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“A nossa ambição é ser uma firma claramente internacional”

Em entrevista ao Jornal Económico, o novo managing partner da Morais Leitão assume que será um mandato de “continuidade” face à liderança de Nuno Galvão Teles e aponta a expansão internacional como uma das prioridades. A abertura de um escritório em Singapura visa competir com as firmas anglo-saxónicas num importante centro financeiro internacional.

Martim Krupenski é o novo managing partner da Morais Leitão, sucedendo a Nuno Galvão Teles, que esteve 12 anos na liderança da sociedade fundada em 1993. Há mais de 20 anos no escritório, o advogado especializado em comercial e M&A, mercado de capitais e direito financeiro foi entrevistado pelo JE a propósito da jornada que agora começa.

 

Acabou de assumir a liderança do escritório. Passou a maior parte da sua carreira na Morais Leitão, onde também começou o seu percurso profissional. Quais são os grandes objectivos para esta nova fase da firma?
Comecei cá a minha carreira, fiz o meu estágio numa das sociedades que vai dar origem a esta. Conheço muito bem a sociedade. Andei por outros sítios, mas voltei, como bom filho pródigo. Sempre gostei muito da parte de gestão e da parte de lidar com pessoas. Tem muito a ver até com o meu percurso pessoal e também académico. Fiz o curso de Filosofia e um mestrado em Gestão. Estou a tirar um curso para ser psicoterapeuta. Gosto muito de pessoas.

 

Por interesse pessoal ou porque sente que isso o ajuda como gestor?
Sem dúvida que ajudará como gestor. O interesse inicial foi pessoal. Gosto muito dessas áreas. Isto é uma fábrica onde os cérebros são as máquinas. É preciso tratar da cabeça das pessoas como as fábricas tratam das suas máquinas. E, por isso, acho mesmo muito relevante.

 

Sente que, nos últimos anos, a forma como esses temas das pessoas são tratados mudou? Neste sector, mas não só.
Pertenço, também, à direção da Associação de Direito Mental, que ajudei a fundar. A ideia foi do Nuno Castelão, um advogado meu amigo que entendeu que não havia no mercado português esse apoio.

A nível de burnout?
Sim. Acho que deve ser uma prioridade muito grande das sociedades de advogados ou de qualquer organização. Há sempre dois ângulos. É um bocadinho como a igualdade de género. Normalmente nas firmas essas questões entram mais por questões económicas. As firmas não têm propriamente estados de espírito. As pessoas que estão à frente das firmas têm, mas as firmas em si não têm.

 

O que quer dizer é que acaba por ser do interesse da própria firma?
Independentemente das próprias questões éticas, obviamente, e que me preocupam muito, acho que às vezes a forma mais fácil de convencer as empresas a aderir a este tipo de iniciativas é pelo ângulo económico.

 

Sente que, quando falamos em temas como o burnout, os escritórios de advogados têm de caminhar no sentido de um maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional? Ou isso já não é tema?
A profissão vai ser sempre muito exigente. Muitas vezes, as questões do equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal têm muito mais a ver com equilíbrios psicológicos das pessoas e estados de satisfação com o exercício da profissão, com frustrações, projeções postas nos outros. Não acho, muito sinceramente, e talvez as gerações mais novas discordem, que o tempo que as pessoas passam num escritório de advogados seja excessivo. Acho que a forma como passam pode ser muito otimizada, sim.

 

Muitos países são mais competitivos do que Portugal e têm jornadas de trabalho mais curtas e onde existe mais esse equilíbrio. É uma questão de eficiência, na sua opinião?
É uma questão de eficiência e também uma questão cultural. Os portugueses gostam de parar e, às vezes, parar não é num sentido pejorativo. Nós tomamos muitas decisões importantes ao almoço. Assim como os ingleses fecham o escritório às 5h00 e vão para o pub conviver, e isso também é importante. Nós temos uma cultura muito de trabalho à hora de almoço e, portanto, isso atrasa o final do dia.

 

Cada pessoa e cada empresa tem de encontrar o seu equilíbrio.
Sim, mas não só isso. Nós temos muita diversidade. As pessoas não têm de ter todas o mesmo horário. Há pessoas aqui que entram às 8h00 porque gostam de trabalhar cedo e saem cedo. Há outras que almoçam uma salada à frente do trabalho e saem cedo. Há de tudo.

 

O que é que torma alguém um bom líder nesta área?
Podia estar aqui a dizer que um bom líder é um líder colaborativo e um líder que ouve o outro. É um líder que permite o speak up, que se afirma também pela sua competência técnica, e isso é fundamental, e pelo exemplo. Acho que isso são características absolutamente essenciais de um líder. Numa perspetiva mais filosófica, acho é também uma escolha um bocadinho ética. Eu posso ter uma escolha ética de querer tratar esses problemas porque são problemas sérios. E quero que as pessoas se sintam bem. Mas também posso ter uma perspetiva economicista. E funciona. Não é tão bonito, mas funciona. Há lideranças muito agressivas que funcionam. Depende um bocadinho da perspetiva.

