A aplicação da Inteligência Artificial (IA) revolucionou a forma de trabalhar em vários sectores de atividade. A indústria da moda não escapou a esta tendência. De acordo com o estudo “State of Fashion”, realizado em conjunto pela McKinsey e pela Business of Fashion, os executivos deste sector afirmam que esta tecnologia pode alavancar o seu produto no mercado, nomeadamente em termos de criatividade de design e desenvolvimento de produto.
No próximo ano, 73% dos líderes deste sector planeiam dar prioridade à IA Generativa. No entanto, estimam que podem enfrentar falta de talento para este avanço tecnológico.
É aqui que pode entrar a Fashable. Criada há quatro anos, em Esposende, a empresa portuguesa dedica-se especificamente à aplicação de IA na indústria da moda. Orlando Ribas Fernandes, cofundador e CEO da Fashable, falou com o JE sobre a forma como a empresa pretende revolucionar a forma de ver esta indústria.
Como é que a Fashable nasceu?
Eu tinha uma visão de que a IA no futuro iria ser capaz de criar imagens realistas e partir desta ideia, que expus ao Rui, cofundador da empresa, começamos a criar uma equipa de investigação, com pessoas de doutoramento em IA, estudantes de mestrado e começámos a criar o nosso estado de arte. No início era muito pobre, as imagens eram a preto e branco e com muitos pixels, e depois começámos a criar o nosso próprio modelo de IA que fosse capaz de criar imagens muito realistas e focamo-nos na indústria de fashion.
O que é que a Fashable faz concretamente?
Nós queremos ser reconhecidos como se fossemos a OpenAI para a indústria da moda e de beleza, e não só para o design de moda, mas por outro tipo de produtos. Existe a parte do processo da indústria em que tem a parte do design e à qual nós queremos trazer superpoderes para a equipa de design, para que consigam criar peças realistas muito mais depressa e evitar tempo e desperdício de materiais, e começar a promover online, em que algumas empresas podem começar a vender antes de começar a produzir.
Ao mesmo tempo conseguimos também criar pessoas sintéticas, pessoas que não existem, mas que podem utilizar roupa que é gerada por inteligência artificial, ou mesmo a roupa que eles têm e que não tenham sido vendidos e que eles não podem utilizar imagens antigas dos modelos, por questões de requisitos. Com a nossa tecnologia eles conseguem dar nova vida a peças que não foram vendidas ou peças em segunda mão.
O nosso objetivo, para a fase de criação do design, é depois com um clique tens a mesma roupa em modelos de diversas nacionalidades, diferentes tipos de corpos e em diferentes estilos. Ou seja, com esta primeira fase tudo o que estiver online, por exemplo num site de e-commerce, pode estar lá com recurso à IA mas não existe, depois de o consumidor comprar é que nós fazemos a ligação com as fábricas para que seja produzido. Assim evitamos que haja uma ‘adivinhação’ do número de peças a fazer.
Nós queremos trazer os superpoderes na parte da conceção do produto, na geração de conteúdo para as redes sociais e e-commerce e na parte da indústria, fazer este elo de ligação.
Então a vossa tecnologia pode ser ajudar nas diferentes fases e não só no design?
É na parte do design que temos mais visibilidade e que é mais fácil vender, ou seja, nós ainda não temos a parte da industrialização toda a 100%, temos o primeiro passo, assim como ainda queremos melhorar a parte do design.
Nós agora estamos a trabalhar na parte da cocriação, em que os consumidores podem ir indo interagir com a IA para dizer para mudar as mangas, para mudar os padrões e ser muito mais interactivo e, também a parte da geração de conteúdo, para colocar agora uma pessoa asiática, agora uma pessoa mais alta, etc.
Vocês ainda estão no início, o que é que têm disponibilizado atualmente?
As primeiras já estão disponíveis, no entanto não estão disponíveis para uma tool em que qualquer pessoa chega lá e consiga utilizar, mas isso vai começar a existir já em janeiro.
Nós queremos transformar a tecnologia que nós temos, que conseguimos colocar em estado de arte para uma espécie de ChatGPT, que qualquer pessoa consiga utilizar de forma fácil, intuitiva ainda não chegámos aí, mas já temos trabalhado com clientes a criar e treinar o modelo para eles. Porque aqui uma grande diferença que nós temos é tudo que nós criarmos é para esse cliente. Às vezes já estamos a trabalhar com uma marca, nós treinamos o modelo aliado com o perfil dessa marca e tudo o que seja gerado é para essa marca e nada vai ser utilizado por outros modelos. E com isso nós conseguimos proteger os designers e as empresas de uma forma única, ou seja, nós queremos evitar que haja cópias de um design para outro.
O nosso modelo cria sempre peças originais e depois com a cocriação fica protegido pela marca e o resultado nunca vai ser utilizado para treinar outros modelos.
Como é que os designers têm chegado até vocês?
