O presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) duvida de que 400 megawatts (MW) do leilão de energia solar realizado em 2020 venham a ser construídos.
Pedro Amaral Jorge refere-se às centrais no regime de prémios por flexibilidade e avisa que qualquer alteração para beneficiar estas centrais “seria desvirtuar as regras do concurso”, prevendo que daria origem a “processos legais de impugnação”.
Em janeiro, o Jornal Económico revelava que, dos 13 projetos do leilão solar de 2020 (num total de 670 megawatts), ainda nenhum estava concluído, segundo uma estimativa feita pelo então ministério do Ambiente e da Ação Climática.
A APREN realiza esta semana a sua segunda conferência anual dedicada à energia eólica offshore Oceanic Renewables Summit, que decorre a 17 de abril em Lisboa.
Uma grande empreitada nos próximos anos é o repowering das centrais eólicas onshore. Como é que está a correr este processo? O que é preciso para que decorra em bons termos?
Temos o direito de aumentar a potência de ligação em 20%, de acordo com o atual decreto-lei 15/22. E isso faz com que eu possa efetivamente ter um regime de substituição de turbinas mais antigas por novas, aumentando a potência instalada até ao limite de utilização da potência de ligação. Se tivermos esses 20% de potência de ligação, se tivermos a assumir que temos seis gigawatts, conseguimos ter mais 1,2 gigawatts de potência de ligação atribuída, o que repercutirá em mais 1,4 a 1,5 gigawatts de potência instalada. Mas isso só nos dá sete gigawatts e a meta do PNEC tem 10 gigawatts. Portanto, vamos ter que arranjar ou novos locais para instalar a eólica onshore, porque o repowering por si não vai ser suficiente para atingir as metas do PNEC. E temos que ter aqui um enquadramento regulatório de preços capturados, de venda em PPA, e de venda em mercado que permita a estes investimentos serem realizados. Precisamos, imagino eu, de investimentos na rede, porque os locais que temos poderemos esgotá-los com novas turbinas, e até conseguimos os tais 20% do repowering. Mas para construir os restantes três gigawatts que faltam para chegar à meta dos dez GW, certamente vamos precisar: ou de rede nova ou de utilização de outros locais que não temos ainda pensados.
Podia ser lançado um leilão?
O leilão é uma opção, mas os leilões de race to the bottom… Já passámos pela experiência de que quando esprememos muito os preços, depois isso tem um atraso e provoca dificuldades nas cadeias de valor. Acho que tem que ser um processo competitivo. Não sei se tem obrigatoriamente de ser um leilão ou se tem que ser um leilão com componentes num preço para que isso esteja enquadrado. Se pode ser uma componente de leilões e outra componente em PPA, com o apoio do Estado aos consumidores. Mas há aqui uma quantidade de modalidades que podem ser utilizadas.
Estava a referir-se aos leilões de energia solar de 2019 e 2020?
Estou-me a referir que quando aconteceu a pandemia, as projeções não estavam certas e o facto de aquilo ter sido um processo competitivo e termos ficado trancados a um procedimento, aquilo juntou ali um conjunto de dificuldades jurídicas. Temos que tentar redigir as coisas de uma forma em que tenhamos ou graus de flexibilidade ou indexantes, de forma a conseguirmos absorver as variações da realidade face àquilo que são os modelos.
No atual quadro regulatório, acredita que todas as centrais desses leilões vão ficar construídas?
Tenho alguma dificuldade em acreditar que todas as centrais do leilão dos prémios por flexibilidade de 2020 venham a ser construídas. Mas as restantes que estão em CfD ou em contribuições para o sistema, acredito que sim, que venham a ser construídas.
Acha que é preciso mudar alguma coisa para que essas centrais de 2020 sejam construídas ou não?
Acho que não podemos, porque o procedimento concorrencial foi de tal forma explícito que teríamos que alterar as regras do concurso e isso levaria-nos a, provavelmente, processos legais de impugnação, porque não faria sentido. Porque estaríamos a mudar as regras do concurso.
E qual é a fatia dessa do leilão?
Eram para aí 400 megawatts, é a componente que falta do leilão de 2020.
Essas dificilmente sairão?
Hoje não vejo possível, a não ser que haja uma alteração brutal, mas com a volatilidade que está, entendo que possa ser difícil, a menos que façamos alguma alteração, obviamente respeitando o espírito do concurso e dentro do enquadramento legal do decreto-lei 15/22, mas assim à partida…
Mas o sector energético entrava em polvorosa?
Sim, porque se estivéssemos a fazer essa alteração estaríamos a desvirtuar as regras do concurso.
A regra das compensações às autarquias de 13.500 euros por megawatt instalado de energia renovável foi alargada até ao final deste ano. Deveria ser por mais tempo?
Acho que sim, porque se tivemos incentivos que foram dados à eólica de 2,5% das receitas, também faz sentido darmos incentivos para que as populações beneficiem. Agora, não podem ser incentivos cedidos à posteriori. Ou seja, não é atribuir um determinado ponto de ligação com uma determinada tarifa e agora vou exigir aos promotores que façam esse pagamento. Não pode ser assim. Não pode ser no momento em que eu vou montar o projeto. É que essa regra tem que ser implementada para toda a gente de forma igual na energia solar.
No programa do Governo está previsto uma estratégia nacional de armazenamento, neste caso através de baterias para os projetos eólicos e solares…
No fundo são baterias instaladas já nos centros eletroprodutores existentes. É uma boa ideia, porque eu passo a ter um TRC [licença de injeção de eletricidade na rede] já atribuído. E posso efetivamente fazer armazenamento de energia e mitigar o efeito dos preços zero, armazenando essa eletricidade: que é a própria que eu produzo, em vez de a entregar. Quando o mercado está a zero, posso entregar parte ao mercado. Quando o mercado tem consumo, consigo compor as receitas do meu projeto de forma a que seja viável. Faz todo o sentido.
Mas estas baterias ainda não existem em escala?
Existem em escala. O que estamos à espera é que, tal como a curva do fotovoltaico, se olharmos para 2019 custava 400 euros/megawatt e hoje custa nos abaixo de 40 euros/megawatt. O mesmo vai acontecer com as baterias e o mesmo vai acontecer com os eletrolisadores. Ou seja, não há nenhum motivo económico para que as curvas não tenham o mesmo comportamento de uma exponencial descendente dos custos de produção de eletricidade a partir das baterias de produção – no sentido de armazenamento e voltar a entregar o sistema esteja dentro daquilo que são os preços do mercado spot, nas horas em que há mais consumo e em que não há o solar. Nos três meses de inverno por volta das 19h/20h/21h, o preço da eletricidade atingia os 80-100 euros/megawatt hora. Nesse enquadramento, as baterias já se conseguem incorporar e a expectativa é que os custos de armazenamento e depois da entrega dessa eletricidade ao mercado venham para baixo desses 80-90 euros por megawatt/hora.
Outro ponto é a aceleração da aprovação dos planos de investimentos da REN e da E-Redes.
Isso é fundamental porque não temos capacidade nenhuma de interligar os centros eletroprodutores. Isso é uma das variáveis críticas, a par com aquilo que é a criação das condições regulatórias para a atração do investimento para a parte da geração de eletricidade. Porque o mercado regulado tem um monopólio da E-Redes e da REN, portanto, precisam de ter um incentivo e regras claras de como é que vão investir. Os planos têm de ter uma aprovação em linha com aquilo que é a realidade, quer do consumo quer dos compromissos que Portugal assumiu com a Comissão Europeia e quer também pelo desígnio do cumprimento das metas.