No painel "Chave um. Fogo Cruzado. O sistema financeiro europeu: quase tudo por fazer?" da conferência que celebra os nove anos do Jornal Económico, dedicada ao presente e ao futuro da União Europeia, participaram Carlos Costa, antigo governador do Banco de Portugal e Carlos Albuquerque, ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, ex-diretor de supervisão do Banco de Portugal e autor do livro "Os Bancos Portugueses e o Mecanismo Único de Supervisão (SSM)".
"Não há desenvolvimento económico sem um sistema financeiro que transporte a capacidade de financiamento disponível na economia, a poupança, para os agentes económicos que investem. A revolução industrial é a conjugação de inovação tecnológica, desenvolvimento cientifico e um conjunto de agentes económicos que os permitiram, o que significa que quando hoje falamos em desenvolvimento de qualquer país, temos de perguntar onde é que está a poupança disponível, quem é que analisa e qual é a alocação que lhe é feita", disse Carlos Costa.
"Não é por acaso que no relatório Draghi se fala em 800 mil milhões de euros de recursos que são necessários e se fala da necessidade de diversificar as aplicações das poupanças, nomeadamente aumentando o apetite de risco e aumentando o acompanhamento da capacidade empreendedora dos europeus", disse ainda na conferência que decorreu na AESE Business School.
"A Europa é excedentária de poupança o que explica a nossa exposição ao risco de outros continentes e em particular do continente americano, o que significa que temos de partir do potencial de investimento que temos disponível", realçou.
Carlos Albuquerque defendeu a sacralização dos depósitos que é fundamental na estabilidade financeira e à tese de que não há crescimento sem a alocação da poupança ao investimento, respondeu que estamos com excesso de liquidez. Em Portugal, segundo o gestor, "temos cerca de 90 mil milhões de euros de excesso de liquidez na banca, o chamado funding gap".
Os empréstimos a empresas "são inferiores a 2014", disse ainda Carlos Albuquerque que tinha na CGD tinha o pelouro do crédito é testemunhou que "não havia tanta procura de crédito pela empresas" como se poderia esperar.
"Os ativos da banca na Europa andarão à volta de 80% do PIB, a banca nos Estados Unidos é 40% do PIB. Nós temos uma Europa onde as poupanças são essencialmente geridas pelo setor bancário", disse Carlos Albuquerque.
"Todos os países têm de assumir risco, nos EUA a poupança privada assumiu riscos, porque apenas 40% dos ativos estão na banca", explicou.
A banca não tem apetência para assumir muitos riscos, vive numa lógica de gestão de ativos e passivos", frisou.
"O nível de imparidades para perdas de crédito dos três maiores bancos portugueses, CGD, BCP e Novobanco, entre 2008 e 2017", foi de cerca de 35 mil milhões de euros. O nível de imparidades 2018 até 2024 é de 12 mil milhões de euros, isto é assumir risco, a banca assumiu o risco do país", disse Carlos Albuquerque que lembrou que a consequência disso foi a redução da construção imobiliária.
"Nos anos 90 e anos 10 construiu-se por ano 70 a 80 mil habitações, depois construímos 20 mil e na década anterior 11 mil por ano", sublinhou.
O país tem de assumir risco de alguma forma, o risco imobiliário foi durante muitos anos assumido pela banca", disse.
"A União Bancária foi criada para afastar o risco bancário do risco da dívida soberana e isso é difícil de acontecer, porque com o excesso de liquidez os bancos tem de aplicar o dinheiro e têm no feito em dívida soberana", disse Carlos Albuquerque.
Carlos Costa assumiu a palavra para defender que a função do sistema financeiro é a de transferir poupança para as necessidades de financiamento e ao mesmo tempo de assegurar a estabilidade financeira, dando garantia mínima ao aforrador e garantia máxima ao depositante. Ora, disse, "é necessário que do lado do destinatário da poupança haja capacidade para absorver parte das perdas que resultam deste risco, e é necessário também que a banca esteja atenta para o equilíbrio entre capitais próprios e capitais alheios do setor que utiliza os recursos, empresas e particulares, significa basicamente que quando colocamos todo o acento tónico no sistema financeiro, estamos a perder de vista esse equilíbrio".
Defende ainda uma relação direta entre o aforrador e o empreendedor através do capital de risco.
"O nosso sistema financeiro vive sempre no arame do ponto de vista do risco, porque está permanentemente a aceitar que a alavancagem, das famílias ou das empresas, se encontre no limite do possível", disse ainda.
"Porque os lucros gerados não são usados para autofinanciamento das empresas?", questionou o ex-Governador do Banco de Portugal, que reconheceu no entanto que apesar de tudo, "os níveis de capitais próprios das empresas melhoraram por força da crise, mas não têm sido reforçados, também porque o nosso mercado de capitais não é suficientemente atrativo para que os aforradores transfiram o seu aforro que estão em depósitos, para ações (capital das empresas)", alertou.
O nível de imparidades dos três principais bancos citados por Carlos Albuquerque "significam que os bancos assumiram mais risco do que o que deveriam ter assumido, ou seja os bancos deram uma Primavera à economia portuguesa sem o guarda-chuva que devia ter para fazer face os períodos adversos", referiu Carlos Costa.
