O português José Maria Macedo angariou 13,5 milhões de dólares (12,3 milhões de euros) para acelerar várias startups cripto na Web3. Este é um dos maiores valores já angariados por qualquer português para um negócio que para muitos parece ser mitologia. Mas não, o empreendedor fê-lo de forma simples, uma vez que a tecnologia é quase a sua língua materna.
Mas como se faz um pitch para angariar tamanho valor? José Maria Macedo responde facilmente ao Jornal Económico (JE), como se fosse levantar dinheiro da caixa multibanco. “Temos de mostrar um track record na indústria. Nós [Delphi Labs] já o temos”.
É que a Delphi Labs, o braço de incubação da Delphi Digital, começou a fazer pesquisa para fundos, tendo passado à criação de um fundo que já ascende a 200 milhões em assets under management onde faziam consultoria e agora passaram à construção direta.
“Queremos levar todas as lições que aprendemos, fazer pesquisa para investir e criar protocolos no espaço e ajudar novos empreendedores a ter esse sucesso”, conta-nos o empreendedor.
Este acelerador conta com um apoio de 200 mil euros para cada startup que entra no processo. O arranque deu-se em junho, com cinco startups e um milhão de dólares. “Queremos dar bastante atenção a cada uma delas. E também perceber como é que isto se faz. Nunca fizemos isto antes e queremos ver como o modelo funciona, porque há várias assumptions do modelo e queremos fazer o teste com poucas startups".
Mas o português não está sozinho a ajudar estas startups. A Delphi Labs conta com um total de 40 especialistas de diferentes áreas para acelerar as empresas que querem entrar neste mercado. “Somos principalmente engenheiros e programadores, mas também temos economistas, advogados, product managers. Tudo o que uma startup precisa para ter sucesso. A ideia é ter tudo o que uma startup precisa. Por exemplo a ajuda legal é muito importante neste espaço, também como fazer a estrutura, fazer o desenho económico dos protocolos e dos produtos. Nós conseguimos ajudar e a startup pode só focar-se em desenvolver o seu produto”.
Estas startups vão mesmo um passo além por estarem a ser desenvolvidas na Web3, quando a maior parte do mundo não sabe o que é e ainda está preso na World Wide Web.
Explicando brevemente, a Web3 é um universo à parte onde estas startups vão existir, onde tudo é descentralizado e existe uma economia de propriedade. É neste estágio da Internet onde existe o metaverso, tecnologias de blockchain e especialmente tokenizado.
Mas como funciona a aceleração? Dá-se um valor, neste caso 200 mil para cada startup, e um programa de ajuda entre três e seis meses com todo o tipo de ajudas, tal como José Maria Macedo contou ao JE. “Temos seis áreas que queremos ajudar e o objetivo é prepará-los para uma ronda de investimento de investidores externos até ao final do programa”. Esta ronda de investimento no fim dos seis meses fará com que as empresas continuem a desenvolver o seu produto, desta vez com mais ajuda financeira.
Então, o projeto não é apresentado já desenvolvido? Não necessariamente. O empreendedor da Delphi explica que estas startups podem entrar no acelerador numa fase embrionária, “podendo nem sequer ter produto”. “Pode ser só um fundador ou uma equipa pequena. Só tem de existir uma ideia e nós ajudamos a desenvolvê-la” quase do zero.
Sobre a nacionalidade das startups, José Maria Macedo admite existir uma portuguesa. “Trabalhamos com a Pulsar, que tem três escritórios na [Universidade] Nova. E depois temos outra com um português, mas na realidade, estas startups são internacionais porque as equipas têm pessoas de todo o mundo”. Só a startup inserida na Nova, diz-nos o empreendedor, conta com 30 developers portugueses.
O ‘rei’ da Token Economics
O empreendedor português estudou economia e filosofia, como estudos base, mas foi na teoria de jogos e econometria que viu a sua especialização espelhar-se na Web3. Por isso mesmo, José Maria Macedo é visto, por muitos, tendo já sido apelidado, como especialista em Token Economics.
A verdade é que o português fala como se vivesse imersivo na Web3 e como se esta fosse a sua primeira língua de aprendizagem. Para muitos, poderá assemelhar-se a algo como klingon misturado com inglês.
“Basicamente, os sistemas de Web3 tentam recriar coisas que são feitas por uma entidade centralizada, como um banco, que usa a bitcoin como dinheiro”. José Maria Macedo dá o exemplo do Ledger como uma rede descentralizada da Web3, que tem várias unidades de serviços que devem ser criados pelos utilizadores desta tecnologia da ótica de rede de provisão de interesse próprio que serve a comunidade.
Embora pareça algo complicado para a cabeça de um comum mortal, o empreendedor explica-o de forma mais simples: “É como criar um jogo e tentar quebrar as regras infinitamente até encontrar um sistema que seja robusto”. Isto é, primeiro eliminam-se as falhas e depois cria-se algo com robustez que não possa ser invadido, como a Bitcoin, diz-nos.
“Quando o Estado cria um serviço, como um banco, tudo depende do registo e do sistema legal e monopólio. Se alguém roubar dinheiro ou cometer fraude, a polícia vai atrás dessa pessoa e tem o sistema legal para tal. Num sistema descentralizado não há identidades e não há polícia. Por isso os incentivos têm de funcionar sem haver Estado, o que é muito mais difícil”.
Quando é que a Web3 se torna revolucionária?
O empreendedor da Delphi Labs assume que não é fácil de usar a Web3, porque existe sempre um custo e novas aplicações, tendo de existir a aquisição de criptocurrency e compreender todo o sistema, havendo o risco de perdas por falta de compreensão.
“Não é fácil de usar. Tem sempre um custo e o beneficio para a maior parte das pessoas é abstrato. Tenho o controlo do meu dinheiro mas no banco também e ninguém o vai roubar. Posso interagir com ele e comprar assets sozinho. Mas o benefício torna-se relevante quando as instituições e os governos começam a falhar”, atira.
“É por isso que mais de 60% das pessoas na Argentina tem cripto, no Zimbabué todos usam cripto e, ultimamente, na Ucrânia e Rússia houve uma adoção gigante por parte da guerra, especialmente depois dos russos terem sido banidos do sistema financeiro”, adianta. “À medida que isso vai acontecendo, e em que a repressão financeira está a aumentar, as pessoas vão sendo empurradas em vez de puxadas. Não é que seja um produto superior, mas as pessoas são empurradas a partir do momento em que percebem que os bancos vão falhar, e os governos não estão a implementar mais controlo de capital e temos que explicar sempre que mexemos no dinheiro”.
Na conversa com o JE, José Maria Macedo lembra o caso dos Estados Unidos e que prejudicou várias empresas do ramo tecnológico. “Em falhas de bancos, como nos Estados Unidos, em que se verificaram bailouts ou moedas que entram em inflação ou hiperinflação”. Como os problemas do sistema financeiro tradicional não são inevitáveis, José Maria Macedo está convencido que os últimos acontecimentos vão empurrar as pessoas para a descentralização da Web3 “porque é um sistema que não depende de nenhum governo e não pode ser controlado”.
O empreendedor relembra também que, como os governos não têm controlo nos sistemas da Web3, não existe o congelamento dos assets, como aconteceu agora com a Rússia, em que a Reserva Federal bloqueou mais de 58 mil milhões de dólares ativos, controlados pelo país liderado por Vladimir Putin, ou mesmo o controlo das habitações estatais por parte de vários governos.