 

A receita para um bom líder depende das circunstâncias?
Depende de uma escolha ética, uma escolha moral. Eu nunca quereria ser esse líder. E nunca serei esse líder. Não estou a pensar se essa liderança é mais eficiente, mais eficaz ou se traz mais valor. É o caminho que eu quero seguir. É um caminho ontogenético, é um caminho genético da organização de tratar bem as pessoas, de se preocupar verdadeiramente. Não posso deixar de observar que há organizações que não seguem esses princípios e que geram muito valor. Era bom que não fosse assim.

 

Ter esta abordagem aos desafios éticos da profissão e do sector é um dos guidelines para a sua liderança da firma. Quais são os outros objetivos?
Tenho de fazer aqui uma ressalva. Desde a fusão entre a Morais Leitão e o Miguel Galvão Teles, que já foi há muitos anos, que nós só tivemos no fundo, como managing partners, primeiro João Soares da Silva e António Pinto Leite, que são duas referências incontornáveis da advocacia e, também, da gestão, e, nos últimos 12 anos, o Nuno Galvão Teles como o nosso managing partner. À sua maneira, fizeram um trabalho extraordinário. O desenvolvimento que esta sociedade teve nos últimos 12 anos é uma coisa estratosférica. Ainda agora estivemos a fazer um balanço a propósito desta Assembleia Geral eletiva sobre o desenvolvimento da sociedade nos últimos dois 12 anos. Duplicámos em número, duplicámos ou mais em faturação, subimos a rentabilidade, profissionalizámos a sociedade. É realmente um caminho absolutamente extraordinário. Se eu conseguisse não estragar, já ficava muito contente. Será seguramente um mandato de continuidade. Tenho as minhas próprias ideias e vou implementá-las, claro.

 

E onde é que acha que vai haver novidades?
Ainda não vou anunciar. Mas há duas coisas em que estou completamente alinhado com a gestão anterior. A internacionalização. Temos plena convicção de que o mercado português, sendo um mercado muito dinâmico, tem limites de crescimento e tem uma concorrência cada vez mais apertada. E, portanto, estamos mesmo apostados em ser uma firma internacional com sede em Lisboa. E isso tem muito a ver com a nossa aposta estratégica na expansão para Singapura, em cada vez mais abraçar projetos de Project Management Management internacionais que tipicamente estão nas mãos dos players anglo-saxónicos. E nós, portugueses, e a Morais Leitão, em particular, temos capacidade para fazer esses projetos. E, aliás, com condições bastante mais competitivas.

 

Quando fala em internacionalização, não está a falar, como a maior parte das firmas, do espaço lusófono.
Mantemos essa aposta, e cada vez a temos reforçado mais. Mas queremos ir muito mais longe.

Singapura e que outras geografias?
Por vezes, não é preciso ter presença física para estar presente.
Singapura foi uma escolha determinada por várias razões. Já temos bastante experiência na Ásia porque tivemos uma parceria com um escritório em Macau durante muitos anos. Singapura é uma praça financeira, das mais importantes do mundo. Tem bastante investimento quer, obviamente, para a Ásia, mas também para o mercado africano. E é um mercado ultra-dinâmico, onde estão presentes todas as sociedades de advogados minimamente relevantes no contexto internacional e, portanto, isso faz parte mesmo da nossa estratégia de afirmação como uma firma internacional. A nossa ambição é ser uma firma internacional, claramente internacional.

 

São muito fortes na área da energia, por exemplo. Há um sector em concreto que vai servir de âncora para essa internacionalização ou estamos a falar de operações em geral?
Em parte, nós tivemos sorte, que também é preciso nestas coisas. A EDP, que é um grande cliente e parceiro da Morais Leitão, comprou a terceira maior empresa de energia solar singapurense e está lá instalada. Isso, obviamente, foi um catalisador muito importante do nosso movimento. Mas o nosso business plan estava feito antes de sabermos que a EDP ia para lá. Temos tido uma colaboração espectacular local. Mas não foi a razão por que fomos para lá. Já íamos de qualquer modo. Achamos mesmo que o mercado tem um dinamismo. Em 2050, prevê-se que haverá cinco mil milões de habitantes na Ásia. mil milhões na Europa, mil milhões na América e dois mil milhões em África. Por mais que o PIB per capita seja ainda baixo e incipiente, são países que estão a crescer muito e é impossível não estar presente num mercado onde estão cinco mil milhões de habitantes, mais de dois mil milhões, se considerarmos que há bastante investimento em África através da Ásia.

