A zona euro evitou uma recessão técnica no fecho de 2023 apesar de registar novo trimestre de estagnação, confirmando a estimativa inicial do Eurostat divulgada no final de janeiro. O ano encerrou assim com um crescimento de 0,5%, impulsionado por um mercado laboral historicamente forte, mas com o sector industrial a dar claros sinais de problemas.
O bloco da moeda única registou um crescimento nulo em cadeia no último trimestre de 2023, o que resultou num avanço do PIB de 0,5% no total do ano passado, muito abaixo dos 3,4% e 5,9% dos dois anos anteriores. No trimestre anterior, a zona euro havia registado um declínio de 0,1% no seu PIB, tendo assim evitado um cenário formal de recessão técnica (ou seja, dois trimestres seguidos de crescimento negativo em cadeia).
Portugal liderou o crescimento em cadeia, avançando 0,8%, tal como o Chipre. O país insular destacou-se ainda mais na análise homóloga, crescendo 2,3%, um resultado superado apenas pela Eslovénia, com 2,6%, e acima dos 2,2% portugueses. Em sentido inverso, a Alemanha recuou 0,3% e a França estagnou, constituindo os dois principais pesos no bloco comunitário.
O crescimento positivo no ano passado foi sustentado em boa parte por um mercado laboral forte, que permitiu a manutenção do rendimento disponível apesar da subida generalizada de preços, estimulando assim o consumo. Os dados do emprego mostram uma subida de 1,3% no ano como um todo, fruto de um avanço de 0,3% no último trimestre (após 0,2% no período anterior).
Os dados do Eurostat não detalham a evolução por país, mas a subida consistente do emprego combinada com a estagnação do produto sugere que a produtividade estará em queda, um movimento que preocupará os decisores do Banco Central Europeu (BCE), escrevem os analistas da Pantheon Macro.
“Isto são excelentes notícias para a economia, mas também uma preocupação inflacionista para Frankfurt. Especificamente, o BCE estará preocupado que uma combinação entre custo unitário do trabalho em alta, produtividade em queda e acordos coletivos rígidos esteja a contribuir para um aumento da pressão inflacionista, ameaçando o regresso a tempo da inflação a 2%”, lê-se na nota do think-tank britânico.
Os dados dos inquéritos privados (leia-se índices de confiança e de gestores de compras) sugerem que o crescimento do emprego tenderá para zero nos próximos meses, embora os dados mais recentes não mostrem esse abrandamento. Esta evolução tem contribuído decisivamente para manter o consumo em níveis aceitáveis e fortes o suficiente para evitar recuos do PIB, com a Pantheon a manter como cenário base nova estagnação no primeiro trimestre.
Em sentido inverso, a indústria tem sido um dos calcanhares de Aquiles da economia da moeda única e os dados de 2023 mostram precisamente isso: a produção industrial caiu 2,4% em relação ao ano anterior, muito por culpa da fraqueza alemã.
O motor económico europeu tem-se debatido com o resultado de anos de desinvestimento, um modelo económico assente em matérias-primas baratas ultrapassado e uma crise demográfica, sendo o único país dos sete mais ricos do mundo a fechar 2023 com um crescimento negativo.
Ainda assim, o bloco da moeda única fechou o ano com um crescimento em cadeia da produção industrial no último mês, embora impulsionado por números provavelmente distorcidos vindos da Irlanda. A leitura do Eurostat aponta para um avanço de 2,6% no indicador em relação a novembro, mas o aumento de 23,5% na Irlanda (fruto de transferências de preços das inúmeras multinacionais presentes no país) desvirtua os dados.
Segundo a análise do banco ING, o avanço terá sido de 0,3% se excluirmos a indústria irlandesa, o que constituem “números animadores” a fechar o ano, mas que não escondem “a tendência geral negativa” do sector secundário europeu.