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UTAO alerta para "proposta perigosa" com exclusão dos gastos em defesa das regras orçamentais europeias

"Criar uma exceção à regra é criar uma ilusão aos cidadãos, que terão de a pagar, seja através de impostos acrescidos no presente, seja por menor despesa ou por mais impostos no futuro para pagar dívida", criticou Rui Baleiras, lembrando que "os recursos são escassos".

A possibilidade levantada pela Comissão Europeia de excluir os gastos com defesa da contabilidade para as regras orçamentais comunitárias é “perigosa”, dado que retira aos cidadãos parte da noção do seu impacto financeiro para as contas públicas dos Estados-membros, alerta o coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO). Rui Baleiras lembra que, independentemente da contabilidade feita por Bruxelas, os europeus terão de pagar estes gastos, seja por mais impostos, dívida ou redução da despesa.

“Criar uma exceção à regra é criar uma ilusão aos cidadãos, que terão de a pagar, seja através de impostos acrescidos no presente, seja por menor despesa ou por mais impostos no futuro para pagar dívida”, resumiu Rui Baleiras ao JE, alertando para uma “proposta perigosa” que parece ignorar alguns princípios económicos básicos.

A economia define-se por ter “recursos escassos”, pelo que “não podemos iludir a necessidade de fazer escolhas”, mesmo em cenários como o atual, em que há várias prioridades a que a Europa terá de acorrer. Como tal, “não contar para a regra [orçamental europeia] não evita que essa despesa conte para quem tem de a pagar, que são os contribuintes”, lembra o coordenador da UTAO.

A preocupação de Rui Baleiras surge após o anúncio por Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, de que a cláusula de escape ativada durante os anos mais complicados da pandemia pode ser novamente utilizada para acomodar despesas de defesa. A Europa encontra-se cada vez mais pressionada pelos EUA, principal parceiro de segurança, a investir em defesa, com representantes da administração Trump a falarem mesmo em despesas equivalentes a 5% do PIB neste setor – um rácio que nenhum país da NATO, nem os EUA, cumpre atualmente.

Em Portugal, esta possibilidade foi bem recebida pelo Governo, que vê assim uma margem maior para acomodar a necessidade de subir gastos nesta componente, onde só chega a 1,6% do PIB. O ministro das Finanças afirmou esta segunda-feira ver "uma maior flexibilidade" com as alterações, o que "ajudará, naturalmente, Portugal a poder potenciar mais a sua capacidade militar e investir mais nessa área, sem colocar em causa as outras áreas".

Esta exclusão dos investimentos em defesa da contabilidade da Comissão para as novas regras orçamentais (reintroduzidas no ano passado) já havia sido prevista aquando da discussão sobre as mudanças nos critérios de Maastricht, que colocaram a despesa primária em função do PIB como o indicador principal na avaliação da robustez e saúde das contas públicas nacionais dos Estados europeus.

Apesar do anúncio de von der Leyen, nem a presidente, nem outros representantes europeus ao mais alto nível elaboraram no detalhe como se poderia materializar esta exceção. Isso mesmo destaca Rui Baleiras, embora considerando que não fará diferença na avaliação da proposta.

“As regras da disciplina orçamental destinam-se a fornecer uma bússola aos decisores, mas nunca substituem a economia, que se define por ter recursos escassos”, continua.

A possibilidade de ser emitida dívida conjunta para financiar investimentos em defesa e segurança tem sido levantada várias vezes, embora este seja um tópico sensível e divisivo no seio europeu, com os países ‘frugais’ do Norte a rejeitarem sistematicamente esta possibilidade – também sugerida a propósito da competitividade europeia pelo próprio antigo presidente do BCE, Mario Draghi. No entanto, a questão para o coordenador da UTAO “mantém-se: vamos ter de a pagar”.

“Parece-me perigoso alimentar a ideia de que podemos afastar uma regra orçamental com que todos os Estados-membros se comprometeram há pouco mais de meio ano […] só porque estamos confrontados com a necessidade de fazer uma escolha desagradável”, remata.