A autorização para a isenção do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas (IMT) e Imposto do Selo para compra de casa de habitação própria e permanente por pessoas até aos 35 anos de idade aprovada pelo Governo e promulgada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, é vista com bons olhos por parte do sector imobiliário e também dos fiscalistas ouvidos pelo Jornal Económico (JE), que também descartam uma subida no preço das casas.
"Não parece que vá haver um aumento do custo dos imóveis, porque isso implicava partir de um pressuposto de que havia um desequilíbrio do mercado que não existia. Ora, isso não é verdade, o mercado está em desequilíbrio. Esse é que é o problema", refere Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliário.
O presidente da APPII considera que tal subida no preços da habitação só aconteceria se realmente houvesse um aumento da procura significativo que no fundo fosse fazer com que o jogo entre a oferta e a procura ficasse ainda mais desequilibrado. "Uma coisa era reduzir os impostos a toda a população, como se limitou só aos jovens é uma pequena fatia da população", realça.
O líder dos promotores classifica esta medida do Executivo como "ótima", dado que vem resolver um problema de acesso à habitação, onde 73% das famílias são proprietárias, sendo que dessas apenas um terço tem acesso a financiamento. Contudo, alerta para o facto de que esta medida tem que ser vista no âmbito de uma estratégia global. "Temos que permitir o acesso aos jovens, mas também temos que construir mais", sublinha.
Quem também considera esta medida é positiva é Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), nomeadamente porque os jovens são um grupo que precisa de ser retido no nosso país e conseguirem aceder a casas é fundamental para termos jovens. "Tudo o que possa contribuir para essa retenção dos jovens no nosso país e, neste caso, poderem ter uma redução naquilo que são os custos tributários na aquisição e daí resultar um ganho, acho muito bem", salienta.
Como tal, Paulo Caiado defende que se isso contribuir também para um maior dinamismo do mercado é a economia que ganha no seu todo. No entanto, o líder dos mediadores imobiliários destaca dois aspetos que não devem ficar esquecidos. "Primeiro, este tipo de medidas implica que devem ser complementadas com outras que possam incrementar a oferta, porque se toda a gente identificou que um dos problemas associados aos preços elevados é a escassez de oferta perante os fluxos de procura que conhecemos, será importante incrementar a oferta para não estarmos a aumentar esta disparidade", explica.
O outro tema importante para o líder da APEMIP que não deve ficar de fora prende-se com a justiça fiscal. "Acharia bem que qualquer outro grupo etário que vai comprar a sua primeira casa também pudesse ter isenção de IMT. Quem tem 50 anos e trabalhou a vida toda, pagou impostos em Portugal e ao fim de um determinado período em que consegue enfrentar uma aquisição não tem a mesma possibilidade porquê?", questiona.
Questionado sobre se estes benefícios fiscais podem levar a um aumento do preço das casas, Paulo Caiado defende que o mercado é feito de uma grande heterogeneidade e que não se vendem só casas em Lisboa e no Porto. "Uma coisa diferente poderá acontecer em determinadas localizações onde a escassez de oferta é muito grande e se houver um incremento da procura sem estarmos a incrementar a oferta, aí corremos o risco de estarmos aqui a acentuar esta disparidade", afirma.
(Quase) todos os fiscalistas não acreditam num aumento de preços
Sendo esta uma matéria fiscal o JE ouviu também fiscalistas que demonstram estar em sintonia sobre a aprovação da medida em si, mas em desacordo no que diz respeito ao efeito que terá no preço das casas. É o caso de João Espanha, que assume que o primeiro impacto desta isenção é que vai levar a um aumento no preço da habitação. "Estar a tentar criar um benefício fiscal que visa permitir aos jovens melhor acesso a habitação ou priorizar o acesso à habitação, parece uma coisa muito interessante e muito bonita à primeira vista, mas do meu ponto de vista, vai ter um efeito contraproducente", refere, exemplificando que se um jovem, por alguma razão, conseguir angariar 300 mil euros para comprar uma casa, sabe que vai pagar 300 mil euros, mais IMT e selo.
Para o fiscalista o efeito prático, na sua perspectiva, não é facilitar o acesso, salientando que só vai continuar a aceder quem o pode fazer por razões económicas estritas. "A única coisa que vai permitir é que estas pessoas comprem as casas um pouco mais caras", afirma, acrescentando que se o objetivo extrafiscal do benefício é melhorar o acesso à habitação por parte dos jovens, "tenho a impressão, se não a certeza de que vai sair o tiro pela culatra e o único efeito prático que vamos ter é o aumento do preço das casas".
