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PS defende maior justiça fiscal e apoia imposto mínimo sobre super-ricos

Socialistas recomendam ao Governo que apoie as iniciativas a nível europeu e mundial de criar um imposto mínimo sobre super-ricos defendido pelo Brasil, continuando a liderar em matérias fiscais globais. Adicional de solidariedade faz com que não seja possível criar um novo imposto em Portugal, explica ao JE o deputado do PS Miguel Costa Matos, primeiro subscritor do projeto de resolução que vai ser votado no Parlamento nesta sexta-feira.

O PS quer o Governo a apoiar a criação de um imposto global e europeu sobre as grandes fortunas, tendo apresentado para o efeito um projeto de resolução – à semelhança de Livre e PAN, que deverá ser discutido na Assembleia da República e votado nesta sexta-feira, 27 de setembro. A recomendação socialista não implica alterações fiscais a nível nacional e o Executivo de Montenegro já manifestou abertura, pela voz do ministro dos Negócios Estrangeiros, em apoiar a criação de imposto mínimo global para super-ricos defendida pelo Brasil. Uma medida também apoiada por Espanha, e que, aplicando o modelo espanhol, Portugal poderia arrecadar mais 3.600 milhões de euros em receita fiscal, estima um estudo da Tax Justice Network, isto embora o país tenha já uma taxa adicional de solidariedade para os últimos escalões de IRS.

O PS recorda no projeto de resolução sobre este tema os “níveis elevados de desigualdade de rendimentos e a concentração extrema de riqueza” que minam a democracia e agravam desigualdades, “fomentando assim descontentamentos e populismos”. Como tal, os socialistas urgem o Executivo a manifestar-se favoravelmente, tanto na UE, como na OCDE, e a envolver-se diretamente na negociação de uma convenção fiscal global na ONU.

O primeiro subscritor da proposta, o deputado socialista Miguel Costa Matos, justifica ao JE a recomendação ao Governo com a vontade de manter uma “tradição de Portugal de podermos estar na linha de frente destes progressos”, lembrando a posição nacional em matérias fiscais como o reporte país por país dos lucros das empresas ou o imposto europeu nas transações financeiras.

Assim, o deputado do PS considera “uma excelente notícia” a abertura mostrada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, para apoiar a medida, lembrando que Portugal já “tem estado favorável a esta convenção global da ONU na votação que decorreu em agosto”.

No final de julho, Paulo Rangel afirmou que Portugal está aberto à ideia da presidência brasileira no G20 de criar um imposto global para super-ricos, mas frisou que aguarda contornos mais definidos para a sua operacionalização.

Sendo uma iniciativa global sugerida pelo presidente do Brasil (e que ainda esta quarta-feira voltou a argumentar a seu favor na reunião dos G20), a taxação das grandes fortunas recolheu no imediato algum apoio político internacional, como no caso espanhol. O governo liderado por Pedro Sánchez manifestou-se também favorável à medida, lembrando a necessidade de garantir uma maior redistribuição e equidade social. No caso espanhol, o Governo avançou já com um imposto especial sobre as grandes fortunas, embora em moldes diferentes dos sugeridos pelo presidente Lula da Silva. Em 2022, Madrid introduziu um imposto temporário de solidariedade, a cobrar em 2023 e 2024, visando os contribuintes com património de mais de 3 milhões de euros – o que deve representar os 0,5% da população mais ricos.

No projeto de resolução, os socialistas recordam que os 1% mais ricos do mundo tem mais riqueza do que os 95% mais pobres da população mundial, citando  um estudo publicado esta semana pela Oxfam (um movimento global de pessoas que lutam contra a desigualdade), que antecede o debate anual da ONU. Esta análise revela que mais de um terço das 50 maiores empresas do mundo são geridas por um bilionário (pessoas com rendimentos superiores a mil milhões de dólares) ou têm um bilionário como principal acionista.

“A persistência de níveis elevados de desigualdade de rendimentos e a concentração extrema de riqueza são padrões que afrontam diretamente os princípios da igualdade e da justiça social e que contribuem, por isso, para a corrosão dos pilares fundadores das sociedades democráticas, bem como para a deterioração das expetativas das classes médias e dos jovens, fomentando assim descontentamentos e populismos”, justificam os deputados socialistas no projeto de resolução, cujos primeiros subscritores são Miguel Costa Matos, Carlos Pereira e António Mendonça Mendes.

