Skip to main content

Reitor da UA: "Os contratos a celebrar são permanentes, mas o financiamento é precário"

Paulo Jorge Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro e presidente do CRUP, diz nesta entrevista que o problema é que não existe garantia de financiamento além de 2024 para o FCT-Tenure. Programa visa contratação de até 1000 investigadores e prevê transferência gradual dos custos da FCT para as instituições.

O Jornal Económico está hoje na Universidade de Aveiro, no âmbito do ciclo de reflexão na academia que estamos a promover. O ano de 2024 só leva três meses, mas Paulo Jorge Ferreira, o reitor, também presidente do CRUP (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas), descreve um horizonte carregado de incerteza. “Vivendo nós na economia do conhecimento, não se compreende como é que a produção de conhecimento parece ter prioridade tão baixa”.

Com um novo inquilino em breve Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o financiamento é tema incontornável nesta entrevista. No Orçamento do Estado para 2024, o tal orçamento que muitos defenderam que viria o diabo se não fosse aprovado, “o financiamento global do Ensino Superior é inferior em aproximadamente 6000 dólares por estudante relativamente à média da OCDE, em paridade de poder de compra para o PIB”, afirma Paulo Jorge Ferreira. É caso para dizer que nem mesmo no campo da ciência, se fazem omeletes sem ovos.

Em linhas gerais, como antecipa 2024 no Ensino Superior e na Ciência em Portugal? Qual o principal desafio?

O ano de 2024 ficará marcado pela incerteza, mas as IES e as instituições do sistema nacional de ciência carecem de condições de previsibilidade e estabilidade para desenvolver a sua ação e estratégia. A atual situação política impossibilita qualquer compromisso plurianual. Dispor de instrumentos financeiros limitados a 2024 dificulta muito a nossa atuação.

Exemplo?

Está em curso um programa (FCT-Tenure) que visa a contratação a título permanente de até 1000 investigadores. O programa prevê uma gradual transferência dos custos da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) para as instituições e o Orçamento do Estado de 2024 prevê, e muito bem, um reforço dos orçamentos das instituições para suportar uma parte desses custos.

O problema é que não existe qualquer garantia além de 2024, não existe qualquer garantia. Ou seja, os contratos a celebrar são permanentes, mas o financiamento é precário.

Há ainda o financiamento plurianual das unidades de investigação e laboratórios associados, cuja avaliação deverá avançar este ano. Contudo, o financiamento anual anunciado é igual ao de 2019. Em termos efetivos, isto é um corte orçamental, que limitará a capacidade de investigação e inovação do país.

Vivendo nós na economia do conhecimento, não se compreende como é que a produção de conhecimento parece ter prioridade tão baixa.

Dar-lhe prioridade significa dar-lhe mais dinheiro, aumentar o investimento.

O reforço da dotação das Instituições de Ensino Superior (IES) é uma condição necessária para podermos convergir para um modelo de financiamento mais claro e transparente, e sem disrupção para nenhuma das IES. Infelizmente não é de reforço que estamos a falar.

Segundo um estudo anual da OCDE, o financiamento global do Ensino Superior português é agora inferior em aproximadamente 6000 dólares por estudante relativamente à média da OCDE, em valores corrigidos de acordo com o poder de compra. Como existem mais de 220 mil estudantes nas IES públicas, falamos de uma diferença de 1300 milhões de dólares (em paridade de poder de compra).

Consequências desse desinvestimento?

Este problema causa outros, como a obsolescência ou envelhecimento dos equipamentos e das infraestruturas, a dificuldade em estabilizar os vínculos dos investigadores, o baixo ritmo de abertura de concursos e de progressão nas carreiras e o envelhecimento dos quadros. O apoio social aos estudantes também se ressente do nível de financiamento, que não cobre sequer as despesas com pessoal das instituições. Entretanto, o passivo de manutenção no edificado vai-se agravando, com todas as suas consequências - incluindo a dificuldade em apostar em novos métodos de ensino que impliquem repensar os espaços.

