Skip to main content

BCP tem maior crescimento dos "Big Five" e CGD lidera. Lucros somam 2 mil milhões

"Rentabilidade, comissionamento e juros (crédito e depósitos) são elevados face à história recente, mas normais no atual contexto de subida de taxas e tendo em conta a estrutura do balanço dos bancos e o perfil de clientes", defende Nuno Ferreira, partner da McKinsey.

Os cinco maiores bancos – Caixa Geral de Depósitos, BCP, Novobanco, Santander Totta e BPI – confirmaram que o primeiro semestre de 2023 é o melhor desde a crise financeira de 2008, com uma rentabilidade muito acima dos 10% (em média os "big five" têm uma rentabilidade dos capitais próprios de 16,3%). Para trás ficou o argumento que o ROE (rentabilidade dos capitais próprios) não cobre o custo do capital.

Os cinco bancos lucraram no conjunto 1.994 milhões de euros no primeiro semestre deste ano, quando no mesmo semestre do ano passado lucraram 1.269,2 milhões de euros. Os cinco bancos subiram assim em 57,1% os lucros no espaço de um ano.

Uma conjugação de factores únicos e provavelmente irrepetíveis explica os bons resultados do 1º semestre de 2023.

A forte melhoria da receita da margem financeira provocada pela subida da Euribor, a relativa estabilidade da receita de comissões e a manutenção da qualidade da carteira de crédito, que faz com que não haja necessidade de provisões adicionais para crédito e uma estrutura de custos relativamente controlados, apesar da inflação, explicam o melhor semestre de resultados da banca desde a crise financeira.

Nuno Ferreira, partner da McKinsey, explicou ao Jornal Económico, que os resultados do primeiro semestre "confirmam a trajetória positiva e nalguns pontos até notável que os bancos portugueses têm feito nos últimos anos depois da capitalização e das reestruturações que efectuaram, quer ao nível da base da capital, quer na eficiência operativa, quer na resiliência dos seus balanços".

Os balanços que agora estão a proporcionar mais margem financeira aos bancos são os mesmos que se aguentaram com taxas de juro muito baixas em épocas de aperto na margem financeira, explica o partner da McKinsey.

"Rentabilidade, comissionamento e juros (crédito e depósitos) são elevados face à história recente, mas normais no atual contexto de subida de taxas e tendo em conta a estrutura do balanço dos bancos e o perfil de clientes", defende Nuno Ferreira.

Os bancos portugueses têm atualmente 40% do seu stock de crédito hipotecário nos clientes do quintil mais elevado da sociedade portuguesa (ao contrário de há umas décadas quando era apenas de 20%), o que ajuda a que o risco de crédito à habitação esteja menos exposto à queda repentina do rendimento disponível das famílias.

É também verdade que para além da subida dos indexantes no crédito à habitação a justificar a subida da receita da margem financeira, há as reservas do BCE a justificarem essa subida. Os bancos colocam a liquidez (dos depósitos) ou em crédito (que está em rota descendente), ou em ativos financeiros, ou em depósitos no BCE (reservas). A taxa de remuneração dos depósitos do sector bancário no BCE (na facilidade permanente de depósito) subiu de 3,5% para 3,75%, o que lhes tem dado receitas de juros, pois os bancos continuam-se a financiar a baixo custo.

Mas o BCE já anunciou que vai passar a remunerar as reservas mínimas dos bancos a 0% a partir de 20 de setembro. O que vai afectar a margem financeira dos bancos.

Apesar do custo que os bancos comerciais assumem para obter liquidez junto do BCE aumentar à medida que este vai subindo as taxas de juro, a verdade é que o banco central concedeu, durante a pandemia, empréstimos de longa duração (targeted longer-term refinancing operations, TLTROs) aos bancos da zona euro a taxas de juro fixas negativas e estes conseguiram, por isso, na segunda metade de 2022 e na primeira metade de 2023, continuarem a beneficiar de custos de financiamento muito baixos, mesmo num cenário de subida das taxas de juro de referência na zona euro.

