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“Temos de contribuir conjuntamente para reforçar as capacidades industriais europeias”

Desde 2018 as empresas catalãs investiram 204 milhões de euros em Portugal. Um número significativo, embora a Catalunha seja o território da Península mais afastado fisicamente de Portugal.

Entrevista a Natalia Mas Guix, conseller de Economia e Finanças do governo da Catalunha

 

Numa altura em que as autonomias estão novamente no centro da crise política que se instalou em Espanha – com a Catalunha e o País Basco a serem essenciais para o líder do PSOE, Pedro Sánchez, conseguir atingir o objetivo de formar o próximo governo de Espanha, Natalia Mas Guix, ministra da Economia e Finanças da Catalunha, esteve em Portugal para tomar contacto com alguns decisores portugueses. Entre eles, o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno e José Manuel Mendonça, presidente do INESC TEC.

Para Natalia Mas Guix, que concedeu uma entrevista exclusiva ao JE, as ligações económicas entre a autonomia que representa e Portugal são intensas, antigas e têm todas as condições para evoluírem favoravelmente para as duas partes interessadas. “Portugal é um dos principais sócios comerciais da Catalunha”, refere. Mas a balança comercial é extremamente deficitária para o lado português: a taxa de cobertura é de apenas 36%.

 

Qual é o nível das ligações económicas (em termos de importações e exportações) entre a Catalunha e Portugal?

Portugal e Catalunha têm profundas ligações económicas e culturais. São dois territórios amigos que partilham muitas semelhanças e potencialidades de futuro. Portugal é um dos principais sócios comerciais da Catalunha. É o país onde as empresas catalãs têm mais filiais em todo o mundo. Há quase 3.700 empresas catalãs que exportam para Portugal de forma regular. É um número recorde. Em 2022 a Catalunha vendeu a Portugal bens valorizados em 6.400 milhões de euros e importámos produtos portugueses pelo valor de 2.305 milhões de euros. As relações são fortes em âmbitos tradicionais como componentes para automóveis, indústria química, alimentação, mas também em setores estratégicos de futuro como os semicondutores, energia ou biomedicina.

 

Qual é a quota da Catalunha no total das trocas comerciais entre Portugal e Espanha?

Catalunha é o primeiro fornecedor da Península a Portugal, embora seja o território mais distanciado geograficamente, e é o terceiro cliente, só atrás da Galiza e Madrid. Em 2022 a Catalunha representou 19% das exportações espanholas a Portugal e 14% das importações espanholas com origem portuguesa. Portugal é, assim, um sócio preferente e estratégico. Umas relações que queremos relançar mais ainda porque detetamos muitas oportunidades de futuro.

 

Qual é o peso das relações de Portugal/Catalunha no total das importações/exportação entre a Catalunha e o resto do mundo?

Portugal recebeu no ano passado 6,4% das exportações catalãs para o estrangeiro. Para constatar a importância que isto representa, quero salientar que a Catalunha vendeu mais a Portugal que a toda a América do Norte e também mais que a toda a América Central e do Sul juntas, ou mais de duas vezes e meia do que exporta para a China. 2023 ainda não acabou, mas no primeiro semestre Portugal foi o quarto destino das exportações catalãs, ultrapassado apenas por França, Alemanha e a Itália.

 

Como carateriza as relações económicas entre a Catalunha e Portugal?

Acho que são excelentes. Durante a minha visita a Portugal confirmei a estima que ambos os territórios têm um pelo outro e as relações económicas profundas que temos trabalhado, por exemplo no âmbito da pesquisa, como pude comprovar na minha visita ao INESC TEC, um centro de pesquisa que colabora com centros catalães e que me impressionou pela positiva. Também existe colaboração no âmbito do turismo, quase todas as pessoas com quem me encontrei já visitaram a Catalunha, não apenas uma só vez, mas várias! O mesmo acontece com os catalães, que vemos Portugal como país amigo que adoramos visitar. Pode parecer que os visitantes portugueses na Catalunha têm um peso relativamente pequeno, representando 1% do total. Mas na verdade têm uma importância proporcionalmente similar aos dos principais mercados turísticos, como a Alemanha ou a Itália se corrigirmos os dados em função da população de cada um dos países. Finalmente, são ligações muito importantes que queremos fortalecer ainda mais.

