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Aviação. Pilotos portugueses queixam-se da lei e registam ultraleves no estrangeiro

Os proprietários de ultraleves estão a registar os aparelhos em países como a Alemanha, a Itália, a França e a Espanha, deixando de contribuir com taxas de certificação e impostos em Portugal.

Em Portugal, existem 350 aviões ultraleves, 500 pilotos e 25 pistas operacionais nas regiões norte e centro. Contudo, a falta de legislação adequada tem levado os pilotos nacionais a optar por registar as aeronaves em jurisdições estrangeiras mais amigas do setor, como a Alemanha, Itália, França e Espanha, deixando de contribuir com taxas de certificação e impostos. "Esta opção resulta da maior flexibilidade e modernidade dos enquadramentos legais desses países, que oferecem processos mais simples e previsíveis", afirma Maria José Domingos, presidente da Associação Portuguesa de Aviação Ultraleve (APAU), ao Jornal Económico. Para obter a licença de piloto de ultraleve, é necessário completar uma formação composta por 150 horas de teoria e, no mínimo, 30 horas de voo prático.

O enquadramento legal em vigor, de 2004, foi concebido numa altura em que as aeronaves ultraleves eram estruturas rudimentares, feitas de tubos e telas, e onde piloto e passageiro voavam expostos às condições meteorológicas. Desde então, o setor evoluiu significativamente, mas a legislação manteve-se praticamente inalterada.

Este desfasamento traduz-se, desde logo, numa definição demasiado restritiva das aeronaves ultraleves, nomeadamente no limite de peso à descolagem, que permanece nos 450 quilos. A maioria dos países da União Europeia já evoluiu para os 600 quilos, permitindo a operação de aeronaves mais modernas, seguras e eficientes.

Em Portugal, essa limitação impede não só a renovação da frota nacional, que está envelhecida, como também a importação de modelos mais avançados e o investimento de fabricantes. "A aviação ultraleve permite realizar voos panorâmicos, como ‘batismos de voo’, apoio à proteção civil na deteção precoce de incêndios, entrega de encomendas urgentes ou medicamentos em zonas remotas", afirma Maria José Domingos. Por exemplo, os custos operacionais também são modestos: uma viagem ao Algarve pode custar cerca de 50 euros em combustível.

Além disso, o atual enquadramento jurídico não permite que estas atividades sejam remuneradas. "Os processos de certificação e inspeção, sob responsabilidade da ANAC, são frequentemente morosos e pouco previsíveis, o que desincentiva o investimento e gera frustração entre os praticantes. A impossibilidade de realizar atividades económicas com ultraleves, como voos turísticos, reboque de planadores ou transporte de pequenas encomendas, impede que os operadores explorem o potencial comercial das suas aeronaves", acrescenta a presidente da APAU.

Atualmente, já são 16 os países que atualizaram a sua legislação e estão a colher benefícios dessa decisão em termos de desenvolvimento da sua indústria. Os grandes exemplos são a Chéquia e a Eslováquia, que, neste momento, são líderes mundiais na construção das aeronaves mais sofisticadas do mercado. Por outro lado, em França, existe um sistema de autodeclaração que simplifica os processos de registo e certificação. No Reino Unido, associações de pilotos colaboram diretamente com o regulador, promovendo uma gestão mais ágil e descentralizada.

No mês passado, a Associação Portuguesa de Aviação Ultraleve foi recebida na Secretaria de Estado das Infraestruturas para abrir um canal de diálogo direto entre o setor e o Governo. "Foi uma oportunidade para apresentar a proposta legislativa da APAU e partilhar a realidade atual da aviação ultraleve em Portugal, incluindo os constrangimentos legais que têm levado à perda de registos nacionais e à estagnação da atividade. Embora tenha havido abertura para ouvir as preocupações da Associação, ficou claro que ainda existe um caminho a percorrer até que se concretize um compromisso efetivo com a revisão da legislação", diz Maria José Domingos, presidente da APAU. A Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) já entregou um projeto para o Governo analisar.