Caixa: o turnaround de sucesso. Santander e BPI ajudados pela estrutura ibérica. Novobanco ajudado pelo FdR e BCP sem "sugar daddy"

Os cinco bancos viram os lucros e a rentabilidade dispararem, mas isso é o culminar de histórias recentes de limpeza dos balanços. Foi assim no Novobanco e na CGD, ambos tiveram a ajuda do capital público para limparem o legado.

Já os bancos que são detidos por grandes grupos espanhóis têm a vantagem de aproveitar as estruturas das casas-mãe, quer para reduzir custos quer para angariar clientes.

O BCP é por isso o único que ainda tem um percurso a fazer na limpeza do seu balanço. Mas é também o único que não contou com capital substancial para isso, como aconteceu com a recapitalização da CGD e com o mecanismo de capitalização contingente do Fundo de Resolução. O BCP não teve um "sugar daddy" para financiar a limpeza do balanço. Ainda assim, o BCP deu um salto significativo em relação aos números do ano passado em vários indicadores.

Comparando os cinco bancos verifica-se que a Caixa é a campeã da subida das receitas. O produto bancário subiu 75,5%, muito à custa da subida da margem financeira que disparou num ano 127,7% (738 milhões de euros) para 1,3 mil milhões. A receita dos juros compensou a queda de 4% da receita de comissões, justificada em boa parte pela descida do volume da carteira de crédito, que nos empréstimos para a habitação em Portugal  foi de 2,1%.

O lucro do banco liderado por Paulo Macedo somou 607,8 milhões, a subir 25,2%.

Em crédito, nas contas consolidadas, a CGD regista uma queda de 0,80% e nos depósitos a redução é de 5,7% face ao volume registado no período homólogo do ano anterior. Paulo Macedo revelou que em junho a tendência de queda dos depósitos começou a inverter-se.

A CGD também se destaca na cobertura do crédito malparado por imparidades. Com um rácio de crédito non-performing de 2,48%, a cobertura por imparidades supera os concorrentes, ao fixar-se em 132,5%.

Se a Caixa é o maior banco e por isso o que mais lucrou, a verdade é que a grande surpresa veio do BCP que viu os lucros consolidados dispararem 580% para o segundo lugar do ranking dos lucros (423,2 milhões de euros). O banco liderado por Miguel Maya recuperou o lugar de segundo maior banco em resultados depois de trimestres consecutivos a ser penalizado pelas provisões no banco polaco para fazerem face aos riscos de litigância com os créditos hipotecários em francos suíços.

O BCP superou a CGD em rentabilidade dos capitais próprios ao reportar um ROE de 16,8% (a CGD tem 13,5%). Muito à custa das receitas da margem financeira que subiram 39,5% face a Junho de 2022 para um valor que supera o da CGD (o BCP registou 1.374,4 milhões de margem e a CGD 1.316,2 milhões). Depois o BCP não sofreu uma queda tão grande na receita de comissões como o seu concorrente Caixa, já que reportou um recuo de apenas 0,10% (na CGD a queda foi de 4%). Com tudo isto, o produto bancário do BCP subiu 44,9%.

O BCP também sofreu com a queda do crédito concedido (-1,3%), mas ao contrário da CGD viu os depósitos subirem 3%.

Pela negativa, o BCP é dos cinco bancos o que tem o rácio de capital core (CET1) mais baixo (14%). Em capital a campeã é a CGD (19,30%), segue-se o Santander Portugal com 17,6%, o Novobanco com 15% e o BPI com 14,3%.

O Novobanco que lucrou 373,2 milhões (+39,9%) beneficiou da margem financeira que somou 524 milhões de euros (95,5%), apoiada por uma carteira de empréstimos estável e por um aumento das taxas de rendibilidade dos activos, que mais do que compensou o aumento do custo de financiamento.

As comissões do Novobanco somaram 145,4 milhões (subiram 0,70%). Com isto o produto bancário subiu 21,10% para 692,4 milhões.

Se as receitas foram uma boa notícia para a banca, a inflação prejudicou os custos, nomeadamente os custos com pessoal.

A CGD viu os custos operativos crescerem 13,3% num ano; o BPI registou um aumento de 13%; o BCP 8,8%; o Novobanco 7,8% e o Santander Totta foi o que teve uma subida dos custos mais baixa (5,3%).

