Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, está pouco preocupado com crises políticas: as uvas não param de crescer e o quadro normativo do sector está suficientemente consolidado para não haver surpresas. Mas para quem 2024 seja um ano de regresso ao crescimento é preciso, afirma, que exista uma correspondência entre inflação controlada e diminuição das taxas de juro – com impactos muito diferenciados nos mercados interno e externo. Para já, os indicadores do sector são bons.
Como e que correu a mais recente feira de vinhos na Alemanha, a ProWein Dusseldorf?
Em geral, a feira teve menos pessoas, menos visitantes que em certames passados. Mas há realidades distintas: há produtores mais satisfeitos que fizeram bons contactos, há produtores que fizeram menos contactos. No geral, o que sentimos é que há uma redução quer do número de expositores e menos participantes.
É a repetição do que sucedeu em 2023, que não foi excelente para as exportações de vinhos portugueses?
O ano de 2023 não foi bom para as exportações mundiais – não particularmente para os vinhos portugueses. Foi um ano de recessão e por isso de redução do comércio e consumo mundial de vinho. Quando comparamos as nossas exportações – que caíram 1,16% em valor – com as exportações do Chile, Argentina, Espanha, França, Itália, Nova Zelândia, Austrália, etc., todos caíram muito mais que Portugal. Mesmo falando com monopólios, percebe-se que houve uma redução, mas Portugal foi o que menos caiu. Ou seja, houve uma retração do consumo mundial – há várias explicações em função do país – mas é preciso olhar para os números com algum cuidado, porque de facto as coisas não foram assim tão más para Portugal. Já temos dados das exportações de janeiro de 2024 e temos o registo de uma subida de 2,6% relativamente a janeiro de 2023.
Será um indicador consistente para 2024?
Vamos ver como será o desenrolar do ano. Há produtores muito otimistas, mas também há produtores pessimistas, é sempre assim – mas pelo menos janeiro acabou com números bastante positivos: o crescimento registado, em valor, é bom.
Isso coloca noutra perspetiva o projeto de desenvolvimento para dar uma outra dimensão ao sector.
No fundo, o projeto quer trazer sustentabilidade económica ao sector. Mas é preciso também recordar que no ano passado caímos em volume, caímos em valor, mas subimos em preço médio. É um dado que é importante salientar.
Há mais valor acrescentado.
Exatamente. O outro dado é que, se retirarmos a influência do Vinho do Porto, as exportações ficaram em linha, não caíram – houve um movimento de arrastamento para baixo da responsabilidade do Vinho do Porto.
Qual é a região demarcada nacional que desperta maior interesse nos mercados internacionais?
É muito difícil de dizer. Depende muito do país. Veja por exemplo o caso da Polónia: a região que neste momento está mais forte é a região do Tejo. No Brasil ou nos Estados Unidos, é uma região sem expressão. Ali, preferem mais os Verdes, o Douro ou o Alentejo. Depende muito do país, mas naturalmente que as quatro grandes regiões – o Douro, os Verdes, Lisboa e Alentejo – acabam por ser aquelas que têm mais massa crítica e portanto são aquelas que têm mais vendas em termos de exportações.
O fim do mercado russo foi mau para as exportações nacionais?
Não houve um fim do mercado russo. Tem sido um mercado com grande crescimento. Como aliás no que se refere à Ucrânia. Quer a Ucrânia quer a Rússia estão a comprar muito mais, mas muito mais que o que compravam. Há várias explicações. No caso dos ucranianos, as pessoas tentam viver uma vida normal – os restaurantes estão abertos, os bares estão abertos, as pessoas querem viver a normalidade para não darem em doidas. O consumo de vinho aumentou e as importações aumentaram bastante. Dentro da Rússia – e estamos a falar de Moscovo, que é o grande centro de consumo, as pessoas estão a comprar mais vinho. E não só portugueses.
Quer dizer que os vinhos não entraram no pacote de sanções que a União Europeia lançou sobre a economia russa.
Não, não fazem. Impediram as exportações de produtos de luxo, o que no caso dos vinhos é qualquer coisa acima dos 300 euros a garrafa. Gostávamos muito de ter mais, mas não… O normal dos vinhos não está abrangido.
Falando do Plano Estratégico 2024-30, o facto de estarmos a passar por um período político conturbado não é uma boa notícia para o sector.
Não é. Mas, para nós…
As uvas, em princípio, continuam a crescer.
As uvas continuam a crescer, os produtores continuam a produzir nos seus ciclos normais, e querem ser o menos dependentes possível das políticas públicas ou pelo menos dos governos. Trabalhamos com legislação que existe – até em termos de apoios e de cofinanciamentos das nossas áreas de atividade. Nesse contexto, digamos que não há um transtorno com mudanças políticas. A menos que venha algum ministro que queira mudar tudo e isso seria um problema. Mas não nos parece que isso vá acontecer.
Em termos de agricultura, e mais particularmente em termos de vinho, PS e PSD não são propriamente diferentes.
Não. Em termos do vinho, não. Em termos de agricultura há sempre a influência do ministro. Já tivemos ministros do PS, do PSD ou mesmo mais ligados aos CDS que tiveram políticas muito parecidas. A influência é o ministro e não tanto as políticas dos diversos partidos.
Está à espera que o final do primeiro semestre seja de diminuição das taxas de juros dos bancos centrais e que por isso, aos poucos, os consumidores passem a ter mais fundos disponíveis?
Estou claramente à espera de que o segundo semestre deste ano seja bastante melhor, exatamente por causa disso. As inflações estão controladas, pode haver uma descida das taxas de juro – que no caso de Portugal impacto muito nas famílias, porque toda a gente compra casas, ao contrário de outros países, onde as pessoas alugam casas. Mas a inflação, que não tem um impacto tão grande nos consumidores, pelo menos para o vinho, já em mercados do centro da Europa é ao contrário: quando a inflação começa a subir, o consumo começa logo a retrair-se. Sentimos isso na Alemanha, na Suécia, na Suíça. Como tiveram problemas no passado, assim que a inflação dá sinais de subir, mudam logo os perfis de consumo. Ao contrário, a redução da inflação tem um impacto imediato e positivo nos mercados do centro da Europa.
É capaz de dizer que o ano de 2024 será, nos vinhos, melhor que 2023?
Tenho essa esperança, mas não sou capaz de o afirmar. É ainda cedo demais. Mas posso dizer que tenho a forte esperança que 2024 seja bastante melhor que 2023, exatamente por estas duas razões que acabo de apontar. Espero que a tempestade perfeita que aconteceu em 2023 não se repita.