Com as novas regras orçamentais europeias, que entram em vigor esta terça-feira, Portugal ver-se-á obrigado a cortar 2,8 mil milhões de euros anuais para reduzir a dívida pública, o equivalente a 1% do seu PIB por ano durante quatro ou sete anos, consoante o que ficar acordado entre o Governo e Bruxelas até meados de setembro, quando os Estados-membros têm de apresentar os seus planos orçamentais de médio prazo. O montante de redução da dívida, face à previsão do PIB de 277milmilhões de euros este ano, equivale ao orçamentado para a área da defesa nacional e representa mais de 800 milhões da despesa anual na justiça.
O Parlamento Europeu aprovou na passada semana as novas restrições orçamentais para o bloco euro, culminando uma discussão que se vinha arrastando há largos meses. As alterações ao modelo de governação económica colocam a dívida pública no centro da questão da sustentabilidade das contas nacionais, conferindo mais flexibilidade aos processos de ajustamento orçamental europeus. Nesta linha, cada país passará a negociar os ritmos específicos de redução da dívida com a Comissão, embora o referencial esteja já definido. No caso português, o corte da dívida pública é praticamente equivalente à despesa total de 2.850,1 milhões de euros para a Defesa Nacional, prevista no OE2024 e fica 839 milhões de euros acima dos 1.961 milhões de euros orçamentados para o sector da Justiça.
Para Estados-membros com um rácio acima de 60% e abaixo de 90%, a regra agora passa por uma redução equivalente a 0,5% do PIB anualmente, isto em média, por um horizonte de quatro anos (extensíveis para sete no caso de o país adotar reformas nas áreas do clima, digitalização, pilar europeu dos direitos sociais ou da defesa). Sendo valores médios, poderá haver oscilação entre os valores anuais.
Para países com uma dívida pública superior a 90% do PIB, o ritmo de redução será de 1% do PIB. Apesar da descida assinalável no último ano, Portugal registou um rácio de 99,1% no final de 2023, colocando a economia nacional neste grupo. Como tal, e olhando para o PIB previsto pelo Governo para este ano, de 277 mil milhões de euros, facilmente se conclui que o país terá de reduzir a dívida, em média, por 2,77 mil milhões nos próximos quatro (ou sete) anos.
Comparando com o Orçamento do Estado para 2024 (OE2024), este valor aproxima-se bastante da despesa total consolidada de 2023 para a defesa, que chegou a 2.850 milhões de euros, ou da despesa com segurança interna, que ascendeu a 2.592 milhões. Já a área da justiça registou uma despesa de 1.962 milhões de euros no ano passado, uma diferença de cerca de 800 milhões de euros para o montante que o Estado terá de retirar à dívida nos próximos anos.
Margarida Marques, eurodeputada socialista e uma das conegociadoras das novas regras juntamente com a neerlandesa Esther de Lange, fala ao JE num quadro que “centra o ponto na questão da dívida publica” e “dá mais capacidade de investimento aos Estados-membros”, destacando alguns pontos que considera positivos para a economia nacional.
Por um lado, são alterações que conferem “uma dimensão social forte” à política orçamental, ao incentivarem os Estados-membros a “fazerem investimentos significativos nos serviços públicos ou nas prioridades europeias”, ou seja, nas áreas do ambiente, transição digital, defesa e pilar europeu dos direitos sociais. Por outro, há alterações menos notória com relevância acrescida para Portugal, como as contrapartidas nacionais para fundos europeus não serem contabilizadas como despesa líquida, uma exclusão sem teto para este quadro financeiro e futuros.
A expectativa é que o novo regulamento seja publicado dia 30 de abril, esta terça-feira, no Jornal Oficial da União Europeia, para que possa entrar em vigor já em maio.
Depois, a Comissão Europeia publicará, a 21 de junho, as trajetórias de referência para cada Estado-membro no que respeita à redução do rácio de dívida pública, isto após ter ouvido os Estados interessados em participar na elaboração e negociação do mesmo. Cada país terá até meados de setembro para desenhar o seu plano de ajustamento, altura em que terá de o apresentar em Bruxelas.
Excedente orçamental ajuda negociação com Bruxelas
O plano de ajustamento a negociar com a Comissão Europeia terá de ser apresentado até dia 20 de setembro e Portugal apresenta-se numa posição “bastante bem posicionado” para garantir um prazo e um limite da despesa favoráveis, considera a eurodeputada Margarida Marques.
A flexibilidade acrescida conferida pelas novas regras orçamentais traduz-se, entre outros elementos, em prazos variáveis para o ajustamento orçamental de cada Estado-membro em função do investimento em serviços públicos e/ou das reformas feitas nas áreas prioritárias definidas por Bruxelas (transição climática, transição digital, pilar europeu dos direitos sociais e defesa). Dada o saldo orçamental positivo recente, a margem para fazer estes investimentos é maior do que noutras alturas da história económica nacional.
“Compete ao Governo e às instituições portuguesas decidir como usar essa margem de manobra – se diminuindo a receita, aumentando a despesa, pagando a dívida. Isso são opções nacionais”, aponta Margarida Marques. “No caso português há grande margem de manobra para essas opções, é importante salientar”, acrescenta.
Por outro lado, os Estados-membros passam a poder negociar com Bruxelas o teto para a despesa – e Portugal, tendo registado um excedente orçamental, até poderá ultrapassar este limite sem qualquer penalização. Esta é outra das mudanças que se prende com a importância acrescida que terá a despesa primária líquida, que passará a obrigar a uma redução de 0,4% ao ano no défice estrutural caso o saldo orçamental seja negativo em mais de 1,5% do PIB.
Com um excedente orçamental previsto para este ano de 0,3%, a expectativa é que o Governo mantenha a possibilidade de ultrapassar o limite para a despesa sem qualquer penalização.
“As regras orçamentais, face à atual situação, permitem desenvolver um conjunto de políticas de aumento da despesa pública. Mas o Governo terá de decidir as suas políticas em matéria de redução de impostos, como está a propor, de aumento da despesa e de olhar para a dívida”, resume Margarida Marques.