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Portuguesa Eco-Oil investe nas Bahamas para tratamento de resíduos

A empresa de tratamento de águas contaminadas de navios de Setúbal prepara investimento de dois milhões nas Bahamas. Companhia desenvolveu também combustível com menos emissões a partir dos resíduos dos petroleiros que está a vender à indústria cimenteira. Ao JE, CEO deixa críticas à carga fiscal sobre combustível reciclado e defende mais apoios para produtos que, apesar de serem fósseis, promovam a descarbonização.

A história da Eco-Oil confunde-se com a da nova Lisnave, já longe da Margueira e do Tejo, agora à beira do Sado, próximo de Setúbal. Ambas pertenceram ao grupo José de Mello, mas acabaram por seguir os seus caminhos.

A Eco-Oil começou por tratar as águas contaminadas dos petroleiros que iam a reparar na vizinha Lisnave, mas já está a alargar horizontes. Com mais de 20 anos de história, prepara-se agora para rumar ao outro lado do Oceano Atlântico: da margem do rio Sado para os mares quentes das Bahamas.

O investimento é de dois milhões de euros para criar uma unidade de tratamento de resíduos dos navios, em colaboração com um parceiro grego, um armador. "Em 2010, identificámos esta oportunidade de negócio: uma ilha em frente a Miami onde havia um estaleiro, um terminal de contentores gigante, que faz depois distribuição capilar naquela zona da América do Norte, um terminal petrolífero também gigante, o quarto maior daquela área, mas não havia nenhuma unidade de tratamento de resíduos. Percebemos que havia ali um potencial real de desenvolvimento de negócio. Mas sozinhos não conseguíamos".

A primeira pedra foi lançada em 2018, depois de um "processo longo de licenciamento", mas logo de seguida veio um "furacão gigante que destruiu praticamente a ilha toda".

De seguida, veio a pandemia da Covid-19 e o projeto volta a ficar no papel. Depois "destes sustos todos, os sócios decidiram novamente retomar o processo este ano. Estamos neste momento já a limpar o terreno para se começar a fazer as infraestruturas, a construção civil e vamos fazer a instalação de uma unidade mais pequena que a unidade inicial para testar o mercado. E é um mercado bastante interessante porque estamos junto ao Golfo do México, onde há imensa atividade económica do ponto de vista de hidrocarbonetos. Temos uma atividade intensa do ponto de vista de navios. Temos um estaleiro de reparação naval, temos o terminal de contentores, e temos o terminal de combustível que requer empresas como a nossa, quer para limpar os fundos dos tanques, quer para receber também resíduos dos navios", explicou.

Este projeto inicial, mais pequeno, "vai permitir testar o mercado sem ter um risco demasiado grande". A ideia é estar "operacional" no primeiro trimestre do próximo ano. O projeto está feito do ponto de vista da engenharia. O procurement está fechado e estamos neste momento a limpar o terreno para se começar a fazer a construção civil para assentar os equipamentos", acrescenta.

O investimento inicial era de 15 milhões de euros no projeto total, mas com as alterações societárias e do projeto, o valor do investimento recuou para dois milhões de euros para a primeira fase. "Por causa do risco associado com os furacões, achámos que melhor entrar de forma cautelosa".

A Eco-Oil nasceu em 2001 com a “preocupação de tratar as águas contaminadas de forma correta e adequada para que pudessem ser descarregadas aqui no rio Sado sem nenhum impacto. Desde então não temos nenhum tipo de acidente aqui no rio e cada vez mais os controlos são muito apertados. Queremos que a comunidade piscatória e os golfinhos se mantenham saudáveis. Não há nenhum impacto desta atividade aqui no estuário”.

"Desde o começo desta atividade - quando se começaram a receber as águas contaminadas – percebeu-se que havia um potencial de recuperação nos hidrocarbonetos que se iam separando", mas uma alteração regulatória pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) em 2012 levou a companhia a construir uma refinaria: nascia assim o EcoGreen Power, o primeiro combustível sustentável do mundo em termos de fuel óleo certificado pelo ISCC Plus (Certificação Internacional de Sustentabilidade e Carbono).

