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Presidente do Técnico defende estratégia de longo prazo para ensino superior e ciência e apoio à I&D nas empresas

Para Rogério Colaço é fundamental antecipar e planear problemas como o envelhecimento dos professores, a contratação de investigadores e docentes ou os meios financeiros para o fazer. O presidente da maior escola de engenharia do país defende também a construção de mecanismos de apoio efetivo à I&D empresarial, de forma a criar valor acrescentado nos serviços e bens e emprego qualificado e evitar a sobrequalificação.

Os nomes não mudam o discurso do presidente do Instituto Superior Técnico. Engenheiro de Materiais, formado na maior Escola de Engenharia do país, onde ensinou sempre, Rogério Colaço é um homem de ação com uma visão clara do que deve ser a estratégia para o Ensino Superior e a Ciência e explica-a nesta entrevista, em que cada linha é uma proposta de solução para um problema, o que a torna leitura obrigatória.

Qual deverá ser a prioridade do novo ministro da Educação, Ciência e Inovação no que respeita a vertente do Ensino Superior?

Uma nota prévia: o facto do atual Governo ter considerado que o Ensino Superior não tinha importância suficiente para justificar um Ministério é uma má notícia não só para o Ensino Superior mas, sobretudo, para o país. Se houve sector que contribuiu de forma determinante para a enorme transformação socioeconómica sentida nos últimos 25 anos foi o Ensino Superior, enquanto elemento fundamental de ascensão social, progresso e coesão territorial, desenvolvimento cultural, científico e económico do país. Dito isto, o ministro que tutela o sector de Ensino Superior deverá ter como primeira prioridade precisamente planear quais são as suas prioridades e como serão implementadas, preferivelmente em articulação com as instituições de Ensino Superior.

Em linhas gerais, como olha para o ano de 2024 no Ensino Superior e na Ciência em Portugal? Quais os principais desafios que vê?

No Ensino Superior e Ciência em Portugal existem três grandes desafios nos próximos anos, que se começarão já a começar a sentir em 2024 de forma bastante aguda.

Comecemos pelo primeiro.

O primeiro deles é a necessidade urgente de haver um planeamento a médio/longo prazo das necessidades de contratação de professores/investigadores de carreira pelas universidades e centros de investigação, e a dotação das instituições dos recursos financeiros para poderem fazer essas contratações, indispensáveis à renovação do sistema: o envelhecimento no sistema de Ensino Superior, nomeadamente em algumas áreas específicas, é um desafio que deverá começar a ser planeado. Esse planeamento deverá ser acompanhado de um outro, complementar, que é a da construção de mecanismos de apoio efetivo à I&D (Investigação e Desenvolvimento) empresarial, criando valor acrescentado nos serviços e bens, nomeadamente nos exportáveis, e emprego qualificado. Sem que tal aconteça, o enorme esforço da última década em apostar na formação avançada, corre não só o risco de se perder, como, pior, corre o risco de ter um impacto social negativo, se vierem a existir taxas de desemprego acima da média entre a população mais qualificada.

A seguir?

O segundo é o da readaptação da oferta do Ensino Superior tendo em consideração a diminuição do número de nascimentos em Portugal. Nos próximos 10 anos, o número de portugueses que farão 18 anos em cada ano diminuirão de cerca de 105.000 (em 2024) para 85.000 (em 2034). Ora, numa altura em que já temos uma percentagem da população com 18 anos a aceder ao Ensino Superior (cerca de 55%), valor acima da média europeia, será inevitável planear a oferta formativa, sobretudo no Ensino Superior público, na próxima década.

Olhando não só para os dados demográficos, como também para as necessidades do país, em que o crescimento da oferta em programas de reskill e upskill deverá ser a forma de compensar a redução da procura em programas de graduação. Mais uma vez, é necessário começar a planear, e agora é o momento.

Por fim.

O terceiro decorre das profundas alterações que as plataformas digitais de disponibilização de conteúdos, de avaliação e de inteligência artificial, introduzirão (já estão a introduzir) no processo de ensino e aprendizagem, nomeadamente na relação professor/estudante. O conhecimento, neste momento, é totalmente acessível por parte dos estudantes, o que não acontecia há 10 anos, por exemplo. Como tal o estabelecimento de uma hierarquia baseada no facto do professor ter a informação e o estudante não a ter – o paradigma em que o processo de ensino/aprendizagem sempre funcionou -, tem vindo a deixar de fazer sentido. Preparar os professores, as escolas, as universidades e os estudantes para esta nova realidade é determinante para manter a qualidade, a exigência e, sobretudo, a eficiência do processo de ensino/aprendizagem.

Quais as prioridades da sua instituição para o novo ano?

A minha instituição tem no próximo ano três grandes prioridades muito claras.

A primeira é a de continuar o plano de investimento e requalificação das nossas infraestruturas, que iniciámos há um ano atrás, modernizando as nossas instalações, tornando-as mais sustentáveis ambientalmente e mais adequadas para formar os nossos estudantes.

A segunda é a de continuar a monitorizar a modernização do nosso ensino a nível de primeiro, segundo e terceiro ciclo, adequando-o àquilo que são as atuais ferramentas, desafios e necessidades do país, criando, simultaneamente, condições para que os nossos estudantes tenham uma vivência e uma experiência motivadora e inspiradora durante a sua passagem pelo Técnico.

A terceira é a de continuar o nosso programa de recrutamento de talento. A todos os níveis. A nível de professores, investigadores e pessoal de apoio. E também, naturalmente, a nível de estudantes em todos os ciclos de estudo: licenciatura, mestrado e doutoramento, sem esquecer o nível das pós-graduações em áreas tão importantes como a cibersegurança, a proteção radiológica, a gestão industrial, entre diversas outras.

Campus Taguspark

O Instituto Superior Técnico foi fundado em 23 de maio de 1911 por Alfredo Bensaúde, que foi também o seu primeiro diretor. Maior escola de engenharia do país, mas também escola de ciência e de arquitetura, fortemente internacionalizada, aberta à sociedade, às empresas, à inovação, ao empreendedorismo, à criação de emprego, de valor e de conhecimento, o Técnico é reconhecido, dentro e fora de Portugal, pela qualidade daquilo que faz. Atualmente, nos seus três ciclos de estudos e nos seus três campi – Alameda, Taguspark e Tecnológico e Nuclear -, acolhe 11.296 alunos, dispondo de três residências universitárias. Desde 2009 foram criadas no Técnico perto de 60 empresas spin-off.

 

O JE tem vindo a publicar desde janeiro entrevistas sobre o Ensino Superior em Portugal. Leia aqui as entrevistas a:

António Almeida-Dias, presidente da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado (APESP): “Influência [das ordens e associações profissionais] é no número de vagas e na acreditação dos cursos”

Paulo Jorge Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro: “Os contratos a celebrar são permanentes, mas o financiamento é precário”

Maria de Lurdes Rodrigues, reitora do ISCTE-IUL: antecipa “ano de viragem nas políticas públicas” com impacto no futuro

Paulo Águas, reitor da Universidade do Algarve: “É crítico melhorar as regras de distribuição das verbas do OE” e incluir a ciência nas dotações

Amílcar Falcão, reitor da Universidade de Coimbra: “Com a queda do Governo, a tendência para um aumento de entropia acentua-se”

Luís Ferreira, reitor da Universidade de Lisboa: “Sem mais investigação não teremos salvação

José Moreira, presidente do SNESup – Sindicato Nacional do Ensino Superior: “Esperamos que a próxima equipa governamental esteja aberta à negociação e não só à audição”