da Comissão Técnica Independente, para que depois então o governo, em Janeiro, pudesse tomar uma decisão. Aquilo que estava previsto e estimado era que chegaríamos à data de amanhã [hoje, terça-feira, 5 de dezembro], em condições de serem apresentadas ao Governo, no mínimo, três alternativas e depois o Governo iria preconizar um estudo de impacto ambiental para as três alternativas em concreto e daí resultará a decisão final. E, portanto, mantemos estas expectativas. Sempre o disse e mantenho-me coerente: não nos podemos dar ao luxo de impedir a entrada de oito milhões de turistas em Portugal pelo facto de o aeroporto Humberto Delgado não dispor de condições para acolher esse número de passageiros.
Isto porque o tráfego de passageiros que chega ao Aeroporto Humberto Delgado já esgotou a capacidade da estrutura.
Já não absorve mais tráfego. De uma vez por todas, não podemos estar aqui mais 50 anos a avançar e a recuar. Entre avanços e recuos já passaram 50 anos e temos que tomar uma decisão que é de interesse nacional. Há um interesse da região e um interesse nacional do país. Entre as soluções que são apresentadas, muitas delas andam aqui à volta do concelho de Alcochete – Benavente, Montijo – pelo que, naturalmente, podem ser um investimento fundamental para a região. Sempre defendi também que existem dois pressupostos que não podem deixar, de forma alguma, de ser cumpridos: preservar a segurança de pessoas e bens, independentemente de partirmos para a construção de uma cidade aeroportuária ou de uma solução complementar.
E o segundo pressuposto?
O segundo é o respeito inequívoco pelas questões de caráter ambiental. E, portanto, cumpridos esses dois pressupostos, eu julgo que é fundamental acolhermos na região um investimento desta natureza. Iremos ser, seguramente, todos beneficiados. E depois compete-nos a nós, enquanto autarcas, preservarmos aquilo que de mais genuíno possuímos, mitigando os aspetos negativos que um investimento desta natureza trará e potencializando os aspetos positivos, claro.
A demissão do primeiro-ministro e a – anunciada para breve – demissão do governo e dissolução do parlamento não inviabilizam uma aprovação da solução final? Ou acha que o governo atual tem condições, enquanto estiver em funções, para iniciar os processos com vista às soluções que vão ser apontadas no documento?
O senhor primeiro-ministro e, naturalmente, o Governo encontra-se ainda em funções. Em plenas funções.
Mas está demissionário.
Portanto, cabe ao senhor primeiro-ministro definir a sua actuação em função do contexto político que actualmente o país atravessa. O discurso que que foi sendo mantido pela comissão técnica independente é que iria chegar ao final do trabalho e apresentar três soluções, que depois seriam alvo de uma decisão política do Governo. Portanto, a partir daí o Governo sentirá a necessidade de efectivamente avançar com um estudo de impacto ambiental para as três soluções. Esse estudo seguramente levará o seu tempo, além do que tempo em que este governo se vai manter em funções. E, portanto, compete ao primeiro-ministro decidir se, porventura, avança para o respetivo estudo de impacto ambiental ou se, enfim, deixa isto para que a próxima legislatura possa desenvolver o processo. Pode haver aqui algum atraso. É natural que haja aqui algum atraso.
Mas tem condições políticas para o fazer?
Se o senhor primeiro-ministro não quiser neste momento – tendo em conta a conjuntura política – há-de avançar com esse processo e deixar isso para que a próxima legislatura depois o defina. Mas julgo que tem condições políticas, sim. Julgo que sim, que tem condições para avançar nesse sentido, pelo menos no avanço do estudo de impacto ambiental, que levará algum tempo, provavelmente não o tempo suficiente para que o primeiro ministro se mantenha em funções. Mas enfim, fica já trabalho adiantado para que depois a resolução desta questão possa ter um fim à vista com o ato eleitoral das próximas legislativas.
Não teme que estes trabalhos da atual Comissão Técnica venham a ser postos de parte com as novas eleições? Receia que o novo governo que virá – seja ele um governo socialista, numa coligação estilo geringonça ou um governo mais virado para a direita – possa riscar o trabalho feito pela CTI e recomece de novo estes trabalhos no sentido de tentar encontrar uma nova solução para o aeroporto?
Se me permite, enfim, uma opinião pessoal, eu não acredito que o próximo governo seja de direita. De qualquer das formas...
Estava a pôr as várias opções.
Claro. Mas acontecendo isso, digamos – a haver uma alternância no poder – não me parece que seja colocado em causa.
