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Vítor Bento: "Bancos na Europa enfrentam labirinto de camadas de requisitos de capital"

Contrariando o que defende a Comissária Europeia, Maria Luís Albuquerque, o presidente da APB considera que a frase “pensamos que os depósitos bancários são seguros, mas seguro é que perdemos dinheiro com eles” não foi "a afirmação mais feliz".

Economista, último presidente do BES e o primeiro do Novobanco, Vítor Bento chegou à Associação Portuguesa de Bancos (APB) em maio de 2021, sucedendo a Fernando Faria de Oliveira, e já vai no segundo mandato à frente da APB, tendo sido reeleito para o triénio 2024-2026.

A APB lançou uma campanha de sensibilização a explicar as várias fraudes e os comportamentos a adotar pelos clientes bancários, porque as fraudes bancárias evoluem e tornam-se cada vez mais sofisticadas. Em entrevista ao Jornal Económico, Vítor Bento, para a rubrica da edição semanal, o "Decisor da Semana", diz que

As fraudes bancárias evoluem e tornam-se cada vez mais sofisticadas. A melhor defesa continua a ser a prevenção? Que conselhos deixa aos clientes bancários? É por isso que avançam com esta campanha? Qual o grau de eficácia esperado?

As fraudes bancárias, tal como as fraudes em geral, estão em constante evolução e tornam-se cada vez mais sofisticadas. A melhor defesa continua a ser a prevenção, através de gestos simples como verificar links antes de clicar, não partilhar dados pessoais ou bancários e confirmar sempre a origem de contactos suspeitos. Com esta campanha, o setor bancário quer reforçar a importância das pessoas na prevenção da fraude e como atores essenciais da sua própria proteção. Portugal é um dos países mais seguros na banca digital, mas, para que assim continue a ser, é essencial que cada utilizador se mantenha atento e vigilante, protegendo os seus dados e os acessos às suas contas.

A banca digital aumentou as fraudes bancárias?

À medida que as interações sociais vão passando do mundo real para o mundo digital, é natural que as fraudes, e criminalidade em geral, acompanhe esse movimento. Por outro lado, aquilo que estimula a migração das interações sociais – rapidez, facilidade, abrangência – também facilita as atividades fraudulentas. A APB não tem dados que indiquem que aumentou a fraude na banca digital, mas observa-se a evolução da estratégia dos criminosos, que, perante barreiras tecnológicas mais robustas (como a autenticação forte nos pagamentos), recorrem à engenharia social para manipular os utilizadores. Ou seja, a fraude passou a visar o “ambiente do cliente”, tentando enganá-lo com mensagens falsas para o induzir a dar aos criminosos acesso às suas contas. Todos nós, individualmente, podemos testemunhar, por experiência, um assédio mais frequente de tentativas de fraude através de sms, whatsapp, emails e chamadas telefónicas indesejados e que visam apanhar-nos desprevenidos, ou baixar as nossas guardas, para nos roubar. Seja fazendo-nos transferir dinheiro a seu favor, seja obter os nossos dados que permitam aos criminosos aceder e usar as nossas contas . Garantir o insucesso dessas tentativas é uma missão que cabe a todos e é para ajudar as pessoas a resistir-lhes que a APB promoveu a recente campanha de prevenção.

Que papel pode ter a literacia financeira?

A literacia financeira é essencial para proteger os utilizadores da fraude, uma vez que fornece ferramentas importantes para reconhecer sinais de risco e tomar decisões seguras. Quanto maior for o nível de literacia digital e financeira, menor é o espaço para a manipulação criminosa, salvaguardando não só o dinheiro de cada pessoa, mas também a confiança no sistema financeiro.

A plataforma de confirmação de beneficiários do Banco de Portugal não reduziu o número de fraudes bancárias?

Tudo indica, nomeadamente, com base na informação já partilhada pelo regulador, que o serviço de confirmação do beneficiário, disponível desde maio de 2024 na plataforma do Banco de Portugal, tem contribuído para manter em Portugal níveis reduzidos de fraude nas transferências e transferências imediatas.

