O presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) defende que o leilão eólico offshore deve avançar, e em duas etapas, conforme estava inicialmente previsto. Pedro Amaral Jorge acredita que devem ser construídos dois gigawatts (GW) de eólica offshore até 2030, conforme previsto no Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC), rejeitando que a potência fique abaixo.
O novo Governo devia manter o plano de lançar o leilão offshore eólico em duas etapas ou devia ser alterado?
O modelo que o mercado entende que tem menos risco e que traz mais benefícios em termos da redução dos seus custos de produção de eletricidade, é fazer o modelo a duas etapas – primeiro, uma de atribuição dos direitos marítimos e a outra depois de atribuição de um TRC [licença para injetar eletricidade na rede] com a contrapartida de um CfD [contrato por diferenças] -, o que foi analisado pelo grupo de trabalho com os promotores.
É mais fácil para o financiamento, mais fácil para a mitigação de risco e mais fácil para avaliar as condições para ver os impactos ambientais. Faz todo o sentido que seja assim, e isto é uma conclusão do próprio grupo de trabalho que foi constituído em setembro de 2022.
No seu programa, o Governo dedicou umas poucas linhas à energia eólica offshore e na parte do mar, nem estava na parte da energia. Como é que analisou isto?
A interpretação que fiz do texto sobre a energia que está no programa do Governo é de que as metas do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) são para manter, que é, no fundo, o alinhamento político com a Comissão Europeia relativamente à transição energética.
Sou levado a interpretar que, uma vez que os dois gigawatts de potência eólica instalada em 2030 fazem parte do PNEC que foi submetido à Comissão Europeia, efetivamente, a eólica offshore estará incluída no plano.
Vai reunir-se com a tutela em breve?
Temos o desejo e a obrigação de marcar uma reunião com a tutela. Temos uma agenda de temas que queremos colocar em cima da mesa: as nossas principais preocupações face aquilo que está feito e aquilo que ainda é preciso fazer. E, no fundo, colher a sensibilidade do Governo para este tema.
Eu estou relativamente otimista porque a professora Maria da Graça Carvalho foi eurodeputada durante dez anos. Sempre foi profissional da área de energia e esteve envolvida em documentos importantíssimos de, nomeadamente na redacção do desenho de mercado. É difícil encontrarmos em Portugal uma pessoa que tenha tanto conhecimento de proximidade.
Além de que a própria RED III [Diretiva de Energias Renováveis] refere que temos de ter um desígnio de 5% de tecnologias que têm de lá estar, mesmo que não estejam em mercado. Portanto, os dois gigawatts incorporam-se nessa situação.
Qual é o tema mais urgente que tem para tratar com a tutela?
Não tenho assim um tema urgente. Tenho um conjunto de temas. Podemos começar com metas do PNEC, a exequibilidade; o tema do comportamento do mercado ibérico de eletricidade: é fundamental demonstrarmos que a incorporação de renováveis traz o preço para zero, que era uma coisa que dizíamos há imenso tempo. Mas há uma coisa que temos de ter em atenção: uma coisa é conseguirmos demonstrar que as renováveis são a fonte de energia que mais baixa a produção de eletricidade e que tem o seu custo de produção menor e o preço menor…, mas tem um custo de produção. Portanto, se o mercado entende que eu posso avaliar aquilo a zero, algo não está bem no mercado.
Temos dois mercados de eletricidade. Um mercado a prazo com os PPA e eventualmente o que venha a ser desenhado com os estados-membros com os CfD. Mas também temos o mercado spot, o chamado spot diário intra-diário, e temo-lo na Europa toda, e temos este ibérico que nos afeta diretamente. Ora, nenhum investidor vai investir numa central em que a eletricidade lhe pode custar 30/40/50/60 euros por megawatt hora (MWh) a produzir e o mercado diz-lhe que o valor dessa eletricidade é zero. Há aqui muita coisa a fazer: temos as metas do PNEC… como é que olhamos para este mercado? E o que é que vamos fazer em termos de continuar a conseguir captar o interesse em investir nas energias renováveis em Portugal?
E também temos outros temas importantes para discutir, como as redes de transmissão e distribuição e como é que os PDIRT e os PDIRD vão ser analisados, porque a capilaridade da rede elétrica é fundamental para a alcançar as metas de renováveis que precisamos, naquela lógica dos 47 gigawatts.
Temos também uma preocupação muito grande como é que vai ser a estratégia de armazenamento, tendo em conta o chamado energy shifting, a transferência de eletricidade no mercado às horas de sol e como é que eu capturo essa eletricidade e a entrego quando tenho menos essa matriz na produção. Como é que vai ser o comportamento da procura em relação a gases renováveis e a combustíveis líquidos renováveis de origem não biológica? Portanto, essas agendas todas partem muito do PNEC.
E depois há um conjunto de detalhes que são importantes: voltar a discutir a metodologia de cálculo do clawback, a aplicação da CESE [Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético] a eletricidade produzida a partir de fontes renováveis, e temas destes. Ou seja, temos uns temas regulatórios do setor energético, e outros temas regulatórios que são o cruzamento do sistema energético e do fiscal.
