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Argentina: dolarização é possível mas economistas consideram-na pouco eficaz e arriscada

É a proposta mais forte do novo presidente da Argentina. Não é impossível, já foi tentado antes, mas envolve riscos que os analistas desconhecem na sua total extensão. E há uma espécie de risco sistémico regional que está a preocupar os vizinhos.

A dolarização de uma economia com a dimensão da argentina nunca foi tentada e os economistas consideram que o risco é demasiado alto. O 'pai' da dolarização do Equador (em 2000) disse que é um sistema indolor, mas os analistas da Bloomberg não concordam.

O efeito da vitória de Javier Milei na Argentina está a ser atentamente estudado – não de imediato, mas no quadro das propostas que o ultraliberal novo presidente pretende implementar. Uma das principais suas propostas é a chamada dolarização da economia do país que vai governar nos próximos quatro anos. Isso significa substituir o peso pelo dólar como moeda oficial. O objetivo é acabar com a inflação, cuja taxa passa dos 100% ao ano.

Na Argentina, é permitido ter contas de poupança em dólares e a divisa serve de referência, mas a moeda corrente é o peso. Por exemplo, segundo explica a imprensa, muitos imóveis são negociados em dólares, mas o pagamento tem de ser feito em pesos. Sem o peso, o dólar passaria a ser a moeda corrente para todas as transações, incluindo o pagamento de salários. Tudo ficaria dependente da taxa de câmbio na troca dos pesos por dólares. Quanto maior a taxa, menor o valor, em dólares, de salários e rendimentos.

A inflação em dólares é geralmente baixa, dizem os economistas consultados pelo jornal "Globo", mas a Argentina deixaria de poder contar com a possibilidade de fixar as taxa diretoras – um ‘serviço’ que passaria para a Reserva Federal de juros, ou seja, todas as alterações da Fed seriam seguidas pela Argentina. O país da América do Sul deixaria de poder mexer nas taxas para acorrer a uma recessão.

Por outro lado, uma alta nas cotações de matérias-primas negociadas em dólares, como o petróleo, pode afetar mais rapidamente a economia local. O “Globo” recorda ainda que, com títulos de dívida em dólar, o governo perde margem de manobra nas contas públicas.

Genericamente, e face à perda de mecanismos internos de controlo da própria economia, o país estaria por um lado nas mãos de terceiros – ou de decisões alheias que não tinham diretamente a ver com a economia local – e, por outro, exposta a todas as alterações decorrentes do espaço exterior ao próprio país.

A dolarização daria também lugar a uma corrida à moeda norte-americana – e isso daria com certeza espaço à criação (se é que não existe já) de um mercado negro de compra e venda de dólares, o que iria influenciar por seu turno o preço do dinheiro. Segundo o mesmo jornal, seriam necessários entre 35 mil milhões e 50 mil milhões de dólares, mas o banco central argentino só terá 7,3 mil milhões.

Vale a pena recordar que o Equador e El Salvador dolarizaram as suas economias no início dos anos 2000. Em janeiro de 2000, o presidente equatoriano à época, Jamil Mahuad Witt, anunciou a dolarização da economia do país. A medida promoveu a estabilidade monetária, algo que não era visto desde o longínquo 1970, mas eliminou a possibilidade de o governo utilizar políticas cambiais para responder a choques externos, recorda um artigo da brasileira “Veja”. Entre 2000, quando a economia equatoriana foi dolarizada, e 2022, o PIB do país cresceu, em média, 2,9% ao ano. Francisco Zalles foi o ‘pai’ da dolarização do Equador e, citado pela “Veja”, afirma que a alteração é indolor e não é demasiado difícil de conseguir.

Já a Bloomberg recorda que a Argentina não tem dólares suficientes para proceder à dolarização. De qualquer modo, o sistema foi adotado – temporariamente – noutras regiões do globo e nem em todas foi um desastre. Mas, citando o caso do Equador e analisando as palavras de Zalles, a Bloomberg afirma que o economista está a ser demasiado otimista. Entre outras razões, porque o sistema nunca foi tentado numa economia tão grande como a da Argentina. Mais ainda, nunca foi tentado numa economia tão aberta ao exterior como a Argentina – o que iria impactar de forma não totalmente esclarecida com economias vizinhas, desde logo a brasileira. Ecomistas brasileiros citados pela imprensa recordam que as transações entre os dois países já são processadas em dólares - mas o novo sistema, a ser implementado, envolve riscos que não estão eficazmente estudados. Até porque, ao contrário do que sucedia com o Equador, o principal ativo da Argentina não é petróleo - a commodity é transacionada em dólares em todo o mundo, pelo que a dolarização do 'pequeno' Equador não é transponível para a Argentina.

Para todos os efeitos, e segundo a imprensa argentina, a dolarização exigiria aprovação no Congresso, mas Javier Milei dificilmente terá a maioria necessária para o fazer. A coligação Liberdade Avança, que lançou o agora novo presidente, fundada há apenas dois anos, terá 38 deputados numa câmara de 257 membros e oito senadores num total de 72. Foi criada com o objetivo de participar nas eleições legislativas de 2021 e nas presidenciais deste ano.