"O mercado de arrendamento ainda consegue estar um pouco mais ‘louco’" e com variações maiores do que os preços das casas para venda. A afirmação é de Tiago Ferreira, Head of Operations Real Estate Portugal do Imovirtual & OLX, que traça o cenário que o mercado de habitação vive em Portugal.
Sem querer "lançar bombas" que deixem o mercado "assustado", o responsável do portal imobiliário, aborda em entrevista ao Jornal Económico (JE), o comportamento do mercado no primeiro semestre de 2023, bem como as perspetivas possíveis que este poderá trazer até ao final do ano.
Os dados do portal imobiliário referentes ao primeiro semestre do presente ano indicam que o mercado de arrendamento registou um aumento de 46% em Lisboa, face ao período homólogo de 2022, onde se destacam também as subidas de 56% em Leiria e de 40% em Setúbal, sendo que a nível nacional o crescimento foi de 35%.
Numa entrevista onde opta por não tecer muitos comentários ao programa 'Mais Habitação', o responsável considera que a nova lei do Alojamento Local pode ser benéfica para o mercado de arrendamento a longo prazo e defende que o Estado devia apoiar mais a construção de novas casas a preços acessíveis.
Que análise faz dos preços de habitação no primeiro semestre?
Não queremos ser os alarmistas do mercado e lançar bombas que assustem o mercado de todo. Trabalhamos sempre com asking price. Isto é uma parte importante porque nós baseamos muito os números de transação e valor de mercado através dos valores que o INE nos vai passando. É claro que os nossos números são uma tendência, mas muitas vezes vejo números de 40% e 50% nas 250 mil casas listadas que temos. Estamos sempre a falar de asking price e não de preços por transação. Entre o primeiro semestre de 2023 e o semestre homólogo do ano passado, a nível de asking price, os preços a nível nacional aumentaram 8%.
Estranhamente ou não, Lisboa e Évora são os únicos distritos que se mantiveram mais ou menos estáveis. Por exemplo, Lisboa só tem uma variação de 0,77% e Évora de 1,04%, o que começa a dizer que também os preços na capital estão a começar a desacelerar um pouco, é algo que tem vindo a ser uma tendência nos últimos tempos.
Estamos a falar do primeiro semestre de 2023, versus o primeiro semestre de 2022. Os maiores aumentos foram em Beja 23%, Castelo Branco 14% e Santarém 19%, e tivemos um único decréscimo a nível nacional quando falamos de distrito em Bragança de 10%.
Acho que também é importante ressalvar as transações que têm vindo a cair bastante já desde finais de 2021. Se compararmos o pico que será no último trimestre de 2020, que fizemos num trimestre 45.945 transações, para o primeiro trimestre de 2023 tivemos um decréscimo de 25% nas transações por trimestre. Basicamente acabamos por passar de 45.900 transações para 34.500.
Como se comportou o mercado de arrendamento?
O mercado de arrendamento ainda consegue estar um pouco mais ‘louco’ e as variações ainda são maiores. Os maiores aumentos foram em Lisboa (46%), Leiria (56%) e Setúbal (40%), o Porto não está dentro deste maior aumento. Os aumentos são muito grandes a nível nacional podemos dizer que temos um aumento total de 35% se compararmos com o semestre de 2022. Temos uma menor variação em Beja, Bragança e Guarda.
Em Lisboa, Leiria e Setúbal temos quase 50% se fizermos uma comparação direta. O que é que às vezes pode atirar os números para um valor muito alto? Vou falar no arrendamento e dar o caso de concreto de Lisboa. Se nós formos verificar, todas as casas que estão no Imovirtual e virmos a média de preço nós temos uma média de preço de 2.400 euros, que é pelo qual nós vamos buscar este aumento. Se nós retirarmos aquilo que nós chamamos de casas de luxo, nós só temos o valor de 1.800 euros.
Se tirar o segmento de luxo o aumento vai de 1.348 euros para 1.800 euros, mas se puser o mercado todo, temos muitas casas a ser arrendadas por quatro mil euros no Imovirtual. E falamos aqui de departamentos e moradias.
O grande problema que temos em Portugal é que não construímos e temos um problema político grande. Deveríamos licenciar muito mais rápido, construir muito mais, criar apoios para todos os promotores. Temos muitos promotores estrangeiros a querer investir dinheiro em Portugal e toda a burocracia acaba por demorar dois, três, quatro anos.
