Quais foram os resultados da segunda volta?
A aliança de esquerda Nova Frente Popular, formada há apenas três semanas, obteve 188 lugares. São necessários 289 para garantir a maioria na Assembleia Nacional de 577 lugares. A coligação centrista Ensemble, do presidente Emmanuel Macron, ficou em segundo lugar, com 161 lugares. A extrema-direita da Rassemblement National , que se esperava vitoriosa, teve apenas 142 lugares. Merece ainda destaque o Les Republicains, que chegou aos 48 lugares, numa altura em que parecia votado ao desaparecimento.
A estratégia de Emmanuel Macron foi bem-sucedida?
Sim e não. Se se acreditar que a perspetiva de Macron era calar a extrema-direita depois de o partido de Marine Le Pen e Jordan Bardella ter brilhado nas eleições para o Parlamento Europeu – o que será uma visão um pouco curta – as coisas acabaram por correr-lhe bem. Mas também lhe correram mal dado que o seu grupo, em Ensemble, perdeu 76 deputados. E principalmente Emmanuel Macron perdeu protagonismo político, ficando agora ‘entalado’ entre grupos (um de esquerda outro de extrema-direita) que lhe são, em princípio, hostis.
Que vai agora fazer Macron?
Escolher uma personalidade para a convidar a assumir o cargo de primeiro-ministro. Não é obrigatório que escolha alguém ligado à coligação vencedora, mas terá de ser alguém que essa coligação admita como viável. Se não for assim, Macron arrisca-se a dirigir um país ingovernável e incapaz de sair da crise política que o Palácio do Eliseu entendeu instalar dentro de portas.
Que nomes são os mais prováveis?
Nenhuns. Há uma miríade de personalidades que podem ser convidadas, mas nenhum analista quis arriscar certezas. Estão entre estas personalidades Marine Tondelier, líder dos Ecologistas, Raphael Glucksmann, cofundador do partido de centro-esquerda Place Publique, François Ruffin e Clémentine Autain, ambos do France Insoumise, o socialista Olivier Faure e o comunista Fabien Rousse. A lista é extensa, mas não contempla o líder da coligação, Jean-Luc Mélenchon – que sabe ter muitos ‘anticorpos’ na sociedade francesa, muito mais que as adesões incondicionais que a sua personalidade também suscita.
Será inevitavelmente um deles?
Não. Emmanuel Macron pode tentar convencer a coligação de esquerda a aceitar uma personalidade mais próxima de si – com o argumento de que a sociedade francesa está muito extremada (o que é evidente) e que uma quebra de tensão só será possível com um primeiro-ministro que, vindo do centro do espectro político, esteja equidistante dos extremos. Nesse contexto, talvez não seja de excluir o nome do atual ministro das Finanças e da Economia, Bruno le Maire, que esta segunda-feira se manteve muito ativo na sua qualidade de analista político – como se pretendesse não ser esquecido no meio do turbilhão político que assola a França. Quem está do outro lado da barricada é o ainda primeiro-ministro, o jovem Gabriel Attal – que só não apresentou a demissão porque Macron lhe pediu que não o fizesse e que, no círculo do poder, foi dos poucos que não achou nenhuma graça à dissolução da Assembleia Nacional, decretada na sequência das eleições para o Parlamento Europeu. Diz quem sabe que o Ensemble o mantém na reserva para uma eventual candidatura à presidência em 2027. Uma nota importante: alguns analistas afirmam que Macron pode cair na tentação de ‘dar a volta’ aos resultados e escolher para primeiro-ministro um aliado que lhe seja próximo com o apoio da… extrema-direita. O equilíbrio em sede parlamentar dá para isso – mas, se o fizer, Emmanuel Macron corre o risco de ser apagado dos compêndios de história e isso é algo que não conseguiria tolerar.
Quando é que haverá uma definição?
Não se sabe ao certo, como é evidente. Mas a coligação de esquerda já disse que precisa de uma semana para chegar a um consenso quanto ao nome que entende dever ser escolhido por Emmanuel Macron. Uma semana pode não ser suficiente, dado que os partidos envolvidos querem chegar a um consenso que não está garantido. E se não chegarem, terão, disseram, de promover uma votação interna que com certeza adiará ainda mais uma decisão. De qualquer modo, o melhor será despacharem-se: quanto mais demorarem, mais Macron se convencerá que a coligação não é uma alternativa sensata e mais tenderá a promover uma alternativa mais próxima de si.
2027 não é muito longe?
Não. Aliás, metade dos políticos franceses parece já andar de calculadora nas mãos para fazer as contas ao ‘deve e haver’ futuro. A própria Marine Le Pen – que no domingo nem sequer subiu ao púlpito do partido para aceitar a derrota – deixou isso mais ou menos claro quando prometeu que, servindo-a muito fria, a vingança está à espera em 2027. Ou dito de outra forma: a ‘alma mater’ do partido está convencida que será eleita presidente de França nas próximas eleições. Resta saber se o ‘adotado’ presidente Jordan Bardella, estará pelos ajustes daqui a três anos. A família Le Pen, que não pode ser acusada de democrata, costuma defenestrar os aliados mais próximos quando eles dão mostras de começarem a ter ideias próprias e agendas não autorizadas.
Entretanto, os mercados…?
Que já tinham interiorizado que a extrema-direita iria ganhar e com isso já lidavam muito bem – uma surpresa, não é? – tiveram de se acomodar à dura realidade. E não terão andado mal: às primeiras horas de segunda-feira, as principais bolsas europeias abriram em alta, com os mercados de Paris e Frankfurt a registarem avanços de 0,42% e 0,30%, respetivamente. Em Madrid, o índice subia 0,25%, e em Milão, o aumento era de 0,33%. A bolsa de Londres contrariava a tendência europeia, recuando 0,02% - mas isso tem mais a ver com circunstâncias caseiras decorrentes das suas próprias eleições. A bolsa nacional também abriu em alta, mas depois – tal como sucedeu com outras – inverteu a tendência e fechou no vermelho. Por outro lado, o prémio de risco entre a dívida francesa a 10 anos e a dívida alemã diminuiu, depois de uma abertura em alta – um dado que os investidores observam muito de perto. Ou seja, o mercado absorveu os resultados e foi tratar da sua vida – de alguma forma, voltando a demonstrar que não é todos os dias que a economia manda na política (e só manda se a política deixar).