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Carter 1 - Biden 0

No ido ano de 1998, numa entrevista ao “Nouvel Observateur”, o Conselheiro de Segurança Nacional do Presidente Carter, Zbigniew Brzezinski, explicava como a ajuda militar prestada aos mujahedin tinha levado à intervenção militar soviética no Afeganistão. Segundo ele, aquela teve o “efeito de atrair os russos para a armadilha afegã”.


No dia em que os soviéticos cruzaram oficialmente a fronteira afegã, Brzezinski escreveu ao presidente Carter: “Agora temos a oportunidade de dar à URSS a sua Guerra do Vietname”. Algo semelhante está a acontecer na Ucrânia. Durante os oito anos que se seguiram ao golpe de estado de 2014, os EUA formaram, equiparam e armaram as forças ucranianas, com o intuito de as capacitar para derrotarem militarmente as repúblicas rebeldes e voltar a colocá-las sob a égide de Kiev.

Washington ensaiava mais uma tentativa de controlar um país com o qual a Rússia, do antecedente a URSS, partilha fronteira. Por isso, não é de estranhar que as propostas avançadas pelo Kremlin no final de 2021 para baixar a tensão na Europa e resolver diplomaticamente a crise na Ucrânia, através de um acordo de segurança, tivessem sido rejeitadas por Washington e Bruxelas. Tal como o apoio norte-americano aos mujahedin no Afeganistão foi decisivo para “atrair os russos [soviéticos] para a armadilha afegã”, também o apoio militar ao regime instaurado em Kiev em 2014 foi crucial para atrair os russos para a “armadilha ucraniana”.

A grande concentração de forças ucranianas no Donbass, na segunda metade de fevereiro de 2022, denunciava uma ação iminente contra as forças rebeldes. Como em 1979, Washington antevia uma resposta de Moscovo e não fez nada para a impedir.

Como dizia a RAND, “as nossas [EUA] ações futuras neste país [Ucrânia] conduzirão inevitavelmente a uma resposta militar da Rússia”. Os russos não serão, obviamente, capazes de não responder à pressão militar ucraniana massiva sobre as não reconhecidas repúblicas do Donbass. Este cálculo estratégico mostrou-se correto. Dificilmente Moscovo poderia ficar indiferente.

Embora o cálculo estratégico de Washington fosse em ambos os casos muito semelhante e subordinado ao mesmo racional, não é claro que o plano de Biden vá resultar como resultou o de Carter. Não é óbvio que a tentativa de empurrar a Rússia para um pântano semelhante ao do Afeganistão esteja a atingir os objetivos pretendidos.

Ao contrário dos mujahedin, os ucranianos não estão a conseguir prevalecer no campo de batalha. O anunciado objetivo de controlarem a Crimeia está longe de se concretizar. Uma operação de mudança de regime em Moscovo, nos termos pretendidos por Washington, não passa de uma quimera, além de que as sanções não estão a destruir a economia russa.

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