Os bancos têm vindo a apertar os critérios de concessão de crédito às empresas que ainda não começaram a transição energética. Enquanto as empresas mais amigas do ambiente contam com maior facilidade na obtenção de crédito, tendo associadas a esse financiamento condições mais favoráveis, as empresas “castanhas” que não demonstrem intenção de deixar de o ser vão ser alvo de cada vez maior escrutínio pela banca na hora de analisarem os pedidos de empréstimo.
O inquérito aos bancos sobre o mercado de crédito, publicado esta terça-feira pelo Banco de Portugal, mostra que a banca “apertou” no último ano os critérios de concessão de crédito às chamadas empresas “castanhas”, aquelas com maiores emissões de carbono por unidade produzida e que, até agora, não começaram ou fizeram poucos progressos na transição energética. Isto ao mesmo tempo que adotou critérios “ligeiramente menos restritivos” para as empresas “verdes” e “em transição”. Esta evolução “está sobretudo associada a fatores relacionados com o impacto do risco físico no valor dos ativos dos mutuários”, explica o regulador.
Esta tendência deverá manter-se nos próximos 12 meses, segundo o mesmo relatório, com a política de concessão de crédito a manter-se “menos restritiva para as empresas ‘verdes’ e ‘em transição’ e, em sentido contrário, ligeiramente mais restritiva para as empresas ‘castanhas’”. De acordo com o Banco de Portugal, “a posição de capital dos bancos e custos associados com a captação de fundos próprios decorrentes da exposição dos bancos às alterações climáticas, o impacto do risco físico no valor dos ativos dos mutuários e a situação e perspetivas de empresas ou setores de atividade específicos contribuirão ligeiramente para tornar a política de concessão de crédito a empresas mais restritiva”.
O financiamento às empresas que estão a dar passos no sentido da sustentabilidade, em detrimentos de outras que ainda não estão neste caminho, tem sido um tema abordado pelos banqueiros. Em fevereiro, no Fórum Banca 2024 organizado pelo Jornal Económico e pela PwC, Miguel Maya disse que “há alguns sectores e sobretudo muitas empresas que se não fizerem o trabalho de casa vão ficar excluídos” do financiamento dos bancos, sublinhando que, “na banca, o que estaremos disponíveis para apoiar é na transição”.
Para o presidente executivo do BCP, “neste desafio do ESG, que vai ter implicações para o futuro da sociedade”, a banca “tem aqui uma enorme oportunidade que deve aproveitar”. Já Paulo Macedo, CEO da Caixa Geral de Depósitos, afirmou que os “bancos têm um papel decisivo no futuro do financiamento do que as empresas vão necessitar de investir”. Parte deste investimento será feito com capitais próprios, mas outra virá do financiamento da banca. O banqueiro referiu que “não há a questão de se dizer que não se vai financiar as ‘indústrias castanhas’. Pelo contrário. É necessário haver um investimento e um financiamento forte”, admitindo, porém, uma exceção para a indústria do tabaco.
De acordo com o relatório divulgado pelo Banco de Portugal esta terça-feira, houve um “ligeiro aumento” da procura por empréstimos por parte de empresas “verdes” e “em transição” nos últimos 12 meses. “Fatores relacionados com necessidades de financiamento do investimento e de reestruturação empresarial ou com a emissão de obrigações verdes elegíveis para a carteira de ativos de política monetária do BCE contribuíram ligeiramente para o aumento na procura de empréstimos”, explica o regulador. Já as chamadas empresas “castanhas” diminuíram os pedidos de financiamento.
Já para o próximo ano, a banca antecipa um “aumento transversal aos três tipos de empresas” - as “verdes”, “em transição” e “castanhas” - “decorrente dos fatores referidos para os últimos 12 meses, mas com um impacto superior ao indicado para esse período”.
Segundo o relatório “Banking on Climate Chaos”, elaborado por várias organizações ambientalistas mundiais, os 60 maiores bancos do mundo já financiaram em 6,9 biliões de dólares a indústria de combustíveis fósseis desde o Acordo de Paris, em 2016, com o JPMorgan Chase a liderar o ranking das instituições financeiras que mais concederam financiamento para este fim. Só em 2023, foi concedido um total de 705 mil milhões de dólares.
É neste contexto que se espera que os reguladores aumentem os escrutínio à banca na transição energética. A DBRS refere, numa nota publicada esta semana, que o facto de o "Banco Central Europeu (BCE) já ter sinalizado a sua intenção de começar a aplicar coimas a bancos que não cumpram os requisitos relacionados com os riscos climáticos e ambientais” pode “ser um ponto de viragem para os reguladores na sua missão de responsabilizarem mais os bancos pela sua exposição aos riscos climáticos e ambientais”.
Banca vê recuperação no crédito à habitação
O inquérito aos bancos sobre o mercado de crédito do Banco de Portugal mostra que, no global, houve uma ligeira diminuição na procura por empréstimos por parte das empresas, independentemente da dimensão. Esta evolução, que deverá manter-se nos próximos meses, contrasta com as perspetivas do sector financeiro no que respeita ao financiamento para particulares.
A procura de empréstimos por parte de particulares não registou praticamente alterações no segmento da habitação, no segundo trimestre. Já para o terceiro trimestre, o sector estima um “ligeiro aumento da procura de empréstimos, mais acentuado no segmento da habitação”. Isto depois de vários meses de quebra nos pedidos por novos financiamentos com este fim.
Uma evolução que se regista numa altura em que o BCE já começou a cortar as taxas de juro. A primeira descida foi em junho e o mercado estima outras duas nas reuniões agendadas para setembro e dezembro. As taxas Euribor já estão a responder a este movimento. A taxa a seis meses, que passou em janeiro a ser a mais utilizada em Portugal nos créditos à habitação com taxa variável e que esteve acima de 4% no ano passado, está nos 3,634%.
Esta maior procura vai registar-se num período em que as instituições financeiras mantiveram os critérios de concessão de crédito praticamente inalterados para as famílias que pedem crédito à habitação. O mesmo não aconteceu nos empréstimos ao consumo, que estão a registar um aumento da procura.