A Autoridade Tributária só conseguiu recuperar 66 milhões de euros dos 839 milhões de euros que a Comissão Europeia identificou como sendo apoios ilegais a empresas instaladas no Centro Internacional de Negócios (CINM) da Madeira, ou Zona Franca (que engloba Serviços Internacionais, Zona Franca Industrial e Registo Internacional de Navios), de acordo com um relatório do Tribunal de Contas (TdC).
A professora de Direito Fiscal na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Sócia do Departamento Fiscal da Ana Bruno e Associados, Sónia Reis, em declarações ao Jornal Económico, considera que um dos motivos que pode justificar a baixa recuperação dos valores em dívida pode ser pelo facto dos critérios para usufruir do benefício fiscal, nomeadamente no que concerne aos requisitos para a criação dos postos de trabalho, "serem bastante amplos".
Sónia Reis sublinha que em outros casos, podem também estar em causa benefícios fiscais "em que já tenha expirado o prazo de caducidade" para que a Autoridade Tributária possa notificar o contribuinte para o cumprimento de obrigações fiscais.
Questionada sobre que mecanismos é que a Autoridade Tributária pode dispor para ter uma recuperação mais eficaz em processos desse género, Sónia Reis considera que a forma mais eficaz é através da realização de um "maior número de inspeções fiscais, verificando se se encontram ou não preenchidos os requisitos legalmente exigidos" para que as empresas possam beneficiar dos auxílios de Estado.
"Note-se porém que, neste caso, a Autoridade Tributária só agiu após o Estado Português ter sido demandado a recuperar valores tidos como concedidos indevidamente na sequência da decisão da Comissão Europeia, que considerou terem sido concedidos ilegalmente auxílios em sede do Regime III da Zona Franca da Madeira", explica a docente.
Os 839 milhões de euros que a Autoridade Tributária (entidade designada pela Comissão Europeia para recuperação dos auxílios) tem a missão de recuperar, como indica um relatório do TdC, são relativos a 302 contribuintes e 1.013 liquidações, para um período temporal que abrange os anos de 2009 a 2022.
Desse total nove milhões de euros foram considerados não recuperáveis e correspondem a 83 liquidações, salienta o TdC.
"Das restantes 930 liquidações: 177 ainda estão por emitir (273 milhões de euros), 44 aguardam processamento e notificação do contribuinte (32 milhões de euros) e das 709 já liquidadas e em que o contribuinte já foi notificado, de um valor estimado de montante a recuperar de 525 milhões de euros, foram emitidas liquidações no valor de 515 milhões de euros. Relativamente a estas liquidações, os contribuintes procederam ao pagamento de 66 milhões de euros e até 29 de maio de 2024 a Autoridade Tributária já procedeu à emissão de 492 certidões de dívidas relativas a liquidações não pagas", explica o TdC.
Investigação da Comissão Europeia concluiu terem existido auxílios ilegais
Todo este processo, que envolve a Zona Franca foi despoletado por uma investigação da Comissão Europeia, de 2020, que determinou terem existido auxílios ilegais a empresas instaladas na Zona Franca da Madeira, ao abrigo do regime III do CINM.
O Tribunal de Justiça Europeu, rejeitou, em julho deste ano, o recurso apresentado pelo Estado português, relativo à conclusões da Comissão Europeia sobre os apoios concedidos a empresas instaladas na Zona Franca. Em setembro de 2022 foi também rejeitado, pelo Tribunal Geral da União Europeia, o recurso que Portugal apresentou sobre a decisão da Comissão Europeia.
A Autoridade Tributária foi a entidade mandatada para recuperar os auxílios considerados ilegais pelas instâncias europeias.
Regime III previa taxas de IRC entre 3% e 5%
O regime III da Zona Franca, o regime que foi investigado pela Comissão Europeia, abrangeu as entidades licenciadas a partir de 1 de janeiro de 2007 e até 31 de dezembro de 2013, para o exercício de atividades industriais, comerciais, de transportes marítimos e serviços de natureza não financeira.
Este regime definia a tributação em IRC a 3% (empresas licenciadas entre 2007 a 2009), valor que subia para 4% para empresas licenciadas entre 2010 a 2012, e para os 5% para as empresas licenciadas a partir de 2013. Este regime produzia efeitos até 2020.