Acho que devia haver mais apoios para se construir casas novas a um preço mais acessível, ou seja, o Estado financiar ou dar uma linha de crédito para um preço mais acessível porque em termos de oferta no mercado o preço não vai baixar.
Com a subida das taxas de juro não será fácil...
Não é possível e a procura em Portugal continua alta, temos muitos americanos procurar casa em Portugal, muitos franceses, o mercado do Brasil desde há muito tempo que procura casa em Portugal e enquanto continuarmos com esta procura tão alta, muito possivelmente não vamos ter uma alteração no mercado.
Não gosto muito de falar de política, mas pensamos sempre muito a curto prazo e nunca temos medidas a médio longo prazo que realmente vão fazer a diferença. Acho que estamos a ser muito curtoprazistas.
Por exemplo, agora a nova lei do programa 'Mais Habitação' que acho que pode trazer algumas casas para o arrendamento são as casas que vierem do Alojamento Local, para arrendamento a longo prazo.
Este pacote mais habitação acaba por por ser curto para aquilo que são as necessidades que o país precisa na habitação?
Não sei se será curto. Acho que devíamos pensar mais a longo médio prazo e estamos a pensar a curto prazo a meu ver.
Se vimos um aumento de preços das casas de oito 8% neste primeiro semestre, qual é a perspetiva para o final do ano?
Não é possível traçar com toda certeza, porque o mercado tem as suas leis e as suas formas próprias de agir. Mas acho que há coisas interessantes que temos vindo a verificar. Por exemplo, a nível dos preços nos últimos trimestres, desde 2020 nós vínhamos num constante aumento de 3% por trimestre e nos últimos dois trimestres houve uma desaceleração total para 1%.
O que isto pode estar a querer dizer é que os preços sem dúvida que estão a estabilizar, há muito menos transações. Certamente veremos mais casas no mercado e se houver mais casas no mercado, obrigatoriamente os preços vão ter que se ajustar. Nas zonas centrais, por exemplo, nos centros de Lisboa e Porto não acredito que os preços irão mudar muito.
Nas zonas periféricas acabará por haver esse ajuste?
Nós falamos só da habitação, do preço das casas, mas há outras coisas que podem ter algum tipo de impacto. Por exemplo, a rede de transportes, se formos para uma cidade como Madrid ou Paris, as pessoas vivem a uma distância como nós vamos para Santarém estando em Lisboa. Uma melhor rede de transportes expandida pela cidade podia ser uma boa solução.
Na margem sul os preços também estão a aumentar. Por exemplo, um dos sítios que vemos um maior aumento é Setúbal que está com crescimentos muito grandes de 40%, em arrendamento. Tem a ver também com números bastante.
E quais as perspetivas para o mercado de arrendamento?
É uma incógnita. Ainda mais do que o mercado de venda é bastante importante haver casas no mercado no arrendamento. O problema é que os preços que existem estão completamente fora daquilo que as pessoas procuram.
Uma pessoa vai ao Imovirtual, por exemplo, com um budget de 800 mil a mil euros para arrendar uma casa em Lisboa, mas depois as casas que estão disponíveis para fazer o arrendamento são bastante mais caras e nós verificamos que em especial nas grandes cidades que aquilo que existe entre o que as pessoas procuram e do que realmente está no mercado é gigante.
As pessoas procuram uma casa de 800 a mil euros em Lisboa, e só existem casas a partir dos 1.800 euros. Se considerarmos o mercado de luxo, a partir dos 2.100 ou seja, há uma diferença muito grande entre aquilo que as pessoas podem pagar e aquilo que está no mercado. Quem é que pode pagar uma renda de 2.100 euros se o ordenado médio em Portugal ronda os 1.200 euros?
A reabilitação urbana podia ser uma solução para venda, mas também para arrendamento?
Acho que para venda sim. Para arrendamento tenho mais dúvidas. Não nos podemos esquecer, apesar de já não estar como estava há uns tempos os preços de construção\reabilitação são preços que estão bastante altos.
A mão-de-obra hoje em dia é bastante difícil de arranjar os materiais estão caríssimos. Acho que tudo isto tem que passar por uma linha de apoio por parte do Estado, apoiar promotores a conseguirem fazer essa tal reabilitação ou construção nova, mas a preços acessíveis.
Ou seja, há bastantes reabilitações em Lisboa, mas depois quando acabam de ser reabilitadas são casas de milhões que não dão para o povo português, mas dão sem dúvida nenhuma para o povo estrangeiro.