“Nessa altura, somos surpreendidos com a informação de que temos uma redução de emissões de 99% comparativamente com o combustível fóssil. O EcoGreen Power não só é sustentável porque é circular, porque é 100% através de um resíduo, como tem um enorme potencial de redução de emissões. É um combustível de baixo teor de carbono: uma tonelada de EcoGreen Power substitui uma tonelada de combustível fóssil. No nosso caso, este combustível, que é o resíduo que vem dos navios, é recuperado e substitui o combustível original", afirma o gestor, destacando que tem um "poder calorífico 4% superior", percentagem "muito significativa" para uma grande indústria, tendo também um "melhor rendimento na queima".

Os clientes são empresas que consomem fuel para a sua produção. "Os nossos clientes vão desde a indústria cimenteira até às indústrias mais sensíveis, como a indústria alimentar. Fornecemos grande parte da indústria de lacticínios nos Açores que são indústrias muito preocupadas com a sustentabilidade".

A unidade tem capacidade para tratar 370 mil toneladas por ano de resíduos, sendo a terceira maior empresa da Europa. Quando precisa de mais material para produzir combustível, importa resíduos.

Nuno Matos deixa críticas à carga fiscal sobre o EcoGreen Power: “Hoje o nosso combustível, apesar de ser sustentável, apesar de ter menos emissões, como comprova a própria certificação, tem o mesmo tratamento fiscal do combustível que sai da refinaria. Tem o mesmo estatuto de produto do fuel e também o mesmo tratamento fiscal. Temos procurado sensibilizar os decisores: uma tonelada evita a entrada de uma tonelada de combustível fóssil no mercado. E isso é uma vantagem enorme para o país. Desde logo porque deixa de importar recursos fósseis. E estamos a desenvolver uma fileira económica do país que cria empregos e cria uma tecnologia inovadora”, afirma.

O líder da Eco-Oil também deixa críticas à falta de apoios às "indústrias tradicionais", relacionadas com combustíveis fósseis, no âmbito dos apoios do Portugal 2030. "O Portugal 2030 tem na base dos seus propósitos a transição energética. Tem na base dos seus propósitos a economia circular, a redução de emissões, e nós conseguimos isso tudo. O nosso resíduo é fóssil, não negamos. Ainda não apresentámos nenhum projeto ao IAPMEI porque estamos a fazer o caminho das pedras, a procurar demonstrar que os valores ambientais que aqui se vão conseguir pelo investimento numa unidade que processa resíduos fósseis para produzir um combustível sustentável. É importante que haja a modernização dos instrumentos do Estado para avaliar. Quando introduzimos combustíveis no consumo, tem uma grande carga fiscal, exatamente igual à carga fiscal do combustível fóssil, mas temos um produto sustentável".

Em termos de vendas do EcoGreen Power, a companhia revela que teve um "ano muito forte em 2022 quando a guerra da Ucrânia fez aumentar os preços do gás natural. Com o aumento do custo, houve muitas indústrias que se converteram novamente para combustíveis líquidos, é uma transformação fácil, basta fazer o caminho ao contrário do que já tinham feito: antes estavam com fuel, passaram para o gás, mas mantiveram as infraestruturas. Nessa altura tivemos um boom de vendas muito, muito forte, mas também veio acompanhado de um problema de disponibilidade de matéria-prima, porque nós importávamos sobretudo do centro da Europa".

Em termos de projetos, a companhia conta fazer um investimento a rondar os dois a três milhões de euros para produzir um combustível para ser misturado com gasóleo para "ser utilizado na mobilidade rodoviária". Um "destilado médio, um combustível semelhante ao gasóleo", que pode vir a ser usado até uma percentagem de 7% para misturar com gasóleo e usar no abastecimento de automóveis.

Outro dos projetos é a criação de um carvão ativo. Durante o processo de reciclagem, 1% resulta em lamas que são desidratadas e que depois vão para aterro. "Estas lamas têm um valor energético" e o objetivo da empresa é vir a "transformar essas lamas num carvão que depois pode ser ativado para ser usado como carvão ativo para controlo de emissões ou como combustível". Atualmente, entre 300 ou 400 toneladas destas lamas vão para o aterro, o que tornaria "muito interessante do ponto de vista económico e ambiental transformá-las em carvão ativo".