Basta que não seja uma maioria absoluta. O PS pode ter de fazer acordos com partidos que não têm necessariamente a mesma visão sobre o novo aeroporto. Até diria que entre o PS há visões diferentes sobre a temática. Pedro Nuno Santos defende uma solução Montijo para já e Alcochete se for preciso.
Mas há aqui um denominador comum entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata, que tem a ver com o facto de que é urgente tomar uma decisão relativamente a esta matéria. Portanto, e isso é fundamental, é algo que une, curiosamente, quer um quer o outro partido. Portanto, não acredito – quer seja o Partido Socialista a ganhar eleições, quer seja, o Partido Social Democrata a ganhar eleições – que se perca o tempo e o trabalho que durante cerca de um ano a comissão técnica independente esteve a desenvolver. Como o próprio nome indica, é uma comissão independente, composta por mulheres e homens de vários quadrantes e, portanto, com uma visão técnica que era aquilo que importava para a constituição desta Comissão. Julgo que esse trabalho não pode ser deitado ao lixo apenas e só porque sim. Aquilo que está aqui em causa é o interesse do país, é o interesse nacional e, portanto, os partidos são responsáveis por isso. E tenho sérias dúvidas que de facto isso isso aconteça. Mas enfim, se acontecer, assumirão seguramente essas responsabilidades.
Os estudos e as avaliações de impacto ambiental, tal como as avaliações estratégicas são processos longos. A zona de Alcochete para a qual está prevista não tem muito desse trabalho feito. Isso não é um obstáculo para um avanço rápido do projecto?
Não me parece. E vou explicar porquê: porque esse caminho tem que ser feito naturalmente. Aliás, o Campo de Tiro de Alcochete, por exemplo, tinha um estudo de impacto ambiental que vigorou até 2021, se a memória não me falha. E, portanto, era um estudo que se coadunava com a implementação da construção de uma cidade aeroportuária naquele território. Este estudo já tinha praticamente dez anos, pelo que haveria a necessidade de se fazer uma atualização. Mas, enfim, não se muda do oito para o 80, nem do 80 para o oito. Portanto, estou convicto de que o estudo de Impacto Ambiental que existia para o Campo de Tiro não deverá ser muito diferente daquele que possamos agora desenvolver. Estamos a falar de um projeto que é capaz de levar cerca de nove meses. Um ano, se tanto. E também não estou a ver que durante um ano ou durante o próximo ano de 2024 se ponha a primeira pedra do lançamento, quer de uma solução complementar, quer da construção da cidade aeroportuária. E, portanto, acho que há tempo para isso. Agora há um caminho para fazer e esse caminho tem que ser iniciado.
No seu último relatório, a Comissão Técnica Independente falava que a primeira fase da solução Alcochete poderia estar pronta a entrar em funcionamento – com o primeiro voo a chegar – dentro de cinco a sete anos. Não sei se lhe parece um prazo adequado. Acha que é realista?
Eu confesso-lhe que, nos dias de hoje, todas as autarquias do país estão a atravessar um momento difícil, por falta, sobretudo, de mão de obra. No mundo empresarial português, em todas as obras que qualquer município está a desenvolver há atrasos. E atrasos, nalguns casos, até bastante significativos, nomeadamente por falta de mão de obra. Naturalmente, num projecto desta dimensão serão empresas com outra sustentabilidade, até do ponto de vista internacional, a concorrer. E esse problema poderá até não se colocar. Mas quer na questão relacionada com falta de materiais, quer com falta de mão de obra, eu estou, muito sinceramente, a achar que esse período de tempo seja demasiadamente curto para aquilo que se pretende concretizar. Portanto, tenho algumas dúvidas relativamente ao cumprimento escrupuloso desse tempo. Isto face às condicionantes que o país, a Europa e o mundo atravessam.
Parece-lhe curto? O que é que considera mais realista, um prazo de dez anos?
Sim, por exemplo. Mas a este tempo temos que adicionar o que está para trás. Nós estamos já com a falta de resposta do Aeroporto Humberto Delgado não apenas a partir de agora, mas já de há alguns anos a esta parte. O tempo já está para trás já não volta. Julgo que o Governo actual e o seu primeiro ministro ainda em funções, têm condições para poder desenvolver este trabalho. E não podemos estar aqui agora mais três meses parados à espera de novas eleições. E este governo tem condições, tem legitimidade para poder desenvolver os trabalhos necessários para, pelo menos, os estudos de impacto ambiental, que levam seguramente o seu tempo. Se este trabalho avançar e começar a ser desenvolvido, já estaremos a ganhar algum tempo.