O Tribunal de Contas (TdC) emitiu esta terça-feira o seu parecer à Conta Geral do Estado (CGE) de 2022, salientando os recorrentes problemas no reporte das empresas públicas que dificultam este exercício. O organismo deteta incongruências significativas na contabilização da receita fiscal, do balanço da Segurança Social e no reporte da execução dos fundos europeus, alertando para os efeitos negativos que tal tem na transparência do processo legislativo, e lembra recomendações antigas ainda na gaveta.
O parecer do TdC foi entregue à Assembleia da República ontem, contendo 57 recomendações e lembrando que, das formuladas em anos anteriores, apenas três estão já implementadas. Como se começa a tornar costume, o reporte desadequado é o principal motivo de preocupação do TdC, que alerta para a dificuldade em tecer considerações robustas e relevantes perante informação incompleta e fragmentada.
Seis entidades da Administração Central (AC) não estão incluídas neste balanço, mas os problemas são mais profundos: por um lado, a Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) continua largamente por implementar, tendo sido executados apenas 2% dos 122 milhões orçamentados para esta reforma; este falhanço resulta num “reporte da despesa por programa orçamental na Conta de 2022 baseado numa mera distribuição orgânica sem valor acrescentado”.
De salientar que, apesar de ter sido iniciada há oito anos, a reforma continua largamente por implementar, com apenas um quarto das entidades a reportarem de acordo com o SNC-AP.
Por outro, dimensões relevantes da política orçamental continuam com reporte desadequado, sobretudo os fundos europeus e a descentralização. Além dos atrasos nestas agendas, há “insuficiências nos registos contabilísticos e diferentes práticas, entre organismos beneficiários da administração central e da segurança social, de contabilização do recebimento e da utilização dos fundos com origem no PRR”.
A fraca execução da ‘bazuca’ europeia salta à vista: não chegando a 20% da média dos restantes Estados-membros, este instrumento arrisca perder o impacto transformador pretendido.
“Esgotados que estão dois anos do período de execução do PRR, que deve ser integralmente cumprido até 2026, verifica-se que o nível de execução orçamental apurado nos beneficiários diretos e finais do PRR, até 31 de dezembro de 2022, é de apenas 19% do valor estimado no cronograma de execução financeira para o período em questão”, lê-se no documento.
Ainda do lado da AC, o TdC chama a atenção para uma subavaliação da receita fiscal em 754 milhões de euros, fruto de registos contabilísticos inapropriados. Em concreto, 611 milhões de euros no IRS relativos à medida de apoio extraordinário às famílias foram indevidamente contabilizados como reembolsos, quando na realidade foram despesa fiscal, tal como 143 milhões relativos a encargos de liquidação e cobrança da Autoridade Tributária e Aduaneira.
“Acresce que parte destes encargos (119 milhões de euros) estão sobreavaliados, por terem sido apurados com base no total da receita fiscal de IRC, IRS e IVA, ao invés de, tal como determina a lei, uma estimativa para as receitas resultantes da atividade com ações de inspeção e fiscalização”, completa o relatório.
Destaque ainda para a falta de contabilização de um terço dos benefícios fiscais existentes, o que dificulta uma avaliação completa da qualidade da despesa fiscal. Do lado do IRS, 67,2% da despesa, ou seja, 1.360 milhões de euros, são relativos ao regime dos residentes não-habituais, refere o documento do TdC.
Nota ainda para uma questão antiga que os empresários nacionais frequentemente apontam ao Estado como uma fonte de fragilidade adicional para o tecido produtivo português: os recorrentes atrasos no pagamento a fornecedores. Reconhecendo um recuo de 72 milhões em relação ao ano passado nesta rubrica, os pagamentos em atraso há mais de 90 dias registaram uma média mensal de 547 milhões de euros no mês em análise.
Recorde-se que a Comissão Europeia tem vindo a apertar as exigências para prazos máximos de 30 dias desde o pagamento das encomendas, algo que levou já o Estado português a tribunal nas instâncias europeias.
Do lado da Segurança Social, o caso não é muito melhor. Para o TdC, “o balanço consolidado não traduz a verdadeira posição financeira da Segurança Social”, isto porque “o sistema de informação financeira da segurança social [continua a] não integrar as operações contabilísticas do Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social e do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social”.
Os principais erros apontados residem na subvalorização dos passivos e da dívida de contribuintes, uma sobrevalorização da dívida de clientes, uma inconsistência de 101 milhões de euros da dívida de prestações sociais a repor e fragilidades no controlo e contabilização dos bens imóveis e móveis. Mais, numa altura em que a habitação é um dos tópicos quentes da discussão civil e a falta de oferta é um dos motivos mais apontados para o disparo nas rendas e nos preços das casas, quase 14% do património da Segurança Social está devoluto.
Continua a faltar um novo sistema de informação, “atualmente enquadrado no PRR” e que deveria ter ficado concluído em 2021, ao passo que nas operações do ano passado é “de relevar omissões e inconsistências de 78 milhões de euros entre a informação do Relatório da Conta e a registada pelas entidades na execução orçamental”.