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“Temos um problema nas entidades públicas. Honorários extremamente baixos não são compatíveis com o trabalho dos auditores”

Virgílio Macedo está a iniciar o segundo mandato como bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC), com menos pressão sobre as margens no mercado, mas com desafios recorrentes, como a limitação que o Estado impõe aos honorários nas auditorias às entidades públicas, para o qual insiste na intervenção da CMVM, o foco na formação para as novas tecnologias e a atração de talento. E desafios renovados, como a preparação para serem essenciais na validação da informação não financeira.

As atividades de auditoria e revisão de contas têm hoje de lidar com processos mais complexos e com novas tecnologias. Como têm respondido a este desafio?
A crescente aceleração da utilização de tecnologias de informação aplicadas à auditoria ou as questões da cibersegurança, que são cada vez mais relevantes no nosso dia a dia de todas as atividades, são questões que estão permanentemente em cima da mesa e a que nós, auditores, temos dado particular atenção. E já começa a haver também a utilização de inteligência artificial aplicada a sistemas de auditoria.
Como qualquer aplicação nova, inicialmente, essa tecnologia não estará tão disseminada pela generalidade dos auditores, mas o que temos vindo a assistir é que a utilização de tecnologias da informação – e a procura por parte de todos os profissionais dessas ferramentas que lhes permitam realizar cada vez o melhor trabalho – é uma busca permanente.


Isso implica investimento e as sociedades têm-se queixado do aumento dos custos e da erosão das receitas. A pressão sobre as margens mantém-se? E a qualidade ressente-se?
A qualidade dos processos e dos trabalhos dos auditores não se tem ressentido, e também temos de reconhecer que aquela pressão excessiva que havia relativamente aos honorários praticados pelos auditores não tem crescido. Pelo contrário, as diversas entidades têm tomado consciência dos aumentos dos custos que os auditores têm sofrido na sua atividade, tal e qual como as empresas. Hoje existe uma maior consciencialização para essa necessidade de haver honorários justos.


Nós temos um problema nas auditorias que efetuamos a entidades públicas, porque aí os honorários estão tabelados por lei e são entidades grandes, relevantes, algumas delas complexas, e que, aí sim, haveria algo a fazer e eu tenho chamado a atenção do regulador, do supervisor da atividade de auditoria, a CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários]. Tenho alertado para a necessidade de o próprio regulador intervir nessas situações junto da tutela, porque essa fixação de honorários, por decreto-lei, e honorários extremamente baixos, não é compatível com as exigências do trabalho que os auditores têm de realizar.

E há uma crescente responsabilidade.
É permanente. O nosso trabalho é extremamente auditado pela generalidade das pessoas. Cada vez mais, os stakeholders dão importância ao nosso trabalho e essa importância irá ser num futuro próximo alargada, porque, no curto prazo, os nossos trabalhos também irão abordar a informação não financeira.

O tema do ESG [sigla em inglês para ambiental, social e de governança].
Os relatórios de sustentabilidade das empresas; isso é uma área muito relevante para nós, auditores. Estamos numa fase inicial, porque nesta fase ainda só as empresas com mais de 500 trabalhadores, empresas cotadas, etc é que irão ter necessidade de ter o seu relatório de sustentabilidade certificado à data de 31 de dezembro de 2024, mas pelo efeito spill over [alastramento], as empresas de menor dimensão vão querer isso, até porque os seus fornecedores, os seus clientes, etc, isto é, toda a cadeia de valor vai exigir e, portanto, nós, OROC, estamos muito atentos a essa questão. Temos já programadas ações de formação para capacitação de todos os auditores nessa área.


Neste momento, ainda não está bem definido quem são os profissionais que vão efetuar esse trabalho de segurança dessa informação não financeira. Sabemos é que a nível europeu existe uma tendência maioritária para que esse trabalho de assurance esteja reservado aos auditores; para nós era relevante. Temos uma capacidade, um know-how grande, agora o que nós não poderemos aceitar enquanto país, não é enquanto ordem profissional, enquanto profissão, é, por exemplo, haver várias classes profissionais que possam fazer essa assurance dessa informação, com diferenças completamente díspares em termos de formação, exigências, controlo de qualidade, etc. Estamos a aguardar qual vai ser a decisão relativamente aos profissionais que vão estar habilitados à verificação dessa informação não financeira, porque, na nossa ótica, essa informação cada vez vai ter mais peso, mais relevância para todos os stakeholders.

Têm sinalizado a vossa posição?
Nós já sinalizámos junto da CMVM a nossa posição e, sem sermos corporativistas, que não é esse o nosso objetivo, pensamos que nós, auditores, temos os skills apropriados de know-how para sermos os profissionais que asseguram a fiabilidade dessa informação não financeira e chamámos sobretudo a atenção para que se existir o aventureirismo de abrir este assurance a outras profissões que haja uma garantia de que todas as profissões estão numa situação de igualdade, porque nós, auditores, por exemplo, temos supervisão pública, ou seja, temos controlo de qualidade, temos obrigações e custos inerentes a isso. Não seria aceitável que houvesse diferenças relevantes entre profissionais que possam realizar esse tipo de trabalho.


É um desafio grande que nós vamos ter. É um desafio para que nós estamos preparados, que nós temos trabalhado muito intensamente relativamente a essa matéria e esperamos ter na CMVM um interlocutor sério, credível, porque também é do interesse da CMVM, obviamente, garantir a fiabilidade da informação dos relatórios de sustentabilidade das empresas.

 

Estes temas que obrigam a investimento. Ainda existe alguma fragmentação no sector, a concentração é uma solução para responder a estas necessidades?
Sabe que nós, como país, temos uma dificuldade na concentração de atividades empresariais; não é uma questão da auditoria. No entanto, nós, OROC, temos chamado a atenção para essa necessidade de haver uma maior concentração de atividades de empresas de revisores e auditores para que as empresas tenham um cada vez maior músculo para fazer face àquilo que são os investimentos, os desafios, as formações, os custos de contexto da atividade de auditoria.


É uma área em que nós sistematicamente chamamos a atenção para a necessidade de nos agregarmos, de constituirmos empresas cada vez maiores. Existem movimentações de concentração de atividades de auditores, se calhar não com aquela velocidade e com aquela dimensão que todos nós gostaríamos enquanto espectadores da atividade de auditoria e, muitas vezes, por parte da CMVM enquanto regulador e supervisor, mas é a economia de mercado a funcionar. Agora, os auditores têm de ter consciência – e nós temos chamado a atenção – que quem não estiver updated em termos tecnológicos, em termos de pessoal, em termos de formação, é o seu futuro que está em risco. É uma questão de sobrevivência.