No mundo dos negócios, os riscos relacionados com a regulação listam-se entre as principais preocupações para os gestores, que se deparam com um clima de "incerteza regulatória", observa Nuno Arruda, head of Portugal da WTW, em entrevista ao Jornal Económico (JE).
"O risco regulatório existe essencialmente decorrente das pressões e das obrigações, mas também da incerteza regulatória. Como é que a regulação vai evoluir? Eu diria que nós, na Europa, vivemos numa sanha regulatória. Às vezes ainda os problemas não surgem e nós já andamos a criar regulações para eles. Isto cria um nível de insegurança e de incerteza para os gestores", alertou o responsável, à margem de um debate organizado pela consultora de risco e corretora de seguros.
Sobre este tipo de risco, o diretor da WTW contextualiza a sua importância num "mundo cada vez mais globalizado", associando-o "à capacidade de estar em compliance com diferentes regulações em sectores que estão a passar por alterações profundas e muito importantes na sua forma de estar, como as áreas da energia e da banca".
Nas palavras de Nuno Arruda, olhando para a "Europa como um bloco", é possível reconhecer "uma vontade de regular tudo e mais qualquer coisa". "Não digo que não tenha de haver regulação. Acho é que devíamos ser um bocadinho mais proativos em fomentar crescimento e justiça social do que regulação, só pelo bem da regulação em si mesma", defendeu.
"O mundo está a viver uma transformação que, se calhar, desde a Revolução Industrial, não acontecia", continuou, apontando para os aspetos social e geracional. "Acho que nós temos hoje um generation gap como já não assistimos há muitos anos sob o ponto de vista dos valores, das preocupações, dos objetivos. Isso, em si mesmo, é um risco para as organizações, que têm de saber gerir e reter talento. Hoje é muito diferente [reter talento] do que há dez anos".
Ainda no capítulo da idade e diferenças geracionais, Nuno Arruda afirma que a própria gestão do "idadismo é um risco". "Gerir o envelhecimento da população em determinados países é um risco. A falta de educação financeira é um risco". Portanto, hoje as empresas e a sociedade têm que saber lidar com um conjunto de riscos de grande dimensão, sustenta.
Na empresa há mais de 20 anos, o presidente da WTW Portugal considera que, atualmente, "os riscos se intersecionam muito mais do que no passado".
Do risco regulatório para o geopolítico, passando pelo fiscal, idadismo, cibersegurança, alterações climáticas, Nuno Arruda defende que "as empresas e a sociedade têm de aprender a não gerir de forma leviana aquele que é um conjunto de riscos muito grande".
No campo da geopolítica, aludindo às dezenas de plebiscitos esperadas para 2024, como a dos Estados Unidos, em novembro, e à guerra no Médio Oriente e na Ucrânia, o mesmo responsável alerta para o grande "impacto a nível global" em termos de riscos geopolíticos, seja através de impactos diretos ou indiretos", do ponto de vista financeiro, por exemplo, ou com a disrupção de cadeias de fornecimento.
Num inquérito recente da WTW, ficou demonstrado que "uma das questões que, curiosamente, preocupa os gestores tem a ver com a segurança a vários níveis; não só a segurança física", realçou durante a conversa com o JE. "Estamos a viver o rescaldo de uma pandemia, ainda é uma questão para as pessoas. Vemos um novo paradigma de trabalho também. Isto tem um impacto nos riscos", acrescentou.
Quanto ao incontornável tema da cibersegurança, Nuno Arruda classifica-o como "um risco que veio para ficar". Hoje em dia "são poucas as atividades que não estão dependentes de sistemas informáticos. E a paralisação decorrente de um sistema informático pode ter um impacto brutal numa organização. Isto não vai andar para trás. Portanto, nunca deixará de ser uma preocupação dos clientes. Acho que vamos inevitavelmente ter que normalizar esse risco como mais um da nossa matriz de riscos das organizações, porque é inevitável", analisou.
