Medos de recessão nos EUA, fim do carry trade com a subida de taxas no Japão, mercado inflacionado e excesso de liquidez – as condições para uma tempestade quase perfeita reuniram-se nas últimas semanas, gerando uma forte correção que levou os mercados a interrogarem-se se o mais longo bull market da história teria terminado. Os especialistas ouvidos pelo JE consideram prematuro falar de tal, mas reconhecem que o panorama nos mercados pode alterar-se, mesmo caso não se materialize a temida recessão.
As bolsas tiveram um forte percalço na segunda-feira, dando seguimento ao segundo pior dia na história do índice japonês NIKKEI, que fechou a recuar 12,4%, mas o sentimento geral no resto da semana foi de maior tranquilidade e recuperação. Ontem, os números semanais de pedidos de subsídio de desemprego deram novo alento ao mostrarem um abrandamento de 17 mil em relação à semana anterior para 233 mil, acalmando os receios de recessão exacerbados pelo relatório do emprego nos EUAde sexta-feira passada.
Ainda assim, o fenómeno já vinha de trás. Destaca Pedro Lino, economista e CEO da Optimize IP, que a correção já vinha a arrastar-se há três semanas, precisamente quando o Banco do Japão (BoJ) decidiu subir os juros e “comprimiu a expectativa do que seria o diferencial de taxas entre EUA e Japão”, obrigando muitos carry traders a desfazerem posições.
“A valorização do iene […] é a pior coisa que podia acontecer para um carry trader. Está a retirar muito dinheiro que tinha sido provavelmente aplicado nas tecnológicas americanas”, acrescenta Paulo Monteiro Rosa, alertando que esta reversão “pode ter um efeito autorrealizável. Pode acelerar a recessão que já está evidenciada pelo declínio da curva de rendimentos ou até mesmo precipitá-la.”
Nesta linha, e juntando os sinais preliminares negativos dados por vários inquéritos de mercado, o economista sénior do Banco Carregosa projeta que será muito difícil à economia norte-americana “sair daqui sem uma recessão”. Ainda assim, quanto ao gatilho criado pelo mercado de trabalho, vários sinais apontam para uma situação em que as empresas “já não têm capacidade para absorver o aumento das pessoas que chegam ao mercado de trabalho à procura de emprego, mas ainda estão longe dos despedimentos”.
A possibilidade de uma recessão foi um dos fatores a precipitar o descalabro nas bolsas, mas para o professor universitário e economista António Nogueira Leite não terá sido o principal, até porque, defende, os sinais “não são tão evidentes assim”. Mais do que as preocupações quanto ao PIB norte-americano, foram as peculiaridades do mercado japonês aliadas a um mercado inflacionado e excesso de liquidez que geraram esta correção.
“Muita liquidez durante muito tempo criou a sensação nalguns agentes que nem todos os preços refletem adequadamente o valor dos ativos – e não é apenas no mercado de ações”, argumenta. Quanto ao fim do bull market, Nogueira Leite não avança com certezas, mas projeta que “não vamos voltar a ter um influxo de liquidez com repercussão em vários mercados, entre os quais o acionista, como nos últimos dez anos”.
“Acho prematuro dizer que o bull market acabou. Estas correções são normais”, considera Pedro Lino, lembrando ainda os “6 triliões de dólares parados no mercado monetário, [que] se a taxa de juro começar a baixar não tenho dúvidas que uma parte desse dinheiro irá para o mercado e suportá-lo-á”.
Por outro lado, a margem da política monetária para acomodar percalços desta natureza é muito superior do que há dois anos e “suficiente para reiniciar a economia”, lembra o CEO da Optimize IP. Além dos juros, a Fed pode ainda retomar a compra de ativos, depois de dois anos de redução do balanço, havendo ainda o plano Biden do lado orçamental para estimular a economia.