Por ordem do Banco de Portugal os bancos passaram a ter de fornecer um serviço de verificação do beneficiário, que permita ao ordenante confirmar o nome do beneficiário de uma transferência. As operações com referência de pagamento (como serviços públicos, seguros ou outras) e débitos diretos passaram a ter de exibir o nome do beneficiário final e não apenas da entidade processadora (Easypay, EuPago, HiPay, Ifthenpay, etc.). Isto foi uma medida anti-fraude do banco central. É uma medida que tem revelado ser eficaz a reduzir as fraudes?

Como já se disse, tudo aponta no sentido de maior eficácia preventiva conseguida por esse serviço. O ecossistema de pagamentos em Portugal beneficia ainda de espaços de cooperação e diálogo promovidos pelo Banco de Portugal, como o Comité Interbancário para os Sistemas de Pagamentos (CISP) e o Fórum para os Sistemas de Pagamentos, onde o setor bancário tem contribuído de forma construtiva para o desenvolvimento de medidas que reforcem a confiança e a proteção dos utilizadores.

O Euro Digital pretende vir a ser a moeda digital de banco central (CBDC) da Área do Euro, e constituir uma alternativa ao numerário. Não teme que o euro digital potencie o aumento de fraudes? Ou pelo contrário, vai evitá-las?

O setor bancário acompanha de perto o projeto do euro digital e destaca a importância de que seja acompanhado por mecanismos sólidos de prevenção e deteção de fraude. Muitos dos riscos que afetam os meios de pagamento atuais também serão relevantes neste novo formato, pelo que é essencial antecipar medidas eficazes de mitigação. O objetivo é que o euro digital não traga mais riscos, mas sim uma oportunidade para reforçar a confiança, a transparência e a segurança no sistema de pagamentos europeu.

Os bancos passaram este ano a ter de disponibilizar transferência imediatas depois de o Banco de Portugal ter introduzido, o SPIN que é uma funcionalidade que permite aos utilizadores de serviços de pagamento iniciarem uma transferência, a crédito ou imediata, através da indicação de um identificador do beneficiário, em vez de digitarem o IBAN. No caso de pessoas singulares, esse identificador é o número de telemóvel e, no caso de pessoas coletivas, o número de identificação de pessoa coletiva (NIPC). Que comentários tem a fazer a estas iniciativas? São mitigadores de fraudes?

A transferências imediatas, já há alguns anos disponibilizadas por grande parte dos bancos em Portugal aos seus clientes, foram agora generalizadas no quadro do Regulamento europeu dos Pagamentos Imediatos, reforçando a cobertura e acessibilidade destes serviços. Em complemento, o SPIN lançado pelo Banco de Portugal vem permitir que transferências sejam iniciadas através do número de telemóvel – como já era o caso do MBWAY – ou do NIPC, simplificando a experiência do utilizador e dispensando a introdução do IBAN. Estas iniciativas reforçam a conveniência e a simplicidade dos pagamentos digitais, tornando-os mais rápidos e fáceis para consumidores e empresas.

O Banco de Portugal prepara uma reserva contracíclica de 0,75% sobre a exposição dos bancos ao setor privado não financeiro em Portugal para entrar em vigor a 1 de janeiro de 2026. Esta percentagem deverá ser aplicada em base individual e em base consolidada. A banca estava mesmo a precisar de uma nova almofada de capital?

No contexto atual, e como mostram os testes de esforço da EBA, os requisitos de capital já asseguram a robustez do setor. Por isso, devemos dar atenção ao que há pouco tempo, um administrador executivo do Bundesbank escreveu no Financial Times, chamando a atenção para que os bancos, na Europa, enfrentam já um labirinto de camadas de requisitos de capital, cada uma com lógica própria, mas cujo resultado global é uma estrutura bizantina, difícil de navegar, e que pode ameaçar a sua eficácia, especialmente em momentos de stress.

Acha que as fusões bancárias na Europa são um caminho irreversível, ou pelo contrário serão sempre casos pontuais enquanto não houver a União Bancária plena?