Tem sido um mix. Nós não temos uma tool aberta, mas como estamos a ser referenciados por várias publicações como Business of Fashion, a McKinsey, entre outras, e depois a Microsoft tem vários artigos em vídeo, tem trazido vários clientes ou potenciais clientes, com os quais nós estamos a começar agora a colaborar.
E tem sido essa a dinâmica, ou seja, nós diretamente, através de parceiros como a Microsoft ou Nvidia, ou são os próprios clientes que nos contactam. E aqui não temos muito a dimensão se são só pequenos clientes ou grandes têm sido uma mistura também, o que é bom porque nós conseguimos resolver problemas das grandes empresas, mas também das pequenas, que têm falta de recursos e aqui o nosso objetivo é trazer superpoderes para as diferentes empresas, sejam elas grandes ou pequenas e é isso o nosso grande objetivo e visão, criar superpoderes nas diferentes fases do desenvolvimento da empresa.
Têm vos dado algum feedback?
Isso dão sempre, atualmente não tem sido muito na qualidade dos resultados, porque são muito realistas é mais na parte, por exemplo, na edição de detalhes que eles querem ir melhorando. E depois nós vamos atualizando nosso roodmap também mediante o feedback desses clientes. Por exemplo, a parte ligação com as fábricas também foi um feedback dos clientes.
Esta pode ser a tecnologia do futuro deste sector?
Disso não tenho dúvidas. Seja a minha tecnologia ou outra.
Ao contrário de outras tecnologias que foram surgindo e nos anos anteriores, como os NFT e como o metaverso, que são componentes bastante interessantes, a IA aqui é totalmente diferente, porque para além de resolver problemas, consegue trazer muitos bons resultados num curto espaço de tempo. Claro que existe um grande investimento inicial, porque treinar este tipo de modelos é caro, mas depois o que eu digo é que tem superpoderes realmente, em vez de ter que esperar, por exemplo, um mês para criar uma coleção, eles conseguem criar num dia a isso, e isso traz uma diferença muito grande. E como eu disse tem um investimento inicial, mas depois com os superpoderes têm um retorno do investimento muito grande e é uma tecnologia que já tem provas, não apenas em termos de tecnologia, mas também de negócio.
Eu li um artigo que em cada euro investido, o retorno é de 3,5 euros, o que já é muito bom, e depois há outro estudo que diz que o custo de não investir em IA num curto espaço de tempo pode significar o fim dessa empresa.
A indústria da moda mexe com muita coisa, mas também é muito lenta e muito conservadora, por isso acreditamos que vai ter de mudar e a IA vai ajudar a puxar por essa mudança, porque se as empresas da indústria de moda não atualizarem, acho que vão ficar pelo caminho.
Qual é o investimento que as empresas têm de fazer para ter acesso à vossa tecnologia?
O investimento depende do use case que querem e do consumo que querem ter.
Nós utilizamos unidade de processamento gráfico (GPU) para treinar os modelos de IA, e a máquina que nós gostamos de utilizar é uma A100, que tem 8GPUs e que custa cerca de 25 mil euros por mês. Podemos consumir muito mais ou muito menos, mas isso é a base para começar a treinar o modelo.
Depois, claro que nós podemos construir em cima disso diferentes modelos de negócio, não é? Um modelo de negócio para marcas em que eles treinam os próprios modelos com o nosso modelo ou treinamos também o modelo que depois nós possamos tornar público e em que seja mais genérico e que muita gente utiliza, mas aí não conseguimos proteger os copyrights.
Mas a base é temos o modelo de IA que temos de treinar neste tipo de máquinas e mediante o use case podemos treinar mais tempo ou menos, ou mais do que um use case e depois tornar público de modo a minimizar o custo para diferentes empresas.
Então vocês vão disponibilizar uma espécie de ChatGPT para que qualquer um consiga fazer os seus designs?
É esse é objetivo. Nós acreditamos muito que no futuro próximo, o consumidor vai começar a cocriar com as próprias marcas. Portanto, imaginar, por exemplo, está a cocriar uma marca que adora, e depois ter essa peça exclusiva para si, e isso é algo que nós acreditamos que irá acontecer no futuro.
Mas antes de ser possível isso, acreditamos que irá existir outro boom, que é a cocriação com influencers, e isso irá trazer o passo seguinte que é o que nós acreditamos que é a cocriação do consumidor com a marca.
Como é que essa cocriação funcionaria?
Com a IA nós temos o perfil da marca, e também conseguimos começar a perceber o estilo da pessoa. Depois a pessoa com a IA diz, por exemplo, quero criar um casaco desta marca de luxo que eu adoro e no fundo tinha um stylist feito de IA daquela marca a trabalhar com a pessoa na sua peça.
Eu acho mesmo que isto vai acontecer, porque nos últimos tempos temos ouvido muito falar da personalização mas a verdade é que nunca fizemos a personalização conforme toda a gente fala e é aí que a IA vai trazer esses poderes para ser personalizado para a pessoa em específico. Mas eu acredito que antes desse passo vai ser o passo com a influencer. Imagine uma influencer de renome fazer essa cocriação com a marca, esse vai ser o primeiro passo, depois vai passar para o consumidor.