O Jornal Económico convidou António Vitorino, antigo diretor-Geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM), para analisar o tema da imigração em Portugal.
"Vamos continuar a ter necessidade de imigrantes. As pessoas têm de confiar que o sistema de gestão da imigração funciona. E manifestamente não é o caso. É preciso reganhar a confiança da sociedade sobre a gestão dos fluxos migratórios. Este é o grande pressuposto para que a imigração seja regular, ordeira e segura, e seja aceite pela sociedade de acolhimento. Porque não há política migratória bem sucedida que não tenha estas duas componentes", analisou o advogado português.
O Presidente do Conselho Nacional para as Migrações e Asilo pronunciou-se sobre os desafios demográficos que a Europa enfrenta, com a necessidade clara de absorver mão-de-obra.
"Que há um problema sério estrutural na Europa, de envelhecimento da população, que existem carências de mão-de-obra significativas num conjunto de setores é inegável. E que o preenchimento dessas carências só se pode fazer através de imigração regular, ordeira e segura, parece-me inevitável", defendeu.
E existem projeções? "Do ponto de vista dos cálculos, é preciso ter muito cuidado com as projeções. Nós não sabemos o que será o mercado laboral daqui a cinco anos. Mas é relativamente há evidente que há margens para crescimento do mercado laboral autóctone, indígena; a participação das mulheres no mercado de trabalho ainda está aquém dos números. Equiparação salarial entre as mulheres e os homens, que produziria que mais mulheres estivessem no mercado de trabalho europeu. A questão da introdução da robotização ou da IA vai introduzir uma disrupção total no mercado de trabalho. Portanto é muito difícil fazer cálculos sobre quantas pessoas vão precisar", explicou.
Levando ao debate números do Banco Mundial, António Vitorino diz que, nas economias emergentes, nos próximos 10 anos, o número de pessoas que vão atingir a idade do mercado de trabalho será 1.200 milhões. "Na melhoras das hipóteses, nesses próximos dez anos, as economias emergentes – a China não está considerada para esses efeitos como economia emergente -, vão criar 420 milhões postos de trabalho. O que significa que nas economias emergentes há um défice de postos de trabalho que com 800 milhões de pessoas", analisou.
Do Banco Mundial para o Fórum Económico Mundial, a organização de Davos apurou, num inquérito recente, que 71% dos empresários portugueses admitem, nos próximos cinco anos, investir na sua empresa em upskilling e reskilling.
"Há setores da economia onde isto não sei vai verificar com tanta rapidez. Nós temos 40% de imigrantes na agricultura e pesca; 35% na hotelaria e turismo; 21% na construção civil e nos cuidados a idosos, lares, por exemplo", acrescentou.
"E em Portugal temos um problema. A teoria ensina-nos e a prática confirma – nem sempre é o caso -, que a aceitação pela sociedade de acolhimento depende do volume de admissões, em função da capacidade de integração, e a correlação é muito importante. O ritmo das admissões. E em Portugal conhecemos um crescimento muito súbito num curto espaço de tempo, com a agravante que os fluxos mais visíveis, que nem são os mais significativas, são oriundos de geografias que não eram tradicionais. 70% dos imigrantes são oriundos de países de expressão linguística oficial portuguesa. A imigração do Hindustão é mais recente, tem cinco anos, é uma imigração nova e é muito visível – TVEs, Glovo".
"Há uma perceção de que a paisagem mudou. Se calhar não mudou assim tanto. Mas o impacto da perceção é muito importante. É tão importante quanto a realidade".