"No comedor, sete patuscos, com caras diferentes: um pequenino, dentista, com ‘su señora’, que diz da administração espanhola as infâmias mais tranquilas […]. Um oficial do exército apoia as torpezas do outro – em roda aplaudem, o oficial a respeito da guerra de Cuba, refere, por seu turno, outras inverosímeis roubalheiras, incompetências dos generais, a valentia imprudente e despreziva dos americanos, a sua riqueza, as suas armas, a sua certeza do triunfo […]. O apetite fora-se-me; levantei-me da mesa com uma vontade de correr toda aquela canalha a pontapés.”
Fialho de Almeida ordenou a destruição, à data da morte, de todos os seus escritos que não estivessem prontos para publicação. Contudo, Xavier Vieira, seu grande amigo e testamenteiro, manteve os 14 cadernos manuscritos em que o escritor registara as suas impressões de uma viagem que fez à Galiza, a segunda, em 1905.
Alentejano de Vila de Frades, no concelho da Vidigueira, Fialho de Almeida nasceu em 1857. Médico de formação, dedicou a vida à escrita e tornou-se um dos nomes grandes da nossa literatura, nomeadamente enquanto contista (“Contos”, de 1881, “A Cidade do Vício”, de 1882, “Lisboa Galante”, de 1890, “O País das Uvas”, de 1893 e “Madona do Campo Santo”, de 1896) e ‘panfletário’, ‘título’ que obteve graças a “Os Gatos”, crónica mensal da vida portuguesa (que pouco depois se tornaria semanal), mordaz e combativa, publicada entre 1889 e 1894.
Inspirada, muito provavelmente nos ambientes intelectuais e boémios que frequentava em Lisboa, a crónica vivia do estilo satírico em que era exímio e que teve grande sucesso, sobretudo quando se viviam tempos de maior agitação sócio-política (por exemplo, com o Ultimato britânico de 1890, que pôs fim às pretensões portuguesas em África, acelerou o fim da monarquia e viria a dar-nos o actual hino nacional).
Quando casou, em 1893, com uma abastada proprietária rural alentejana, foi viver para a vila de Cuba, pelo que, longe das suas fontes de inspiração, a sua produção literária diminuiu consideravelmente. Com a morte prematura da mulher, retoma os hábitos antigos e viaja pelo estrangeiro; não só Espanha, também França, Suíça, Alemanha e Países Baixos.
Raul Brandão – que o comparou a Camilo Castelo Branco –, Teixeira de Pascoaes ou Mário Cesariny reconhecer-se-iam credores de Fialho de Almeida, e Fernando Pessoa convocou-o para o “Livro do Desassossego”.
“Cadernos de Viagem – Galiza, 1905”, com introdução e notas de Lourdes Carita, é uma edição conjunta da Colibri e da Associação Cultural Fialho de Almeida.