 

A vossa presença lá [Singapura] é direta ou fizeram alguma parceria com um escritório local?
Abrimos um escritório de representação da Morais Leitão.



E trabalham com alguma firma local?
Nós não fazemos direito singapurense. Não é esse o objetivo. O nosso escritório é um escritório de representação e, portanto, relacionamo-nos com todo o sector legal.

 

Assegurar IPOs e operações de M&A, é esse o objetivo?
Estamos completamente à vontade para isso. Há um mercado muito interessante de arbitragem em Singapura, que também foi uma das razões que nos levou a ir para lá. É um mercado muito maduro e onde nós gostaríamos de marcar presença.

 

Portugal podia aprender alguma coisa com Singapura nessas áreas?
Acho que sim. E acho que eles também podem aprender alguma coisa connosco.
É uma aposta generalizada dos players de mercado. Estamos muito atentos, há bastante tempo, aos fenómenos da tecnologia, da inteligência artificial (IA), como modos de optimização do trabalho internamente e da organização do trabalho, de prestar o melhor serviço ao cliente. A Morais Leitão sempre foi conhecida por ter grandes talentos jurídicos e nós somos uma casa de grandes advogados. E é isso que nós queremos ser: uma casa de grandes advogados. E nunca vamos perder essa matriz. Mas a forma como se presta o serviço tem evoluído muito e, evidentemente, enxertar inovação e tecnologia na prestação do serviço jurídico tem um valor acrescentado muito grande para o cliente. Já em 2016 tínhamos organizado uma conferência sobre a IA, a pensar muito seriamente sobre o tema. Temos um diretor de inovação que se dedica exclusivamente a procurar soluções de serviço ao cliente que apoiem a parte do serviço jurídico.

 

Estamos a falar, por exemplo, de soluções que permitam, com base nos dados disponíveis, antecipar aquela que será uma decisão judicial, como já se faz nos Estados Unidos?
Sim, por exemplo, a análise preditiva. Mas muitas outras coisas. A própria maneira como nos relacionamos com o cliente em termos da forma como trabalhamos com eles, por exemplo, numa due diligence. Há dezenas de sociedades de advogados que a fazem bem. O ponto onde nós podemos acrescentar valor e diferenciar-nos face à concorrência é na maneira tecnológica como nós prestamos esse serviço, na relação que estabelecemos com o cliente e o interface que criamos para lhe facilitar a vida, na maneira como organizamos a informação e lhes filtramos a informação. E, até, ajudá-los a auto-organizarem-se. E isso tem tido grandes resultados.

 

Ou seja, a IN não serve para substituir o advogado, mas para ajudar a ser melhor advogado.
Exactamente. Substituir no que, de facto, é muito repetitivo e burocrático. Uma das coisas da tecnologia que é bastante interessante - apercebi-me disso há relativamente pouco tempo, - é que, sem o ensinamento por trás dos advogados, vale muito pouco. E, portanto, o grande factor distintivo está na forma como treinamos a tecnologia para servir o cliente. E aí conseguimos ser competitivos com essas firmas.

 

Acha que o bom uso da tecnologia vai ser fundamental também para os escritórios, sobretudo aqueles que têm uma marca estabelecida, como a Morais Leitão, fazerem frente a concorrentes como as Big Four, que com a multidisciplinaridade vão provavelmente ter mais peso neste mercado?
Não tenho qualquer dúvida. Acho que as coisas são sempre multi-causais. Mas, de facto, a tecnologia e inovação entraram de uma forma avassaladora e já não vão sair. É adapt or die.

 

E em termos de perspectivas para o mercado para este ano, em termos de M&A, por exemplo?
Dizemos que “a economia está débil, a economia europeia está a crescer pouco”, mas a verdade é que nós, o nosso “super-mercado”, não está a sentir isso. Temos o Real Estate, o Corporate, Fiscal, a áreas ligadas à Energia, à Inovação, com imenso trabalho, com muito dinamismo.

 

Acho que isto tem a ver com o facto de que os private equity, por exemplo, ainda terem muito dinheiro para investir?
Em grande parte, sim. Há muitos negócios de private equity e daí, também, o Real Estate, o Corporate e o M&A, sobretudo, estarem com muita força. Mas, de facto, eu não sinto na Morais Leitão um decréscimo de atividade adveniente de dados eventualmente menos positivos do BCE e de outros.

