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“Seria péssimo entrarmos outra vez num processo de eleições”

Virgílio Macedo : O bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC) afirma-se “moderadamente otimista” na aprovação do Orçamento do Estado para opróximo ano, para que se evite uma crise política, que considera seria muito prejudicial. Na Ordem, já se adaptou aos novos estatutos e não acredita que o Governo reabra o processo nos próximos anos.

Já concretizaram todas as alterações dos novos estatutos? Quais foram as principais mudanças e que efeitos terão, a começar pelos custos?
No nosso caso, esse não foi um problema, até porque a nossa ordem tem uma particularidade: é que os órgãos sociais não são remunerados; só são remunerados por senhas de presença, não têm qualquer tipo de remuneração fixa. Nós tivemos foi de arranjar entidades independentes que estivessem dispostas a aceitar essas condições, e que tivessem prestígio em termos de mercado. Nós já nos adaptámos e todos os nossos regulamentos e regimentos já estão adaptados ao novo estatuto.


Vai haver aqui, obviamente, desafios. Desde logo, somos a única ordem que vamos ter duas supervisões: temos uma supervisão pública, da CMVM, e vamos ter aqui um conselho de supervisão, que é uma entidade independente da ordem. Estamos muito curiosos para vermos como é que, depois, vai haver essa compatibilização das duas supervisões. Estamos tranquilos relativamente a essa matéria e penso que irá funcionar bem.


Há um aspeto para que eu chamo a atenção. Nunca tivemos limitações no acesso à nossa profissão. Penso que somos a única ordem em que qualquer licenciado pode propor a sua inscrição na OROC, desde que cumpra os skills, mas há aqui um aspeto, porque já começámos a sentir algumas resistências. Era uma área em que não tínhamos problema nenhum, que era a remuneração dos estagiários: os nossos estagiários, 95% deles, seriam remunerados, até porque a grande maioria já trabalha na profissão. Quais eram os estagiários que não eram remunerados, 5%, se calhar nem isso, aqueles profissionais que não estavam na profissão, que eram diretores financeiros de empresas, que eram quadros do Estado e que a certa altura quiseram fazer a sua adesão à OROC e fizeram o seu percurso e depois faziam o seu estágio; e o estágio, efetivamente, é um estágio em que ele trabalhava para ele, não trabalhava para quem lhe dava o estágio. Às vezes eram estágios feitos fora das horas de trabalho, aos sábados. Ou seja, havia aqui situações em que não era trabalho para quem dava o estágio, e não havia problema. Ora, agora, com esta obrigação de remunerar os estagiários, obviamente, para esses 5% vai ser mais difícil arranjar patrono ou, então, têm de prestar serviços às unidades porque ninguém vai estar a pagar um estágio sem a pessoa efetivamente prestar serviço. Essa é uma área que nós já detetámos que pode, num futuro próximo, ser uma dificuldade no acesso à profissão.

 

No processo de aprovação dos estatutos, foi manifestada a abertura do legislador para revisitar o que foi aprovado. Havendo essa possibilidade, a OROC queria fazer alterações?
Eu acho que isso é um não assunto presentemente, até dada a conjuntura política. Seria altamente improvável que o atual Governo fosse reabrir um processo que é um processo, como disse, complexo, [em que] cada ordem tem as suas realidades completamente diferentes. Penso que essa não será uma matéria que estará em cima da mesa nos próximos anos. Sinceramente, seria se muito surpreendente para mim que um Governo, independentemente de qual fosse, revisitasse a curto prazo essa legislação.


É importante é que a mesma seja cumprida por todas as ordens. Seria inaceitável haver ordens a cumprir e outras não, mas se num futuro mais ou menos longínquo houvesse essa abertura para haver alguma adaptação, obviamente que nós gostaríamos de fazer adaptações, mas não seriam relevantes.

Temos um novo Governo e um parlamento fragmentado, com tudo o que isso implica. O que é que espera do orçamento para o próximo ano?
Eu espero que o orçamento do próximo ano continue a trilhar um caminho que é estritamente necessário, que é a redução da carga tributária sobre os portugueses, ou seja, a redução dos impostos. Não pode ser feita de toda de uma vez, obviamente, mas é um caminho que nós vamos ter de trilhar enquanto país, mantendo obviamente o equilíbrio das nossas contas públicas.


É um quadro parlamentar complexo, mas eu estou moderadamente otimista em que o orçamento será no final aprovado, porque é do interesse de todos. Em primeira mão, será do interesse da economia, dos portugueses, em meu entender, que tenhamos um orçamento devidamente aprovado. Seria péssimo entramos outra vez num processo de eleições com toda a instabilidade que isso provoca, o travar de investimentos que isso provoca, é imediato. Estamos numa fase muito complicada em termos de execução final do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]. Estamos numa necessidade de dar um outro impulso à execução do Portugal 2030. Portanto, há aqui um conjunto de condições que aconselham a que nós, portugueses, tenhamos algum juízo e que, nesse sentido, obviamente com toda a legitimidade que cada partido possa ter, mas que haja essa aprovação desse Orçamento do Estado. Vamos ver até que ponto é que existe flexibilidade tanto do Governo como da oposição para cada um por si efetuar os seus pequenos ajustamentos e as suas pequenas cedências para no final termos um Orçamento do Estado que defenda os portugueses, que consigamos continuar neste ritmo de crescimento e consigamos, cada vez mais, termos uma economia mais moderna, mais dinâmica. É uma área em que também o Governo vai ter de implementar uma desburocratização na nossa economia, mas isso requer tempo, não é em dois meses, nem três meses, nem quatro nem seis meses que se faz, mas é um caminho que o Governo está a trilhar e seria importante não quebrar esse ciclo, mas obviamente a palavra é dos partidos políticos.

A OROC tinha-se disponibilizado para ter um papel mais ativo no âmbito do PRR e também em relação ao Portugal 2030. Chegou, inclusive, a ser assinado um acordo. Ainda tem esperança de que o possam ter?
Relativamente ao Portugal 2030, o sistema está a funcionar normalmente, ou seja, as empresas estão a fazer os seus investimentos, nós, auditores, somos chamados a validar os respetivos investimentos, é um processo idêntico ao que existia anteriormente.


Relativamente ao PRR, formulou-se esse protocolo, penso que numa fase inicial não se percebia a missão, o que é que se pretendia, mas agora, há cerca de um mês, mês e meio, já se lançou alguns concursos para verificar alguns investimentos, mas a tempestividade, no meu entender, perdeu-se em grande medida. Obviamente que podemos ainda ir atrás de alguma verificação, mas agora, sobretudo, o importante é executar; executar de forma correta, de forma séria, para que Portugal não perca os fundos. E aí está mais uma razão para que possamos ter um Governo legitimado, porque era fundamental para ver se conseguimos estender o prazo de execução do PRR, porque senão vai ser muito difícil conseguirmos executar.


Vamos ver como é que funciona. Ainda não há experiência, vamos ver se corrigimos pelo menos alguma coisa, mas a tempestividade perdeu-se um bocadinho. Agora, penso que o mais importante agora é executar; executar com toda com toda a velocidade, para ganharmos o tempo de que necessitamos para compensar alguma lentidão no início da execução do PRR, que pode ser um fator importantíssimo para alavancar a nossa economia.