Há um partido vencedor, o PS da Catalunha (PSC), mas não há uma maioria. Os socialistas vão formar governo?
Só se a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) lhe der o seu suporte – que aliás presta, no governo da monarquia, ao PSOE de Pedro Sánchez. Mas isso pode não ser suficiente. Para todos os efeitos, a ERC foi uma das grandes derrotadas das eleições da autonomia: perdeu 13 deputados, não indo agora além dos 20. Mesmo assim, “a ERC é neste momento o partido mais poderoso da autonomia, uma vez que pode escolher com vai formar o próximo governo”, refere ao JE o analista (especialista em política espanhola) Diogo Noivo. Nas mãos da ERC está a possibilidade de o PSC (juntamente com o Comuns, uma associação Sumar e Podemos que também apoia Sánchez) formar governo. Seja votando favoravelmente uma proposta de governo do PSC, seja abstendo-se. Se votar a favor, serão 42 lugares do PSC, seis do Comuns e 20 da ERC (dá 68 votos, precisamente o mínimo indispensável). Se a ERC se abstiver, retira 20 votos à oposição, o que serve para o mesmo fim.
É seguro que a ERC apoiará uma iniciativa do PSC?
Nem de perto: é apenas uma possibilidade. Que, segundo Diogo Noivo, talvez nem seja a mais provável. É preciso lembrar que a ERC vai mudar de liderança: Pere Aragonès está de saída depois da derrota e terá de ser substituído. Quem vier a seguir tem uma leitura difícil para fazer: o pragmatismo da ERC (que levou o partido a preferir o diálogo em vez do confronto com o poder central a propósito de ‘independências’) saiu derrotado face à irredutibilidade do Junts per Catalunya (de Carles Puigdemont), que preferiu sempre o confronto ao pragmatismo (o partido tem agora 35 deputados, mais três que anteriormente). O próximo líder da ERC pode preferir regressas ao independentismo duro e deixar o pragmatismo político para outra altura. Puigdemont já ‘acenou’ com a possibilidade de os dois partidos debaterem em conjunto uma saída para a Catalunha.
Seria fácil ERC e Junts entenderem-se?
Não. Em primeiro lugar, porque o primeiro é de direita e o segundo é de esquerda; o independentismo é a única coisa que os une. Num governo comum, todas as outras matérias, ou quase todas, haveriam de os separar. Por outro lado, desta vez as eleições ditaram uma derrota dos independentistas.
Os independentistas foram derrotados?
Sim. Desde o fim do franquismo e do regresso de eleições livres, só no escrutínio de 1980 o bloco independentista não conseguiu a maioria dos deputados. Pois bem, aconteceu outra vez no domingo passado: os independentistas somam apenas 61 lugares. Ou seja, Junts e ERC (mais a Candidatura d'Unitat Popular, CUP, que elegeu quatro deputados, menos cinco que em 2021) não conseguem formar governo recorrendo apenas a si próprios.
Que poderá fazer o Partido Popular?
Na prática, nada, apesar de ser um dos grandes vencedores das eleições: passou de três para 15 deputados. O problema é que o PP não tem margem para apoiar os independentistas – em princípio, o líder nacional, Nuñes Feijóo, nunca o fará, apesar de a soma dos seus deputados com os da ERC mais o Junts ser suficiente para formar governo. Portanto, há aqui outra possibilidade: se o PP aceitar abster-se face a uma proposta de governo ERC-Junts.
Quando haverá uma decisão sobre um novo governo?
Para Diogo Noivo, “isso não deverá acontecer nunca antes das eleições para o Parlamento Europeu, em junho”. Pedro Sánchez tem todo o interesse em arrastar uma decisão para depois das eleições, dado que poderá sempre apresentar os resultados da Catalunha como uma vitória pessoal e um sinal de que a agenda do seu governo está a ser aceite. Já não o poderá fazer se o PSC não conseguir formar governo e tiver que ceder passagem a uma ‘geringonça’.
Os ‘nacionalistas’ ganharam aos independentistas. E como está o balaço direita-esquerda na Catalunha?
Observando-se os resultados por essa ótica, a Catalunha continua a ser de esquerda: PSC, ERC, Comuns e CUP ainda asseguram mais de 68 lugares.