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Buscas no PSD: “Não existem paraísos penais, nem domínios que não possam ser investigados”

Sobre as buscas da PJ por alegados crimes na gestão do PSD, o presidente do SMMP defende ao JE que se o meio de obtenção de prova é necessário para a comprovação do crime é sempre proporcional. E reitera que os órgãos do poder político não podem imiscuir-se na condução dos inquéritos criminais e exigir que a Procuradora-Geral da República preste esclarecimentos sobre determinados processos.

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) acusou a classe política de tentativa de interferência em investigações judiciais, após o presidente da Assembleia da República defender que o Ministério Público (MP) deveria fazer um esclarecimento público sobre as circunstâncias das buscas a casa de Rui Rio e às sedes do PSD.

O Jornal Económico foi ouvir o presidente do SMMP sobre este caso que desvaloriza as críticas dos sociais-democratas e sublinha a independência da atuação do MP. Sobre a carta do secretário-geral do PSD, Hugo Soares, à Procuradora-Geral da República, onde denunciou “grande desproporcionalidade”, Adão Carvalho diz que o MP pode socorrer-se de quaisquer dos meios de prova legalmente admissíveis e recolher todas as provas necessárias para comprovar se foram praticados factos criminosos e apurar os respetivos responsáveis. E defende que em casos como este que têm repercussão mediática “a PGR deveria emitir comunicado fornecendo informação objetiva”, considerando que “falta comunicação atempada” quando se realizam buscas que vão ter impacto mediático.

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público acusa a classe política de tentativa de interferência em investigações judiciais. Esta acusação é dirigida apenas ao presidente da Assembleia da República que entende que o Ministério Público deveria fazer um esclarecimento público sobre as circunstâncias das buscas na casa de Rui Rio e nas sedes do PSD?

A nossa interpretação do conceito de separação de poderes não é no sentido de que os órgãos do poder político não podem pronunciar-se sobre o sistema de justiça, sobre o seu funcionamento e organização, sobre as prioridades da investigação criminal.

O que não pode e constitui uma flagrante violação desse princípio é imiscuir-se na condução dos inquéritos criminais, exigir que a Procuradora-Geral da República preste esclarecimentos sobre a condução de um determinado processo concreto, que se tenha de justificar.

Nesse domínio compete aos visados pelas buscas ou quaisquer diligências processuais socorrer-se dos mecanismos próprios previstos no Código de Processo Penal.

O PSD sustenta que há limites para a liberdade na atuação da investigação criminal e dos tribunais quando, por exemplo, neste caso as buscas à sede nacional do partido visaram informações como dados sobre militantes, informação bancária, registo de entradas e saídas (confidencial) ou documentos de estratégia política que nada têm que ver com a investigação em causa. Concorda?

A existência de uma investigação criminal pressupõe a notícia de um crime obtida através de denúncia ou por conhecimento próprio das autoridades judiciárias. Existindo essa notícia do crime cumpre ao MP, enquanto titular da ação penal, realizar todas as diligências necessárias no sentido de comprovar se foram efetivamente praticados factos criminosos e apurar os respetivos responsáveis.

Para isso pode socorrer-se de quaisquer dos meios de prova legalmente admissíveis e recolher todas as provas necessárias tendo em vista tal desiderato.

O legislador não previu qualquer especialidade no regime de buscas às sedes de partidos, como o fez quanto às buscas domiciliárias, a escritórios de advogados, estabelecimentos de saúde ou instituições bancárias. Foi opção do legislador, não do MP.

Na realização das buscas deve a autoridade judiciária apreender tudo o que possa ser relevante como prova.

Como reage à crítica do secretário-geral do PSD que considerou que o seu partido foi alvo de uma operação judicial de "grande desproporcionalidade" entre os atos realizados e o objeto da investigação?

A proporcionalidade é sempre aferida pela necessidade. Desde que o meio de obtenção de prova seja legalmente admissível para o crime em investigação, pode a autoridade judiciária socorrer-se do mesmo. Nada tem a ver com a moldura penal do crime e a sua gravidade. Por exemplo, no crime de injúria cometido através do telefone, crime com uma moldura penal leve, a autoridade judiciária pode socorrer-se das interceções telefónicas porque é o único meio de prova adequado para a comprovação daqueles factos.

Não sei que conhecimentos tem o sr. secretário-geral do PSD para fazer tal afirmação, até porque presumo não conheça os factos em investigação.

Não considera que faltam explicações sobre os meios usados, o objetivo e o eventual crime de violação do segredo de justiça que o PSD diz ter sido praticado em direto com uma estação de TV a chegar à casa de Rui Rio antes das autoridades judiciárias?

Falta comunicação atempada da Procuradoria-Geral da República. A partir do momento em que se realizam buscas que vão ter impacto mediático deve a PGR informar publicamente e objetivamente sobre a investigação em curso.

Outra questão é a da violação do segredo de justiça. Para não cair na mesma tentação de outros, apenas quero mencionar que, em primeiro lugar, não é correta a afirmação que os órgãos de comunicação social tenham chegado ao local ao mesmo tempo das autoridades judiciárias, antes resultando dos dados conhecidos que só chegou horas depois e, em segundo lugar, não existe qualquer dado seguro de quem tenha violado o segredo de justiça ou como as buscas chegaram ao conhecimento da comunicação social, podendo admitir-se terem sido os próprios visados nas buscas a fazê-lo. Não podemos esquecer que entre a chegada ao local das autoridades e o início da diligência decorreram horas, por fatores não imputados aos investigadores.

Dado o alarme mediático causado com esta operação, a Procuradora-Geral da República não deveria dar explicações sobre os processos em curso?

Sempre que factos em investigação passam para o domínio do conhecimento público e têm repercussão mediática a PGR deveria emitir comunicado fornecendo informação objetiva e clarificativa sobre a investigação em curso e seu objeto, dentro daquilo que é possível informar. Aliás deve fazê-lo atempadamente, ainda antes de chegar ao domínio público, sempre que já for de presumir esse alarme mediático.

Este tipo de casos pode levar a disseminar uma cultura justicialista? Tal não pode ser encarado também como tentativa de interferência?

Não existem paraísos penais, nem domínios que não possam ser investigados. O relevante é que o Ministério Público atue sempre com estrita objetividade e em obediência à lei. A independência na atuação do MP é condição essencial da independência do sistema judiciário, tal como tem sido afirmado consecutivamente pelo Tribunal de Justiça da UE. Isso não é justicialismo, é o cumprimento das funções que lhe foram confiadas constitucionalmente.

Qual a avaliação que faz dos meios usados nesta operação, quando comparada com outras (operações Tutti-Frutti, por exemplo) com crimes mais graves em termos de moldura penal?

Como referi a proporcionalidade dos meios é aferida pelo número de locais buscados e da necessidade para a comprovação judicial dos factos em investigação. Nada tem a ver com a gravidade dos crimes. Se o meio de obtenção de prova é necessário para a comprovação do crime é sempre proporcional.