Depois de facilmente ter sido criado o Mecanismo Único de Supervisão (MUS), que supervisiona os bancos; o Mecanismo Único de Resolução (MUR), que gere os bancos em dificuldades, arrasta-se há anos a tentativa de implementar o terceiro pilar da União Bancária o Sistema Europeu de Seguro de Depósitos (EDIS), um sistema de proteção para os depósitos bancários. Questionados sobre se de facto vai acontecer a criação de um fundo europeu de garantia de depósitos, ou se a União Europeia está agora mais focada em financiar a defesa e portanto a União da Poupança e Investimentos quer canalizar as poupanças do europeus que estão em depósitos para o mercado de capitais, nomeadamente para as empresas de defesa, Carlos Albuquerque defendeu que "o terceiro pilar da União Bancária não acontece muito por causa de alguns países, nomeadamente da Alemanha, e é por causa dessa ligação forte entre o sistema bancário e dívida soberana. Os alemães não querem mutualizar os depósitos por questões de segurança e enquanto existir essa ligação forte (desde 2014 para cá o peso da dívida soberana nos ativos dos bancos não baixou, mesmo em Portugal, aliás até tem subido) entre dívida soberana e sistema bancário vai ser difícil".
"O problema é a dificuldade de mutualizar a dívida num mercado que não está integrado. A União Bancária e o MUS conseguiram uma coisa surpreendente que foi harmonização regulamentar e de supervisão", disse.
A integração dos bancos na Europa é uma miragem para Carlos Albuquerque, que disse que "neste momento só há um banco verdadeiramente pan-europeu, que é o Revolut que cresce 60% a 70% ao ano".
"Não há bancos pan-europeus e tão depressa não haverá, pois as realidades bancárias são muito nacionais e existem muitas interferência no sistema financeiro, vimos recentemente o Governo a dizer que não queremos mais bancos espanhóis em Portugal o que é contrário à lógica da União Bancária", disse.
A banca e o mercado de capitais são complementares, e o mercado de capitais dos EUA é muito mais desenvolvido, sublinhou, acrescentando que "não há inovação sem risco".
Carlos Costa rebateu dizendo que é preciso distinguir banca comercial de banca de investimento, quando se fala em bancos pan-europeus versus bancos norte-americanos. "Nós não temos banca de investimento na Europa porque todo o sistema de financiamento foi construído com base no crédito", disse o ex-Governador que defendeu "a pegada territorial" da banca comercial.
"Uma banca pan-europeia de crédito passa necessariamente por fusões e aquisições", sublinhou Carlos Costa.
As condições de rentabilidade e de atratividade não favoreceram os bancos europeus até agora porque estavam com price-earnings inferior a um, acrescentou.
"Na Europa não há investidores institucionais, os fundos de pensões são poucos, porque a Europa segue a lógica da redistribuição de riqueza em detrimento da acumulação de capital", o que explica que não haja grandes bancos de investimento europeus.
"A União Bancária vai levar ao ponto em que teremos dois ou três bancos pan-europeus, são bancos que irão ter redes de recolha de depósitos espalhadas pela Europa, como acontece nos EUA e depois, abaixo disso, haverá bancos locais importantes", defendeu o ex-Governador.
Os bancos não se libertam das fronteiras nacionais porque estão agarrados aos seus depositantes, disse.
"Isto da União Bancária há os que não a querem por causa da base de depositantes e os que dizem que querem, mas na verdade não querem porque a banca é a fonte de financiamento para o soberano, disse Carlos Costa.
O ex-Governador é um defensor da criação da União da Poupança e dos Investimentos, porque até agora havia duas realidades como se fossem estanques: banca e mercado de capitais, e "hoje estamos a falar de uma visão holística que coloca a poupança e o investimento no centro do debate e olha para os diferentes canais de transferência de recursos, e olha para eles do ponto de vista da sua completude e da sua eficiência, falta agentes institucionais de mobilização de poupança e faltam emissões de grande capacidade de atrair de capital".
O Novobanco foi vendido ao Grupo francês BPCE. Pode dizer-se hoje que o Novobanco foi uma história que começou mal e acabou bem? Na resposta Carlos Costa, ex-Governador do Banco de Portugal durante da resolução do Banco Espirito Santo e criação do Novobanco, considerou a venda "uma história de sucesso".
Carlos Albuquerque concordou, dizendo que o resultado final é bastante melhor do que o esperado.
"Quem vai pagar o custo do Fundo de Resolução no Novobanco é o sistema bancário", sublinhou, lembrando que a contabilização como dívida pública vai ser diluída ao longo do tempo e vai ser agora substancialmente amortizada com o encaixe da venda.
Já Carlos Costa disse por fim que o caso do Novobanco foi uma transação favorável porque foi uma compra a prestações, porque o beneficio que os bancos tiveram foi evitar o descalabro do sistema financeiro. Para isso pagaram durante 2015, 2016 e 2017, para salvaguardar a estabilidade financeira, sem isso o custo seria enorme, e esse beneficio que foi providenciado pelo processo de resolução vai ser pago a prestações ao longo de 40 anos, não há melhor transação no mercado".