Passando à corrupção, um dos riscos mais mencionados no "Inquérito sobre Responsabilidade de Administradores e Diretores (D&O) 2023/2024" da WTW, Nuno Arruda refere que os dados mostram que a perceção sobre esta ameaça é muito elevada em Portugal.
"É curioso ver que o risco de corrupção é percebido como um risco muito mais alto em Portugal do que noutros países onde fizemos o inquérito. Porque de facto, existe esta perceção", afirmou, recordando a transmissão de notícias televisivas sobre "escândalos e eventos ligado à corrupção e Governo nos últimos dois, três, quatro, dez anos".
Além disso, acrescentou, "há uma pressão social cada vez cada vez maior sobre essa matéria". "Para os gestores, conseguir controlar o risco de corrupção direta ou indireta dentro das suas organizações é algo muito importante", afirmou o diretor da WTW em Portugal, interligando esta matéria à "questão regulatória", dado que o "risco regulatório existe essencialmente decorrente das pressões e das obrigações, mas também da incerteza regulatória".
Sobre Portugal, entende que o "tecido empresarial português está a evoluir positivamente para uma maior profissionalização", dando, consequentemente, "uma maior atenção aos aspetos de risco".
Sem deixar de passar pela incontornável questão da inteligência artificial (IA) nas organizações, Nuno Arruda interliga utilização da tecnologia e incerteza. "A utilização da consciência artificial pressupõe, a todos os níveis, muita incerteza. Não sabemos até onde é que a IA vai evoluir, a que velocidade. Sabemos que vai ter no trabalho, por exemplo, na forma como trabalhamos, na forma como entregamos valor aos nossos clientes".
Sobre a aposta em sistemas baseados em IA, Nuno Arruda revela que a empresa adota uma postura de cautela neste domínio. "Somos muito cuidadosos na implementação de novos sistemas e nós somos uma empresa com muitos sistemas de cálculo, de quantificação, de trabalhos repetitivos. Mas temos sempre muito cuidado na forma como implementamos essas medidas. Não se foge de maneira nenhuma. Temos é que olhar para ela como um meio e não como um fim".
"Por defeito, não gostamos de riscos que desconhecemos", atirou. "E há aqui riscos que nós desconhecemos todos. Acho que é uma discussão que vai perdurar e para a qual devemos estar muito atentos. Mas é evidente que vai ser um impacto que poderá ser muito positivo e já está a ser positivo nas organizações".
Negócio da WTW em Portugal
A faturação da WTW em Portugal cresceu cerca de 15% no ano passado, no conjunto das três empresas que integram o grupo, com a indústria a representar cerca de 23% das receitas.
"Os sectores mais representativos da nossa carteira de clientes são a indústria que representa cerca de 23% das nossas receitas, serviços e energia que representam cerca de 14% cada", salientou.
Em Portugal, a WTW trabalha apenas "com empresas do segmento corporate, com uma representação de 60% do PSI", destacou Nuno Arruda. Além da gestão de risco, a área de pensões tem um peso importante para o grupo em Portugal.
A retenção de clientes é uma das prioridades do grupo, com uma taxa "acima dos 96%". "Somos uma empresa que investe muito na retenção dos clientes. O custo de aquisição de um cliente na nossa área é alto".
Empresas, gestores e riscos
De acordo com o "Inquérito sobre Responsabilidade de Administradores e Diretores (D&O) 2023/2024" da WTW, 93% dos inquiridos em Portugal consideram que os riscos associados a suborno e corrupção é o maior risco das empresas atualmente, seguido da perda de dados (91%) e de ataques informáticos (91%), que incluem a extorsão digital, em resposta à questão sobre quais as ameaças às operações empresariais "muito" ou "extremamente" significativas. Olhando para as respostas a nível europeu, o cenário é outro. Os ciberataques e a extorsão digital encabeçam as principais ameaças (79%), seguidos da perda de informação (77%) e existência de corrupção (72%).