Quase todos descrentes. A reforma do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) com que Luís Montenegro decidiu começar a reforma do Estado está a provocar ondas de choque entre professores e estudantes. Os diretores das escolas acreditam na eficácia da mudança e o Presidente da República admite todos os cenários, incluindo vetar o diploma.
"Não é uma reforma que está em causa, é o desmantelamento do serviço público de educação e da ciência". Para a FENPROF - Federação Nacional dos Professores, a reforma do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) vai ao encontro do "velho anseio da direita" e que Fernando Alexandre se propõe cumprir.
"Vislumbra-se a implosão do Ministério da Educação (caminho que está a ser, agora, seguido em países como a Hungria, a Argentina ou os Estados Unidos da América), confirmando as piores expectativas relativamente às opções do Governo. Não estamos perante um mero fetiche economicista, mas sim um verdadeiro processo de liquidação do Ministério da Educação, Ciência e Inovação, uma opção pela desresponsabilização do Estado central do serviço público de Educação e pela sua redução, nas áreas da Educação e Ciência, ao papel de mero regulador". afirma a maior estrutura sindical de professores, afeta à CGTP.
Ainda falta conhecer as medidas concretas, mas já há pano para mangas, segundo a FENPROF. ""No caso do ensino não superior, o grande problema está na extinção de todas as direções-gerais, cujas responsabilidades passam para a AGSE, e a criação de estruturas educativas nas CCDR". Esta opção tem por objetivo, explica, "uma significativa transferência de responsabilidades para as CCDR e os municípios, ao nível da rede escolar, dos recursos materiais e dos recursos humanos, colocando em causa a universalidade do Direito à Educação".
A reforma do MECI anunciada de supetão pelo ministro Fernando Alexandre, na passada quinta-feira, emagrece a estrutura que atualmente comporta 18 entidades e 45 dirigentes superiores entre os serviços de ensino não superior e superior, ciência e inovação e prevê alterações de âmbito territorial envolvendo as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR). A FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), principal agência de financiamento público da investigação científica criada em 1998 pelo, então, ministro da Ciência e Tecnologia, Mariano Gago é uma das que será extinta e a que está a provocar maior clamor.
"Qualquer processo de extinção ou reestruturação de organismos da área da educação e ciência deve ser conduzido com diálogo e transparência, envolvendo as organizações sindicais, de forma a garantir a defesa dos trabalhadores e a continuidade de funções essenciais ao sistema", afirma a FNE - Federação Nacional da Educação, que revela particular preocupação com a FCT. Enfrentava "problemas profundos e prolongados", mas a sua extinção, por si só, não resolve automaticamente essas dificuldades. "É imperativo que o MECI apresente um plano robusto que assegure a continuidade das funções essenciais da FCT, nomeadamente no financiamento da ciência e investigação, e que valorize as carreiras dos investigadores e docentes envolvidos", adianta a Federação liderada por Pedro Barreiros.
A FNE pede "esclarecimentos urgentes" e quer ser recebida pela tutela. "É prioritário que sejam apresentados, com a maior brevidade possível, os fundamentos e objetivos destas decisões, bem como o plano para a sua implementação. Só assim será possível avaliar as consequências para o sistema educativo, para os docentes, investigadores e demais profissionais abrangidos", afirma em nota enviada ao Jornal Económico.
Estudantes, Investigadores bolseiros e Presidente da República
Também dos estudantes chegam coros de "profunda preocupação" com a decisão do Governo. A Associação Académica da Universidade de Lisboa (AAUL) reconhece a importância de repensar a organização da administração pública, com vista à sua modernização e desburocratização, no entanto, rejeita "liminarmente reformas que sacrifiquem organismos estratégicos sem estudos de impacto público, sem transparência procedimental e, sobretudo, sem diálogo com os atores diretamente afetados", eles próprios.
"Esta medida, tomada sem auscultação pública, representa uma reconfiguração profunda e precipitada da arquitetura institucional do sistema científico e educativo português", afirma a AAUL em nota enviada às redações. Alerta sobretudo para a extinção da FCT - "levanta preocupações sérias quanto à continuidade e estabilidade de projetos científicos em curso, à previsibilidade das bolsas atribuídas a estudantes e investigadores, e à credibilidade do sistema científico nacional" - e da Direção-Geral do Ensino Superior (DGES). A DGES assegura, entre outras, a gestão de bolsas de ação social, o processo de candidatura e acesso ao ensino superior, a validação de ciclos de estudos e diplomas, bem como a articulação com instituições internacionais. "A sua eliminação, juntando as funções de duas entidades num único organismo, o Instituto para o Ensino Superior (IES), põe em causa a confiança dos estudantes no sistema de ensino superior".
A Associação de Bolseiros de Investigação Científica, pela voz da sua presidente, Sofia Lisboa, denunciou à SIC Notícias: "Não existia nenhuma referência no programa de Governo nem no programa eleitoral da AD e, portanto, esta reestruturação que agora nos vem sendo apresentada como como uma medida para maior eficiência, consideramos que é uma narrativa enganadora".
Esta sexta-feira, um dia depois de ter apresentado a reforma, Fernando Alexandre pôs água na fervura, garantindo em entrevista à Antena 1 que não estão previstos quaisquer cortes nos projetos apoiados pela FCT.
Outra voz vinda a público foi a da Confederação Nacional das Associações de Pais, que também manifestou receios, mas sobre a "possibilidade de os pais com filhos menores ou filhos com deficiência poderem ser obrigados a trabalhar à noite, aos feriados e aos fins de semana".
Ao apresentar a reforma aos jornalistas, Fernando Alexandre afastou a ideia de que esta esteja a ser feita para fazer regressar professores à escola., garantindo que "uma reforma tão importante" tem o objetivo muito importante de garantir "a igualdade de oportunidades em todo o território nacional".
O assunto também já chegou a Belém, mas o Presidente da República joga na tripla. Admitindo todos os cenários, Marcelo Rebelo de Sousa disse, na sexta-feira, aos jornalistas que se achar que esta extinção é "boa", promulga o diploma "sem angústia." Mas "se tiver dúvidas sobre um ponto que seja desse diploma que seja muito importante peço ao Governo para repensar. Já aconteceu. Posso não vetar logo. Se o Governo insistir, posso chegar a vetar, se for até ao fim do meu mandato".
Diretores otimistas
Os diretores das escolas são a voz dissonante no meio de tanta preocupação. Em declarações à agência Lusa, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (Andaep) manifestou-se otimista com a melhoria da eficiência dos serviços na sequência da reforma do Ministério da Educação.
“A pergunta é: Com este modelo atingiremos os objetivos? Iremos ver. Eu estou otimista”, resumiu.