Na eficiência o BPI melhorou, mas continua a ser o pior do ranking com 43,6% de cost-to-income. O banco liderado por João Pedro Oliveira e Costa registou lucros de 256 milhões, a crescerem 26%.

No balanço, a queda do crédito marcou a temporada de resultados da banca. A exceção foi o BPI e o Novobanco.

O crédito à habitação subiu 1,9% no Novobanco, num contexto em que o crédito bruto subiu 1%. Já os depósitos recuaram 0,58%.

O BPI registou uma subida de 2% do crédito a clientes (bruto). Ao contrário, o Santander Totta viu o volume de crédito cair 3,8% (foi a maior queda dos cinco bancos). “A evolução dos volumes de crédito prossegue condicionada pelo contexto de taxas de juro elevadas”, referiu o banco liderado por Pedro Castro e Almeida.

Nos depósitos a redução do volume marcou quase todos os bancos exceto o BCP que viu os depósitos subirem 3%. O BPI registou uma queda de 4% nos depósitos e a maior queda deu-se no Santander Totta (-8,8%).

A dimensão da carteira de crédito deve estar sob os holofotes, pois o crédito tem estado a diminuir, o que pode acabar por se traduzir numa futura quebra de receita para os bancos. Ou seja, os bancos arriscam a ser mais rentáveis, mas mais pequenos.

O rácio de crédito com imparidades (Non Performing Loans) dos cinco bancos está em níveis muito competitivos, o que é um bom suporte para os desafios que se avizinham. O melhor é aqui o BPI com um rácio de NPL de 1,6%. Segue-se o Santander com 2,1%; a CGD com 2,48%; o BCP com 3,7% e o Novobanco com 4,4%.

O custo do risco de crédito manteve-se baixo na banca no primeiro semestre. Por ordem decrescente, o Santander é o melhor com um custo do risco mais baixo, de 0,06%; o BPI é o segundo com 0,23%; em terceiro surge o Novobanco com 0,38%; a CGD com 0,40% e o BCP é o pior com 0,50%.

O que esperar para os próximos trimestres?

O futuro vai ser mais difícil por causa da subida das taxas de depósitos e “devem começar a aparecer clientes com mais dificuldades”, diz fonte da banca.

A rentabilidade da banca pode estar a atingir o pico e o efeito da redução de volumes de crédito com o aumento dos juros de depósitos e delinquência de crédito pode traduzir-se em menor rentabilidade nos próximos 12 a 18 meses, segundo fonte do sector.

Já Nuno Ferreira considera que "o pior pode vir depois, já que a originação de crédito é cada vez mais difícil e não haverá produção para compensar o crédito que vai sendo amortizado", diz o sócio da McKinsey que lembra que poderá haver um efeito de "encolhimento" do balanço dos bancos.

"Há  um desafio para os bancos que tem a ver com o crescimento do próprio balanço", frisou Nuno Ferreira.

Os bancos correm ainda o risco de os reembolsos antecipados dos créditos serem feitos pelos melhores clientes e os bancos ficarem com os clientes "menos bons" fruto de uma "seleção natural adversa".

A dificuldade de os bancos obterem novos créditos está já a levar os bancos a reduzirem os spreads para captar clientes.

Pedro Castro e Almeida, CEO do Santander Totta, na apresentação de resultados do primeiro semestre – onde o banco reportou resultados de 333,7 milhões (+38,3%) – falou da queda da procura de crédito quer da parte das empresas, quer da parte dos particulares, por razões diferentes. “Nas empresas há muito menos investimento, estão com melhores margens e por isso têm menos necessidade de dívida”, disse. Já nos particulares há menos rendimento disponível, e “no crédito à habitação a queda da procura resulta não só da subida das taxas de juro, mas acima de tudo, o grande problema em Portugal é a subida do preço das casas".

"Mesmo que os juros baixassem, ao preço a que estão as casas não sei se aumentaria muito a produção de crédito”, disse o CEO do Santander Totta que lembrou que os spreads de crédito já estão aos níveis de 2007. “Mas não há mais procura por isso”, referiu.

“O que será normal nos próximos dois anos é que vai haver uma diminuição do balanço dos bancos, vai haver menos crédito e menos poupança na banca europeia”, antevê Pedro Castro e Almeida.