A organização dos sistemas bancários europeus, com ou sem fusões, é matéria que decorrerá do normal funcionamento do mercado e da intervenção dos reguladores. O que importa assegurar é que, a nível europeu, a concorrência se desenvolve num plano equilibrado (level playing field), onde todas as instituições concorrentes enfrentam as mesmas condições concorrenciais e que a regulação não cria, para as instituições europeias, desvantagens competitivas no mercado internacional. Só com regras comuns e equilibradas será possível concretizar uma competição justa e em benefício da economia europeia.

Acredita que o Fundo de Garantia de Depósitos europeu vai mesmo existir?

O Fundo Europeu de Garantia de Depósitos é o terceiro pilar da União Bancária e continua a ser um objetivo político assumido. Mas a sua concretização tem avançado devagar por falta dos necessários compromissos políticos.

A Comissária para os Serviços Financeiros e para a União da Poupança e dos Investimentos, considera fundamental o papel dos bancos na União de Poupança e Investimento. De que forma são os bancos fundamentais para a dinamização da poupança na Europa?

Na Europa, e face a um pouco desenvolvido mercado de capitais, o sistema bancário é o principal instrumento de intermediação financeira, captando e protegendo as poupanças e financiando famílias e empresas na concretização dos seus projetos de investimento e de promoção do crescimento económico. E os bancos têm cumprido muito bem esse papel. Mas, para que possam ser ainda mais eficazes nesse papel é importante simplificar muita da regulação e reduzir burocracia. Referindo-me novamente ao artigo do administrador do Bundesbank a que já aludi, é necessário simplificar, reduzindo complexidade e tornando as regras mais transparentes e eficazes, sem reduzir os padrões de exigência.

Maria Luís disse “pensamos que os depósitos bancários são seguros, mas seguro é que perdemos dinheiro com eles”. Que comentário lhe merece esta afirmação?

Diria que não terá sido a afirmação mais feliz da Senhora Comissária. Os depósitos são seguros e expressam um contrato de confiança entre bancos e os seus clientes, que, por essa via, dispõem de uma combinação de segurança, liquidez e rendimento sobre a qual são livres de decidir. Parto sempre do princípio de que as pessoas são quem melhor sabe da sua vida e quais as escolhas que melhor servem os seus interesses, não me atrevendo a fazer juízos sobre essas escolhas, sobretudo tendo em conta o leque de opções disponíveis para as suas escolhas.

Como economista, como vê a evolução económica da Europa? Crise de dívida em França, Reino Unido e recessão na Alemanha...

A Europa tem vindo a perder terreno na competição com os outros dois grandes blocos económicos, EUA e China, em capacidade de gerar riqueza, em inovação tecnológica e em relevância económica. Não ter conseguido realizar, na prática, a teoria do mercado único, e extrair as economias de escala, de âmbito e de rede que o mercado único poderia acrescentar à economia europeia; de, com uma interpretação fundamentalista e demasiado teórica dos princípios da concorrência, focada no âmbito dos mercados nacionais em lugar do vasto mercado europeu, prevenindo o crescimento das empresas europeias para dimensões capazes de competir em pé de igualdade, e com baixos custos marginais, com as grandes empresas dos referidos blocos; bem como a excessiva obsessão regulatória, terão sido importantes contributos para esse atraso. A superação dessas limitações é o grande desafio que a Europa tem pela frente.

O rating da dívida soberana de França caiu para o nível mais baixo alguma vez registado no país, retirando à segunda maior economia da zona euro o estatuto AA-, enquanto a instituição enfrenta uma crise política e o aumento da dívida. É preocupante? Haveria dinheiro para um resgate a França, ou seria o fim da UE?

A França enfrenta desequilíbrios fiscais antigos, agora agravados pela instabilidade política. Dado o peso relativo – económico, social e político – desse país no contexto da União Europeia, essa situação não pode deixar de ser vista com preocupação. Tenho esperança de que, da mesma forma que, no passado, a União Europeia conseguiu ultrapassar crises, até quase de natureza existencial, também conseguirá mobilizar o bom senso, a cooperação e o empenho necessários para ultrapassar estas dificuldades.