Opinião diferente tem o fiscalista Jaime Esteves, que vê nesta medida um impacto, que é neste caso concreto, reduzir o custo de aquisição da habitação. "Agora, na medida em que o tema se relaciona com os acertos até 35 anos coloca uma redução de custo nas compras até essa idade, mas não para quem tenha mais do que 35 anos, o que significa que o problema da redução do custo só se situa nessa faixa etária e mantém-se para o remanescente", explica Jaime Esteves.
No entender do fiscalista sempre se poderá dizer que, tendencialmente, quem tem 35 anos ou menos terá, pela evolução da carreira, a capacidade de aquisição menor, mas também se poderá contrapor que na casa dos 35 anos para a frente, muito provavelmente haverá agregados familiares maiores e, portanto, também a necessidade de mudar para habitações de maior dimensão, logo mais caras.
"Pode dizer-se que esta discriminação é de alguma forma arbitrária, embora se perceba, não deixa de ter um grau de arbitrariedade relevante entre quem tem 34 e 36 anos de idade. E nessa medida, criam aqui um problema de provável ilegalidade ou inconstitucionalidade por essa arbitrariedade da discriminação entre quem tem mais de 35 anos", salienta.
Por outro lado, Jaime Esteves entende que o custo generalizado da habitação decorre muito da tributação que incide sobre o imobiliário. "Essa tributação ou esse excesso de tributação deveria ser corrigido, não com este penso rápido e eventualmente discriminatório da isenção até aos 35 anos, mas sim por uma medida estrutural", sublinha.
O fiscalista descarta um aumento no preço das casas porque estas terão que ser publicitadas por um determinado montante e isso determina o início da negociação. "Um eventual risco de repercussão da isenção do IMT no valor da casa, que por esta via passaria a ficar mais elevado, penso que provavelmente não haverá esse risco. Desse ponto de vista, acho que a medida não é criticável. Merece critica, isso sim pela discriminação que se efetua para os menores de 35 face aos maiores de 35 anos", assume.
O também fiscalista Tiago Caiado Guerreiro vê estes benefícios fiscais de forma positiva e defende que na compra da primeira habitação não devia haver IMT, nem mais-valias na venda da casa, para poder ser reinvestido ou no caso das pessoas de idade poderem ficar com esse rendimento para a reforma. "Não acho que isto dê origem à perda de receita fiscal, porque isto dá origem depois, se for acompanhado por medidas que permitam mais construção ou maior mobilidade, mais emprego", refere.
Sobre um eventual aumento no preço das casas o fiscalista considera que tal cenário não deverá acontecer, desde que seja acompanhado por um aumento da oferta. Acho, aliás, que os preços das casas estão estagnados neste momento, pelo menos é o que me dizem no mercado e que não vão continuar a subir. Se temos de reter os jovens em Portugal, não podemos tornar impossível a compra de casa. Não se pode ter uma família em casa dos pais", salienta.
Também Bruna Melo, partner, International Tax and Transaction Services da consultora Ernst & Young (EY) destaca que esta isenção fiscal é uma forma de aligeirar o custo total das transações. "É uma decisão que vai ser vista com bons olhos pela camada mais jovem da população que está a tentar sair de casa dos pais", afirma, assumindo que não acredita que os promotores vão querer aumentar os preços das casas.
"Acho que vão tentar manter-se fiéis às margens que têm praticado até agora. É claro que pode haver essa tentação e neste momento, não há mecanismos para impedir que isso aconteça, mas o ideal é que, de facto, a poupança fique na esfera do comprador e dos particulares", refere.
Diploma que autoriza Governo a isentar os dois impostos publicada em DR
A lei que concede ao Governo autorização para isentar de IMT e Imposto do Selo a compra de casa de habitação própria e permanente por pessoas até aos 35 anos de idade já se encontra publicada em Diário da República.
O Governo pretende que esta medida entre em vigor em agosto e que contempla uma isenção de IMT e de Imposto do Selo na compra de casa cujo valor (para efeitos de liquidação destes impostos) não supere os 316.772 euros, ou seja, o equivalente ao 4.º escalão do IMT.
Prevista está ainda uma isenção parcial para casas entre 316.772 e 633.453 euros (incidindo sobre esta parcela uma taxa de 8%).
Esta isenção é atribuída na primeira aquisição de imóvel destinado exclusivamente habitação própria e permanente, sendo condição que os jovens compradores não sejam proprietários de nenhum imóvel habitacional "à data da transmissão ou em qualquer momento nos três anos anteriores" e que não sejam considerados dependentes para efeitos de IRS.