O Business Council for Sustainable Development (BCSD) Portugal é um conselho empresarial, uma associação que agrega e representa mais de 200 empresas e grupos empresariais de referência, como a Delta, a EDP, a Brisa, a CGD, a Navigator ou a Sonae, que têm em comum um compromisso ativo para com as práticas ambientais, de sustentabilidade e de governança (ESG, na sigla em inglês).
Integra o World Business Council for Sustainable Development, a maior organização internacional empresarial a trabalhar a área do desenvolvimento sustentável, e desenvolve a sua atividade promovendo a colaboração entre as empresas na procura e partilha de soluções, mecanismos e ferramentas, mas também forma e evangeliza.
Filipa Pantaleão é secretária-geral do BCSD e lidera a equipa operacional. Nesta entrevista ao Jornal Económico aborda as alterações que têm sido feitas ao desenvolvimento de práticas sustentáveis, os riscos e as perspetivas de evolução, que vê como um caminho sem retorno, porque se trata da competitividade das empresas, empurrada por compromissos, mas principalmente por investidores, consumidores e pelo talento que querem captar. Mesmo que o desafio seja “enorme” para as empresas, incluindo as pequenas e médias empresas (PME) apanhadas na rede de obrigações das grandes organizações, e que seja necessário abordar uma “avalancha” regulatória. “Sustentabilidade e competitividade são inseparáveis”, avisa.
Temos assistido a alguma contestação às políticas e à regulamentação ESG, a nível internacional. Devemos recear um retrocesso?
Acreditamos e defendemos que o que a Comissão Europeia está a fazer não é um retrocesso, mas antes uma reconfiguração da forma como a estratégia deve ser implementada nas empresas e da definição de prioridades. É importante não confundir revisão com recuo. A contestação pode até ser saudável se levar a uma maior exigência, clareza e foco no impacto real das práticas ESG. O essencial é manter a ambição e o alinhamento com os compromissos globais de sustentabilidade, garantindo que as empresas operam num quadro previsível, transparente e assente em ciência.
A sustentabilidade não é uma moda, é uma condição de competitividade para as empresas - algo que defendemos desde o início do BCSD Portugal. A regulação europeia foi uma necessidade para tornar isso real.
Portugal está imune a esta polarização ou começamos a sentir aqui sinais semelhantes?
Certamente que Portugal não está imune [à polarização].
A nível nacional, temos assistido a uma adoção crescente de práticas ESG por parte das empresas, ainda que não à velocidade e alcance desejados. É essencial continuar a promover uma narrativa construtiva, que demonstre o valor económico e social da sustentabilidade, exatamente para precaver polarizações.
Acreditamos e ajudamos a construir pontes para melhores negócios em todas as frentes – ambiental, social e económica.
O foco deve estar nos resultados — seja na mitigação de riscos, na inovação, ou no acesso a financiamento e mercados.
O BCSD Portugal tem trabalhado precisamente nesse sentido: demonstrar que sustentabilidade e competitividade são inseparáveis.
Há o risco de as práticas ESG se tornarem uma simples exigência burocrática? Como se pode garantir que o foco continua a ser o impacto e a transformação real?
Na nossa opinião, foi exatamente esse problema que a Comissão Europeia quis corrigir. A regulamentação é necessária, mas não deve ser um fim em si mesma. O desafio está em ir além do compliance — usar os critérios ESG como bússola estratégica, integrada na tomada de decisão.
No BCSD Portugal, temos insistido que o ESG tem de ser um instrumento de gestão, com indicadores de progresso e impacto material.
A verdadeira transformação acontece quando os conselhos de administração colocam a sustentabilidade no centro da estratégia de negócio porque é um fator de competitividade.
O ‘greenwashing’ continua a ser uma preocupação séria. Que mecanismos existem — ou deveriam existir — para garantir que as empresas não se fiquem apenas pelo marketing ou pela imagem?
O greenwashing (e outros “washings”) prejudica a confiança, e sem confiança, não há mercados sustentáveis.
A nova regulamentação europeia, como a CSRD [Diretiva de Reporte Corporativo de Sustentabilidade], a Taxonomia e a CSDDD [Diretiva relativa ao Dever de Diligência das Empresas], já comtempla critérios mais claros e exigentes, que vão dificultar práticas de comunicação sem substância. Além disso, a pressão dos investidores, consumidores e do talento tem aumentado. Mas é fundamental reforçar a capacitação, a verificação independente e a comparabilidade dos dados.
A transparência deve ser acompanhada de responsabilidade e o maior escrutínio vem da enorme exposição que as empresas e marcas têm nos dias que correm.
Referiu a CSRD, as empresas portuguesas estão preparadas para cumprir esta diretiva europeia de reporte de sustentabilidade?
A resposta é muito difícil porque as empresas que estão (ou estavam) obrigadas ao cumprimento da CSRD (essencialmente as grandes empresas), já deram passos significativos nesse sentido e não nos têm dito que vão voltar atrás, mesmo com o adiamento dos prazos. No entanto, o desafio é enorme e transversal, porque “apanha” as empresas médias e pequenas, sobretudo em termos de dados, governança e reporte integrado.
No BCSD Portugal, temos trabalhado com os nossos membros na interpretação e operacionalização do reporte voluntário para PME — e temos como principal objetivo transmitir a mensagem de que, mais do que uma obrigação, este novo quadro pode ser uma oportunidade para rever processos, alinhar prioridades e criar valor.
Há clareza suficiente nas políticas e regulamentos para apoiar as empresas nesta transformação, ou o excesso de complexidade ainda é um entrave?
Temos assistido a uma avalanche regulatória, nem sempre acompanhada da devida clareza ou coordenação. É natural que as empresas sintam alguma dificuldade em acompanhar o ritmo e a complexidade. Por isso, é essencial investir em simplificação, harmonização e apoio técnico.
No BCSD Portugal, temos ajudando as empresas nesse processo, dando foco à competitividade e à inovação porque são o mote da sustentabilidade.
A sustentabilidade exige regras — mas exige também clareza, previsibilidade e proporcionalidade.