Os deputados do PS dão conta de que dados da World Inequality Database corroboram que 38% da riqueza mundial está concentrada em apenas 1% da população, sendo que na União Europeia o 1% do topo concentra 25% da riqueza, com padrão idêntico a registar-se em Portugal.

“Tendo em conta que esta é uma realidade à escala global, exige-se também uma resposta consensualizada à escala da União Europeia e global, através da OCDE, para que os resultados possam ser mais satisfatórios”, sustentam, recordando que no final de 2021, chegou-se a um acordo histórico, subscrito por quase 140 países, que assegura o pagamento por parte de grandes multinacionais de um imposto mínimo de 15% sobre os seus lucros, o qual deverá permitir arrecadar uma receita estimada de quase 200 mil milhões euros à escala global.

Adicional de solidariedade trava mudanças nacionais

Segundo um estudo da Tax Justice Network, a aplicação de igual imposto em Portugal arrecadaria mais 3.600 milhões de euros para os cofres nacionais, embora a sugestão tenha sido alvo de bastantes reparos. Em particular, os críticos da proposta lembram que o país tem já a chamada taxa adicional de solidariedade, um imposto que também deveria ser temporário, mas que se tem prolongado desde a sua introdução em 2012.

Para os contribuintes com rendimentos acima de 80 mil euros é aplicada uma taxa adicional de solidariedade de 2,5%, valor que se mantém até aos 249.999 euros. A partir dos 250 mil euros, a taxa de imposto passa para 5%.

“Para Portugal, não me parece qualquer taxa sobre super-ricos tivesse qualquer efeito, porque o universo é vazio”, afirmava ao JE, à altura, Luís Leon, fiscalista e cofundador da ILYA. Já Pedro Ginjeira do Nascimento, secretário-geral da Associação Business Roundtable Portugal (BRP), lembrava que a definição de ‘high net value individual’ (indivíduo de elevado valor líquido), um conceito utilizado pela banca e que considera apenas quem detém pelo menos 30 milhões de euros em património, abrangia apenas 800 pessoas em Portugal, um valor muito distante dos 42 mil contribuintes sugeridos pelo estudo da Tax Justice Network.

“É justamente por isso que dizemos que a nossa iniciativa não visa a criação de um novo imposto em Portugal”, explica Miguel Costa Matos, argumentando que este adicional já é aplicado a partir de valores que “nem são propriamente grandes fortunas”. A ideia passa, portanto, apenas por pedir ao Governo que apoie a iniciativa fiscal a nível global e europeu, sendo que a “partir daí podermos, se necessário for, ajustar a legislação e fiscalidade nacional a essa iniciativa internacional”.

Uma questão de “sobrevivência da democracia”

O economista Quentin Parriniello, um dos obreiros do relatório que foi apresentado em julho aos responsáveis das finanças e bancos centrais do G20, considera que taxar os super-ricos é uma questão de “sobrevivência da democracia”.

Em entrevista à Lusa, o diretor político do Observatório Tributário da União Europeia afirma que nesta proposta não está em causa apenas “aumentar receita, mas também uma forma de reconstruir a confiança com os governos”.

As conclusões do relatório indicam que um imposto mínimo de 2% sobre os bilionários seria a opção mais indicada para restaurar a progressividade tributária globalmente e arrecadar mais de 250 mil milhões de dólares (230,9 mil milhões de euros ao cambio atual) por ano. De acordo com o Observatório Tributário da União Europeia existem menos de 3.000 bilionários em todo o mundo.

Se os governos em todo o mundo seguissem o modelo espanhol, taxando as fortunas dos 0,5% “super-ricos” com um imposto entre 1,7% e 3,5%, seria possível arrecadar mais de dois biliões de dólare(cerca de 1,9 biliões de euros ao câmbio atual), segundo as contas feitas pelo grupo Tax Justice Network que defende que esse dinheiro poderia ser usado para financiar a transição climática.