O PNEC devia ser revisto em baixa?
Não. Se revirmos o PNEC em baixa estamos a dar o sinal errado de que, afinal, o Repower EU não faz sentido nenhum. A meta da União Europeia diz que temos que incorporar 42,5% de energia renovável no consumo final de energia. Portanto, isso implica a eletricidade, os transportes, os edifícios, tudo. Se reduzirmos agora as metas do PNEC, estamos a dizer que não faz sentido resolver a crise energética que passámos quando a Rússia invadiu a Ucrânia, e houve o disparo dos preços do gás, e houve pouca flexibilidade do nosso sistema elétrico e energético.
Sabemos que a competitividade europeia vai depender muito de conseguirmos produzir a nossa energia, porque apesar de, numa fase inicial, até poderem ser um pouco mais cara, a longo e médio prazo é previsível. Portanto, é esta a vantagem das renováveis, quer para a produção de eletricidade, quer para a produção de hidrogénio verde, quer para a produção de combustíveis renováveis de origem não biológica, é que eu vou saber quanto é que vai custar e num continente com regulação forte. Efetivamente, conseguimos trazer esse benefício todo para a sociedade, para as pessoas, para as empresas. É esse o desígnio que temos que ter: reduzir as metas é um sinal errado.
O ex-secretário de Estado João Galamba disse recentemente que dez gigawatts no offshore não fazem sentido e defendeu que seja lançado um leilão mais pequeno, entre 500 megawatts e um gigawatt. Faz sentido?
Houve um grupo de trabalho que tratou desse assunto quando ele era ministro das Infraestruturas. O relatório é público e tem uma meta que diz que as metas que temos no PNEC são a entrada em operação de dois gigawatts até 2030, e atribuir os direitos dos dez gigawatts até 2030 para que, efetivamente, sendo verificada a premissa de que o consumo efetivamente existe, possam ser desenvolvidos na década de 30.
A questão é que podemos fazer um leilão de 500 MW ou um giga para testar, e para começar a dar o sinal certo que aquilo vai ser exequível, mas ficar apenas por 500 megawatts a um giga… não estou minimamente de acordo com isso, porque o PNEC é um resultado daquilo que foram as manifestações de interesse do lado do consumo a precisar desta potência renovável, porque Portugal tem esta vantagem de ser muito competitivo em termos de preços de produção de eletricidade e, consequentemente, de hidrogénio verde e de outros combustíveis de renováveis de origem não biológica. Se efetivamente o consumo precisar dessa necessidade, não há motivo para limitar isso a 500 megawatts ou um giga.
Na energia eólica offshore há a questão das redes, que vão custar bastante dinheiro. Não é preciso ser bruxo para adivinhar que a ERSE irá levantar bastantes objeções…
Acho que a ERSE tem que levantar as perguntas que efetivamente fazem parte do seu âmbito de aplicação. Se efetivamente, instalar a eólica offshore é porque o consumo assim indicou que é necessário. E se vender muito mais energia eu também diluo os custos de rede, que são custos fixos, por muito mais quilowatts/hora. Portanto, a expectativa é que, apesar do investimento ser avultado, a componente unitária das redes no consumo seja baixa. Porquê? Porque vou dividir os custos de rede por muito mais eletricidade vendida. A expectativa é que consigamos criar aqui uma lógica contabilística e financeira que não oneraremos o consumidor da eletricidade enquanto efetivamente as centrais não estiverem a produzir a sua quantidade que precisam para que a diluição dos custos dos novos custos de rede não se faça sentir nem repercutir na componente de redes da tarifa.
Só quando tiverem a operação é que deveriam fazer repercutir estes custos?
Sim, é uma coisa que se faz, que é um procedimento financeiro e contabilístico, que é apenas reconhecer esse custo das amortizações quando os sistemas de eletroprodução entram em produção.
Isso não está a ser feito agora?
Uma coisa é fazer um reforço de 50 milhões na rede, isso é perfeitamente absorvível. Agora, podemos precisar de um ou dois gigas, estamos a falar de um investimento de 1.000 milhões, por aí, em termos de redes e isso tem que ser feito, sendo que esse custo tem que ser diluído no consumo.
E além deste financiamento, poderia haver outras alternativas para financiar as redes?
Sim, há sempre a alternativa de deixarmos que sejam os próprios produtores a financiar esse custo de rede. Eu tenho sempre a dificuldade de estar a colocar custos de rede, que são um mercado regulado dentro de uma componente de custo que está dentro de um mercado liberalizado, em que as taxas de risco são muito mais elevadas, em que há mais incerteza e, portanto, vai ficar sempre mais caro serem os promotores a fazer as redes, por uma questão de lógica de mercado regulado no mercado liberalizado, do que ser o próprio operador da rede transporte. Mas se houver um acordo entre o mercado do lado dos produtores e do lado do operador e a tutela assim, considerar que essa é a solução lógica, também não é isso que eu vejo como impeditivo. Só acha que se houver uma arquitetura centralizada, isso tende a minimizar todos os custos de interligação dos centros eletroprodutores a terra.