 

No mercado de capitais, recentemente foi cancelado um grande IPO em Portugal, da Luz Saúde.
Mas o mercado de capitais sempre foi um problema em Portugal, porque realmente não temos a tradição de captar investimento, como os americanos têm, através de stock. A nossa tradição é muito captar através de empréstimos, até porque o próprio legislador criou um incentivo perverso há muitos anos, com os juros a serem dedutíveis fiscalmente e o stock de capital não ser. Quase empurram as empresas para o crédito. É mesmo, sobretudo, uma questão de mentalidade. Os mercados anglo-saxónicos e, em certa medida, alguns asiáticos, vão buscar capital ao mercado, e nós temos uma tradição enorme de ir buscar capital à banca. E isso explica, julgo eu, o imobilismo do nosso mercado de capitais.

 

Isto é algo que, para bem do país, é importante mudar?
Sim, mas é uma mudança cultural, até mais do que uma mudança legislativa ou económica.


E a nível de sectores que vão ter mais dinamismo?
O Imobiliário está com alguma força, o mercado está robusto, mas o M&A, em geral , também está.

 

E que outras áreas se vão destacar este ano?
Energia, tecnologia, saúde. Há muito espaço para as startups crescerem. O mercado português das startups está bastante maduro. Nós, felizmente, tivemos aqui pessoas que foram visionárias e começaram a apostar no mercado das startups quando era um mercado muito pouco maduro e, portanto, estamos agora a colher os dividendos disso. As coisas ligadas à saúde, à biotecnologia, estão a crescer com muita força.

 

A Morais Leitão trabalha com grandes empresas nacionais que estão presentes no estrangeiro, como disse há pouco. Mas não será o caso da maioria dos escritórios nacionais nem do tecido empresarial como um todo. Acha que, em Portugal, devíamos olhar para o exemplo dos espanhóis? Espanha fez um processo de internacionalização das grandes empresas espanholas que a partir dos anos 80, foram para o estrangeiro e levavam consigo 40 ou 50 empresas...


Eu sou bastante liberal em termos de mercado económico. Eu acho que isso não é um mercado económico, isso é diplomacia económica. Sim, acho que os espanhóis têm muito mais jeito para a diplomacia económica do que nós. E realmente era impensável, por exemplo, para o Estado espanhol escolher um escritório português para os representar. E isto não tem nada a ver com concorrência. É a diplomacia económica.

 

E em relação à economia portuguesa? O que é que espera para este ano?
Acho que há duas medidas. A economia portuguesa, de acordo com os indicadores macroeconómicos da União Europeia (UE) e do Banco de Portugal (BdP), do Conselho Económico e Social, entre outros, não parece estar com uma pujança enorme em termos de crescimento. A verdade é que o mercado português tem demonstrado grande atratividade pelo investimento estrangeiro e, portanto, na perspetiva transacional, continua muito dinâmico. Eu não vejo uma quebra na atividade consentânea com os números que nos apresentam. Contrariamente ao costume, que eu até sou bastante pessimista, acho que as taxas de crescimento vão até ser superiores ao que se espera.

 

Temos estabilidade política, apesar da mudança de Governo, e estamos relativamente mais longe da guerra do que outros países. Isso são pontos a favor de Portugal quando comparado com outros países europeus?
Sem dúvida. Acho que nós temos imensos pontos a favor. O clima, o clima económico, a segurança, até alguma facilidade no investimento. Somos um país bastante liberal, bastante aberto ao investimento estrangeiro. Se tivesse que identificar dois problemas que tinham que ser afastados para sermos um hub brutal de investimento internacional, eu colocaria não nos impostos, não nos benefícios fiscais, colocaria na estabilidade legislativa e regulamentar e na rapidez nas decisões judiciais. Acho que estes são os dois grandes obstáculos. Qualquer outra coisa pode ser incluída num business plan, isto não pode ser. Portanto, se não houver estabilidade legislativa e não houver alguma rapidez nas decisões judiciais e não judiciais.

 

Acha que há muita demagogia na discussão em relação ao imobiliário?
Acho. Sinceramente, se as decisões forem rápidas e estáveis, permitindo o aumento da oferta de imóveis, os preços baixam imediatamente.

 

Sobre a polémica em torno da PGR. Como vê este tema?
Eu respeito inteiramente a separação de poderes. Preocupa-me, ao contrário do que a senhora procuradora dizia, a interferência do Ministério Público (MP) no poder político. À senhora procuradora preocupa a interferência do poder político no poder judicial. A mim preocupam-me as duas coisas. Acho que se está a chegar a um estado um bocadinho preocupante a forma como as investigações são conduzidas. Em relação ao caso Influencer, não tenho qualquer dúvida em afirmar que, com os dados conhecidos à data, não há qualquer razão para os nossos sócios envolvidos nessa questão terem qualquer tipo de tratamento diferenciado em relação a qualquer outro sócio da Morais Leitão.