A crise política que se abre com a demissão de António Costa não fez apenas como “vítima” o próprio primeiro-ministro e a proposta do Orçamento do Estado para 2024, como o Jornal Económico noticiou aqui e aqui. Os grandes projetos em curso – a escolha da localização do novo aeroporto de Lisboa, a privatização da TAP e a Alta Velocidade ferroviária entre Lisboa e Porto – entram agora num período de indefinição. “Quem se salvou, e por apenas uma semana, foi a Efacec, que [com a venda ao fundo industrial alemão Mutares] tem agora um acionista como nunca teve”, afirma ao Jornal Económico o economista António Nogueira Leite, antigo secretário de Estado do Tesouro e Finanças do segundo governo PS de António Guterres.
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No processo da escolha de localização do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), Nogueira Leite é claro. “Esta Comissão [Técnica Independente] deve acabar os seus trabalhos e esperar ser chamada por um novo governo. Porque eu não estou a ver um governo – nem faz muito sentido – que um governo em gestão trate de assuntos estruturais. Ainda por cima um assunto que tem um lastro de 54 anos, não é? Portanto, não”, afirma.
A CTI presidida por Rosário Partidário anunciou recentemente que o seu relatório final sobre a matéria – que iria listar as várias soluções em cima da mesa e fazer uma apreciação sobre cada uma delas, mas sem dar pontuação – estará pronto para ser anunciado entre 20 e 24 de novembro. O relatório seria depois submetido a um período de consulta pública e seguiria para decisão política. Mas por essa altura poderá não haver, sequer, um governo em plenitude de funções.
“Mais vale que seja resolvido por um governo com toda a legitimidade do que por um governo que está em gestão. E não há aqui sequer – como havia, por exemplo, em 2015 – a hipótese de uma companhia [a TAP, privatizada nessa altura] ter de fechar porque não tinha financiamento, não tinha meios para os aviões levantarem. Não aqui. Acho que, simplesmente, devem acabar o seu trabalho. Não arranjem isto como desculpa para não o acabar e depois ficar à espera que o entregar a quem de direito”, aponta o economista.
O Jornal Económico questionou a CTI sobre o futuro dos trabalhos da comissão à luz da demissão do primeiro-ministro, mas até ao momento não recebeu resposta sobre se haverá alterações ao prazo anunciado.
No caso da privatização da TAP, a questão é ainda mais simples. O Presidente devolveu ao governo o diploma inicial com vista à venda da companhia e ainda não haverá novo documento. Ou seja, o processo fica pendente.
“O que a empresa [a TAP] tem que fazer é ter a informação toda preparada, etc. Eu acho é que neste momento está um nevoeiro imenso sobre isso, porque tudo depende das opções do próximo governo. E não se sabe qual é”, salienta Nogueira Leite. Ou seja, se houver eleições, este processo estará parado pelo menos até ao final do primeiro trimestre, estima o economista.
Outra questão é que tipo de governo Portugal vai ter saído das próximas eleições. “Duvido que seja um governo centrista como este. Centrista que não era muito centrista, mas que não estava muito próximo dos extremos. Eu acho que [o próximo] vai estar mais próximo dos extremos. De qualquer das maneiras, se tiver Pedro Nuno Santos, o PS vai ser mais um PS mais à esquerda”, refere o ex-secretário de Estado.
No caso da Alta Velocidade, a CP está a ultimar o seu processo de escolha do comprador de mais de cem comboios para equipar a ligação mais rápida entre Lisboa e Porto, um concurso com um valor superior a 850 milhões de euros. Na shortlist – mas com acusações de parte a parte sobre alegadas irregularidades – estão a Alstom, a Stadler e a CAF.
Uma vez feita a escolha no relatório da CP, a decisão final compete ao ministro da tutela, neste caso João Galamba. Mas Galamba foi hoje constituído arguido e não é certo que se mantenha num governo PS, mesmo que o Presidente convide os socialistas a indicar um novo PM.
Em termos gerais, o PRR (as verbas do Plano de Recuperação e Resiliência, conhecida por “bazuca”) também se arrisca a ficar mais ou menos parado.
“O que é complicado para as empresas, porque pode pôr problemas de liquidez. Isto porque muitas das despesas foram avançadas pelas empresas e agora pode não haver a contrapartida pública, que pode não aparecer no momento expectável”, alerta Nogueira Leite. “Não são só empresas públicas, são também instituições públicas, IPSS´s, associações. Isto pode sair muito caro”.
No caso da Efacec – vendida há uma semana aos alemães da Mutares – o “timing” não poderia ter sido melhor. “Os trabalhadores da Efacec, pelo menos os que ainda lá estão, devem estar todos contentes porque por uma semana que não acontecia nada”, sintetiza o economista, que também foi administrador da Efacec Capital. “Assim estão nas mãos de um grande fundo industrial. Finalmente, a Efacec tem um bom acionista”, conclui.