A autonomia das universidades, consagrada (mas não densificada) na Constituição e posteriormente no Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), é na prática muito limitada. No contexto da revisão do RJIES, é essencial para as IES que se salvaguarde o seu espaço operacional e se preserve o essencial do conceito de autonomia universitária.

Olhemos para a Universidade de Aveiro. Quais as prioridades da instituição para este ano?

A Universidade de Aveiro colocou na agenda a requalificação. Há uma crescente necessidade de atualização ao longo da carreira. Já não basta às Universidades uma estratégia para a formação conferente de grau, inicial ou pós-graduada. Precisamos também de uma visão e estratégia para a formação ao longo da vida, e foi nisso que apostámos.

Considera que a estratégia está em linha com as necessidades de desenvolvimento do país?

Os objetivos do Programa Impulso Adultos do PRR incluem quintuplicar o número de adultos em formação ao longo da vida em todas as IES, em articulação com empregadores, até 2030; atingir pelo menos 23 mil participantes em formações curtas de âmbito superior, de nível inicial e de pós-graduação; e a instalação de uma rede de, pelo menos, dez “escolas” e ou “alianças” para a formação pós-graduada em colaboração com empregadores, para cursos de curta duração de pós-graduação, com pelo menos quatro “escolas” e ou “alianças” para a formação pós-graduada no interior do País.

Há muito a fazer. Num estudo divulgado muito recentemente, 46% dos inquiridos não tinha frequentado qualquer tipo de formação depois da formação inicial. Apenas 23% tinha tido formação há menos de um ano. Dos que fizeram formação, a maioria (53%) tinha recorrido a empresas de formação certificadas pela DGERT - Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho. Cerca de 64% não pretendia fazer formação ao longo da vida e só 22% consideraria uma Instituição de Ensino Superior.

Estes números merecem a atenção de todos nós. A imagem das IES está associada à formação inicial e pós-graduada, mas ainda não à requalificação e formação ao longo da vida. Há um caminho a percorrer e temos de o começar a percorrer já.

 

O que é a Universidade de Aveiro (UA)

Fundada em 1973, a Universidade de Aveiro (UA) é uma das mais jovens e inovadoras universidades portuguesas. A sua organização e estrutura matricial integra os subsistemas de ensino universitário e politécnico, o que favorece o cruzamento de saberes entre o ensino, a investigação e a cooperação. A UA é formada pelo Campus Universitário de Santiago e o Campus do Crasto, em Aveiro, e unidades orgânicas em Águeda (Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda) e Oliveira de Azeméis (Escola Superior de Design, Gestão e Tecnologias da Produção Aveiro Norte), formando o trio de cidades UA: Aveiro, Águeda e Oliveira de Azeméis. Também existem importantes infraestruturas de investigação no município de Ílhavo.

A comunidade académica envolve mais de 17 mil estudantes, um milhar de docentes, 500 investigadores e 750 elementos do pessoal técnico, administrativo e de gestão. A sua oferta compreende mais de meia centena de licenciaturas, mais de uma centena de  mestrados, e mais de 50 programas doutorais e cerca de 200 cursos não conferentes de grau (cursos técnicos superiores profissionais, cursos de especialização, cursos de formação avançada e microcredenciais). De acordo com ranking de Leiden, que considera o número de publicações científicas, a UA ocupa a 365ª posição em 1411 instituições de ensino superior do mundo.

 

Universidade Aveiro

O JE iniciou em janeiro a publicação de um ciclo de entrevistas sobre o Ensino Superior em Portugal. Leia aqui as entrevistas a:

Paulo Águas, reitor da Universidade do Algarve: “É crítico melhorar as regras de distribuição das verbas do OE” e incluir a ciência nas dotações

Amílcar Falcão, reitor da Universidade de Coimbra: “Com a queda do Governo, a tendência para um aumento de entropia acentua-se”

Luís Ferreira, reitor da Universidade de Lisboa: “Sem mais investigação não teremos salvação

José Moreira, presidente do SNESup – Sindicato Nacional do Ensino Superior: “Esperamos que a próxima equipa governamental esteja aberta à negociação e não só à audição”