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Biden vai a Angola com os EUA a apostarem no reforço das relações em África

Em Angola, que Joe Biden será o primeiro presidente dos EUA a visitar oficialmente, os EUA têm um interesse específico no desenvolvimento do Corredor do Lobito, o projeto ferroviário que ligará a costa Atlântica à região rica em minério de cobre no interior do continente.

O presidente norte-americano, Joe Biden, vai visitar Angola no próximo mês de outubro, para cimentar o processo de reaproximação entre Washington e Luanda e a aposta dos Estados Unidos da América (EUA) no reforço das relações com a África subsaariana.

A visita realizar-se-á depois da 79ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), que se iniciou a 10 de setembro e terminará a 28, e as eleições presidenciais norte-americanas, a 5 de novembro, noticiou a agência Reuters.

Esta visita ficou prometida quando o presidente angolano, João Lourenço, foi recebido por Joe Biden na Casa Branca, em novembro do ano passado, assinalando 30 anos de relações diplomáticas entre os dois países.

Depois, chegou a dizer em maio que planeava concretizá-la em fevereiro de 2025, depois de vencer as eleições, mas acabou por retirar-se da corrida presencial, sendo substituído na candidatura pela vice-presidente, Kamala Harris.

Em novembro, no final da reunião, o presidente angolano sublinhou a abertura para cooperar com os EUA em todos os domínios, incluindo “economia, defesa e segurança, transportes e energia, telecomunicações, agricultura, exploração do espaço para fins pacíficos e outros domínios que foram do interesse”. Joe Biden sublinhou que “a parceria entre Angola e os EUA é mais importante do que nunca”.

Os Estados Unidos alteraram a sua política para África, para responder ao crescente investimento chinês no continente e às operações russas, especialmente na região do Sahel, a terra semiárida que separa o deserto do Saara das savanas tropicais e que se estende desde o oceano Atlântico ao mar Vermelho, que tem sido varrida por golpes de estado.

Em Angola, que Joe Biden será o primeiro presidente dos EUA a visitar oficialmente, os EUA têm um interesse específico no desenvolvimento do Corredor do Lobito, o projeto ferroviário que ligará a costa Atlântica à região rica em minério de cobre no interior do continente.

O Corredor do Lobito integra a Parceria para Infraestruturas e Investimentos Globais (PGI, na sigla inglesa), o programa lançado por Joe Biden para competir com a chinesa nova rota da seda. Prevê a ligação por via-férrea entre Angola, a República Democrática do Congo e a Zâmbia, aproveitando a rede de 1.344 quilómetros dos Caminho-de-Ferro de Benguela, que atravessa Angola e liga à rede congolesa, estando prevista a construção de 550 quilómetros de linha férrea na Zâmbia, assim como 260 quilómetros de vias rodoviárias. Tem o apoio dos EUA, da União Europeia e do Banco Africano de Desenvolvimento, que contribuirá com 500 milhões de dólares (cerca de 452 milhões de euros, ao câmbio atual) para o projeto e ajudará a angariar 1,6 mil milhões de dólares (cerca de 1,44 mil milhões de euros), e pretende tornar-se uma via de escoamento para as regiões mineiras até ao Atlântico.

Os serviços ferroviários no Corredor do Lobito estão concessionados a um consórcio que inclui a portuguesa Mota-Engil.

Outros grandes projetos em curso com interesses norte-americanos incluem a construção e gestão da refinaria do Soyo, da responsabilidade da Quanten, e o maior projeto fotovoltaico na África Subsariana, desenvolvido pela Sun Africa em conjunto com o grupo português MCA.

A central fotovoltaica do Biópio, com uma potência instalada de 188,8 megawatts, foi inaugurada em julho de 2022 pelo Presidente da República de Angola e foi visitada pelo primeiro-ministro português, Luís Montenegro, na visita oficial ao país, este ano. É uma das sete centrais que compõem a totalidade do projeto previsto para as províncias de Benguela (Biópio e Baía Farta), Huambo (Bailundo), Bié (Cuito), Lunda-Norte (Lucapa), Lunda-Sul (Saurimo) e Moxico (Luena) e que prevê uma capacidade instalada de 370 megawatts, que abastecerão 2,4 milhões de pessoas, sobretudo em áreas com carências de infraestruturas de acesso à rede pública de eletricidade.

África na ONU

A viagem de Joe Biden, a primeira de um presidente norte-americano a um país da África subsaariana numa década, desde Barack Obama, realiza-se depois de os Estados Unidos terem anunciado o apoio à reestruturação do Conselho de Segurança da ONU para que este integre dois países africanos em permanência, ainda que sem poder de veto.

O anúncio foi feito pela embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Linda Thomas- Greenfield, no final da semana passada.

“Durante anos, os países têm apelado a um conselho mais inclusivo e mais representativo, que reflita a demografia do mundo de hoje e responda melhor aos desafios que enfrentamos hoje”, disse Thomas-Greenfield ao Conselho de Relações Exteriores.

Concretizando-se esta alteração, a questão será saber quais poderão ser os candidatos a ocupar as duas vagas africanas.

“Parece-me que os candidatos de primeira linha serão Nigéria e Quénia”, diz ao Jornal Económico Tiago André Lopes, professor de Relações Internacionais na Universidade Lusíada do Porto. “A Nigéria é uma das três maiores economias de África; é o estado mais populoso de África; e é um dos 10 estados etnicamente mais diversos de África. É um parceiro importante na região, para contrapor à África do Sul que tem uma relação complexa com Washington e que faz parte dos BRICS e que levará Washington a olhar sempre com menos interesse”, explica.

“Há um ano atrás, o segundo candidato óbvio seria o Egipto, pelo papel essencial que desempenha ao nível securitário no quadro do Norte de África e do Médio Oriente, mas a sua inclusão nos BRICS pode levar os EUA a olharem para outro candidato: o Quénia, que viu reforçada a parceria com a Casa Branca desde os tempos de Barack Obama”, acrescenta.

Para Vítor Ramalho, secretário-geral da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, o caminho para a mudança é inescapável. “A ONU necessita de uma reestruturação que responda ao mundo atual multipolar ponderando-se todas as implicações com a consciência q a reestruturação tem de ser profunda e não casuística”, diz ao JE.

Para que África seja plenamente representada, aponta para dois candidatos: “Um país da África subsaariana, da África negra, a África do Sul; e um outro não subsaariano, mas do Norte de África, no caso, árabe, eventualmente Marrocos”.

Os especialistas não excluem Angola deste quadro, pelo processo de estreitamento de relações com os EUA e a crescente importância regional.

“Angola poderia ser uma hipótese, mas o atual quadro macroeconómico e a ausência de projeção de força no quadro da União Africana ou da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral reduzem a sua atratividade”, considera o professor da Lusíada. “O trunfo maior de Angola é o facto de ser o segundo maior país falante de português e a Casa Branca poderia querer jogar o fator ‘diversidade linguística’, para além de que seria mais fácil garantir a aprovação da Rússia, da China e do Reino Unido”, acrescenta.