 

Em que medida podem essas relações ser aumentadas?

Portugal, como a Catalunha, está a ver como as indústrias mais tradicionais estão a transformar-se para incorporar mais tecnologia e estão a crescer atividades relacionadas com a eletrónica, a mobilidade sustentável, as terapias biomédicas avançadas, o hidrogénio verde ou a proteína vegetal. Estes são os setores de presente e futuro, quer para Portugal quer para nós, o que fará aumentar de forma natural nos próximos anos as trocas comerciais e a colaboração nas inovações nas várias etapas produtivas e comerciais. Temos de contribuir conjuntamente para reforçar as capacidades industriais europeias. A pandemia e os estrangulamentos nas cadeias de produção demonstraram a necessidade de reshoring, ou seja, recuperar capacidade industrial perto de casa para não ser tão vulnerável e ter mais capacidade de adaptação às necessidades dos cidadãos europeus. Previsivelmente, isto implicará um aumento das relações comerciais entre os membros da UE. Sendo assim, as economias catalã e portuguesa têm o potencial para se adaptar às grandes transformações que estamos a viver. Tenho a certeza de que as relações comerciais entre ambos os territórios serão ainda mais fortes. Para o bem de todos os cidadãos.

 

Qual é o investimento direto de empresários e empresas da Catalunha em Portugal?

Desde 2018 as empresas catalãs investiram 204 milhões de euros em Portugal. Um número significativo, embora a Catalunha seja o território da Península mais afastado fisicamente de Portugal. Por sectores, as empresas da Catalunha investiram em Portugal sobretudo em serviços financeiros, tratamento de resíduos, indústria agroalimentar e programação.

 

Quais as principais empresas portuguesas instaladas na Catalunha?

Segundo os dados que temos, há 158 filiais portuguesas na Catalunha, de 137 empresas. Algumas das empresas mais destacadas são: a Pansfood, Luís Simões, Inapa, Novo Banco, Trefinos, Complete Entertainment Exchage, e Iberocargo Rail.

 

Crê que há margem para aumentar as relações económicas entre as duas regiões?

Há uns meses, em fevereiro de 2023, o primeiro-ministro António Costa Silva afirmou publicamente que Catalunha e Portugal podiam reforçar as suas ligações porque temos interesses partilhados em energias renováveis, indústria automobilística ou ainda economia azul. Concordo, são setores prioritários para a Catalunha e temos interesses partilhados com Portugal. A Covid, a crise de abastecimento e a vontade de reindustrialização farão com que o comércio de proximidade ganhe relevância e isto reforçará, com certeza, as relações entre ambas as economias.

 

Que trouxe a Portugal para dar a conhecer aos responsáveis políticos com que se encontrou?

A Catalunha tem muito que aprender com Portugal. O país está a ter resultados destacados em setores nos quais partilhamos interesse, como o desenvolvimento das energias renováveis ou a eletrificação de veículos. Tenho a certeza de que os elementos de desenvolvimento económico e social da Catalunha podem interessar também a Portugal. Também quero destacar a reunião que mantive com o Professor Mário Centeno, Governador do Banco de Portugal. Trabalhei ao longo de 10 anos no Banco Central Europeu e gostei de confirmar que a consolidação fiscal europeia tem de ser feita com uma especial atenção para o investimento verde. Considero que sem um tratamento diferenciado, arriscamos que o investimento público não possa fazer frente às necessidades que temos, quer no combate à crise climática quer na descarbonização das nossas economias, com o objetivo de as tornar mais competitivas.