Confrontada com as suspeitas de fraude e corrupção na compra de serviços informáticos através de fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que culminou com a detenção de seis pessoas, a Estrutura de Missão Recuperar Portugal sinalizou no Parlamento que "há muitos processos sob investigação e que estão sob sigilo". Presentes na comissão de Economia e Coesão Territorial, o presidente da Estrutura de Missão, Fernando Alfaiate, adiantou que a entidade que lidera colabora "sempre", reportando às várias autoridades "informação para que este trabalho seja feito e ainda bem que se faz".
"Estamos sempre dispostos a ceder essa informação do ponto de vista dos canais e dos protocolos que temos com as entidades, não só com a Procuradoria Europeia, mas também com o Departamento de Ação Penal e a Procuradoria-Geral da República (PGR)". "Toda a informação que nos pedem e que nos suscita dúvidas, nós encaminhamos", garantiu Fernando Alfaiate.
O vice-presidente da estrutura, que acompanha a execução do PRR, completou que a Estrutura de Missão Recuperar Portugal tem "ligações diretas" com as autoridades citadas, com quem vão partilhando informação. "Há muita informação a circular. Há muitos processos que estão em curso sob investigação e que estão sujeitos a sigilo, nós acompanhamos e vamos, naturalmente, na medida daquilo que são as nossas responsabilidades, colaborando com as autoridades", disse Mário Tavares da Silva, notando que, no caso concreto da operação Nexus, em causa estão "beneficiários finais".
A Polícia Judiciária (PJ) adiantou esta terça-feira que deteve seis pessoas suspeitas dos crimes de fraude na obtenção de subsídio, corrupção ativa e passiva no setor privado, participação económica em negócio, recebimento indevido de vantagem, falsificação de documento e abuso de poder. Em causa estão dois inquéritos, um na titularidade do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional do Porto e outro da Procuradoria Europeia, que levaram para o terreno mais de 300 inspetores numa operação no âmbito da criminalidade económico-financeira, que a PJ apelidou de 'Nexus'.
Universidade do Porto, INEM e Banco de Portugal alvo de buscas
A investigação incide sobre um alegado esquema de combinação de preços, por parte de empresas informáticas, de que terão sido vítimas várias entidades públicas, entre as quais a Universidade do Porto, um dos vários alvos das buscas desencadeadas pela judiciária.
No comunicado enviado às redações ao final da manhã, a PJ refere que foram efetuadas 103 buscas domiciliárias e não domiciliárias, em várias zonas do território nacional, em empresas privadas, designadamente de fornecimento e de comercialização de hardware e software informático, bem como em pessoas coletivas públicas, em instituições de ensino secundário e superior público, em concessionárias de serviços públicos, em empresas de capitais exclusivamente públicos, em unidades de saúde, numa fundação de utilidade pública e numa agência de viagens. O INEM, conforme noticiado e confirmado pelo Jornal Económico, foi um dos muitos locais onde a PJ marcou presença durante a manhã desta terça-feira no âmbito desta investigação. A Universidade de Coimbra, a Casa da Música e o Banco de Portugal também terão sido alvo de buscas.
Os seis detidos são um membro da administração e três funcionários da empresa tecnológica, além de um funcionário de uma empresa concessionária e um funcionário público.
De acordo com a PJ, a investigação teve a sua origem em denúncias de "graves irregularidades em procedimentos aquisitivos públicos de material informático e de cibersegurança", por parte de uma instituição de ensino superior público do Norte, no âmbito de projetos financiados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e "centrou-se na atividade de um grupo empresarial nacional que se dedica à importação, exportação, promoção e comercialização de hardware e software informático". Segundo o Expresso, a empresa DecUnify conluiu-se alegadamente com outras para viciar o procedimento de contratação pública, simulando uma concorrência justa e saudável.
Numa pesquisa no portal Base, é possível verificar o longo historial de contratos da DecUnify com entidades públicas, desde universidades, INEM, hospitais e Banco de Portugal, entre outras. Um dos mais recentes é um contrato com a Universidade do Porto, através de fundos do PRR, com um valor contratual superior a meio milhão de euros (560.984,00). O objeto principal, lê-se no contrato, foi a “aquisição, instalação, configuração e ligação à rede existente (incluindo todos os acessórios e fichas, calhas técnicas e terminais de ligação) de equipamento audiovisual no âmbito de diversos projetos da Universidade do Porto, resultante do procedimento de contratação de Concurso Público Internacional”.
As diligências realizadas pela PJ, detalha o comunicado, "revelaram a existência de um esquema criminoso, de caráter organizado e sistémico, para obtenção ilegal de informação privilegiada em procedimentos de contratação pública e privada, através da entrega de vantagens patrimoniais e não patrimoniais a funcionários das entidades contratantes, em subversão das regras da transparência, igualdade e concorrência do mercado e da boa aplicação de fundos públicos, garantindo adjudicações no valor de, pelo menos, 20 milhões de euros".
A Judiciária acredita que no esquema "participariam ainda os produtores/importadores dos produtos e soluções informáticas, com significativo peso no mercado, potenciando as margens de lucro em toda a cadeia de fornecimento".
A PJ detalha que a operação contou com a colaboração de diversas unidades da PJ e "reuniu, pela primeira vez em território nacional, a Procuradoria Europeia e as autoridades do Ministério Público nacionais, através do DIAP Regional do Porto, no âmbito de investigações conexas". Participaram na operação um magistrado judicial, um magistrado do DIAP Regional do Porto, cerca de 300 investigadores criminais das Diretorias do Norte, do Centro e de Lisboa e Vale do Tejo, Unidade Nacional de Combate à Corrupção, Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime, Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo e Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes, Departamentos de Investigação Criminal de Vila Real, Braga, Aveiro e Évora, bem como peritos informáticos, peritos financeiros e seguranças das estruturas da Polícia Judiciária.
Envolvidos estiveram também elementos do Gabinete de Recuperação de Ativos - Norte da PJ, que executou arrestos no valor de 4,6 milhões de euros, acrescenta a autoridade no comunicado.
Os seis detidos vão ser presentes às competentes autoridades judiciárias no Tribunal de Instrução Criminal do Porto, para o primeiro interrogatório judicial e aplicação das medidas de coação.