Se a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) fosse uma Volta a Portugal em Bicicleta dificilmente os corredores teriam cumprido a primeira etapa apesar de já se encontrarem no quinto dia de prova. No início deste mês cumpre-se o quinto ano deste plano, que está previsto terminar em 2030, e – no entender dos responsáveis da MUBi (Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta) – está tudo por fazer.
A ENMAC, aprovada em 2019, foi criada para assegurar a promoção do uso da bicicleta e tem como objetivo que em 2030, e em cidades como Lisboa e Porto, uma em cada dez pessoas se desloque na cidade por este meio. Cinco anos depois da medida ter sido apresentada pelo Governo, a MUBi aponta que a estratégia está a "anos luz" de cumprir os objetivos para 2025, quanto mais para 2030.
Apesar do Censos 2021 refletir apenas um ano de implementação desta estratégia (aprovada em 2019), é possível notar que a quota modal da utilização de bicicleta subiu apenas 0,1% face ao Censos 2011: de 0,5% para 0,6% do total das deslocações casa-trabalho/escola. Note-se que daqui a dois anos essa quota terá que ser de 3% para deslocações em todo o território nacional e 4% nas cidades; em 2030, essa quota modal terá que estar em 7,5% para deslocações em todo o território e 10% nas cidades.
No final da década, deverá haver mais de meio milhão de ciclistas quotidianos em Portugal, perfazendo mais de 300 milhões de viagens em bicicleta por ano. Como comparação, as redes de metropolitano de Lisboa e do Porto transportaram em 2019, antes da pandemia, aproximadamente 250 milhões de passageiros em conjunto.
Tão longe de 2025; ainda mais distante de 2030
"Está a falhar a ação efetiva por parte do Governo, a liderança política dessa estratégia, os recursos financeiros e humanos para colocar em prática essa estratégia. Estamos no quinto ano de implementação e o que tem sido feito é muito pouco e em termos de concretização das metas estamos a anos luz para termos 10% das pessoas a deslocarem-se de bicicleta nas cidades em 2030", critica Vera Diogo, presidente da MUBi, em entrevista ao JE.
Recorda esta dirigente que "a Assembleia da República já fez quatro advertências para que Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) e não vemos nada a mudar. É uma situação dramática porque estamos numa situação complicada em termos climáticos e que tem vindo a piorar. Há um quota parte muito significativa das emissões de gases e não vemos vontade e capacidade do Governo".
Por outro lado, critica Vera Diogo, "os combustíveis fósseis continuam a ser apoiados e assim a utilização do automóvel continuar a gozar de externalidades que não são minimamente preocupação dos Governos. Ao contrário, a utilização da bicicleta tem inúmeros benefícios ao nível da saúde pública e ambiental. A utilização da bicicleta não está a ser devidamente promovida. A estratégia tem metas bem pensadas mas a forma de as executar está muito aquém". Nesse sentido, Vera Diogo destaca que esse aumento de 0,1% "foi resultado do aumento da utilização desse meio de transporte em Lisboa. Noutros municípios, como Aveiro por exemplo, essa quota modal desceu". A título de exemplo, e ainda de acordo com o últimos Censos, o aumento do uso de automóvel passou de 61,6% para 66% a nível nacional.
E por falar em automóveis, a presidente da MUBi faz o termo de comparação da bicicleta com o carro para concluir que não existe um problema de falta de dinheiro para colocar a estratégia em prática. "Aparentemente, não há um problema de falta de verbas porque existe disponibilidade para apoiar indiscriminadamente a utilização de combustíveis fósseis. Só entre novembro de 2021 e junho de 2022 foram gastos 700 milhões de euros nestes apoios e os mesmos foram dados de forma indiscriminada. Esta política é completamente incompreensível".
Irlanda gasta por dia o que Portugal dispende num ano
Apesar de não existir um problema de verbas, existe uma diferença gritante no que diz respeito aos valores investidos para chegar aos objetivos definidos pela ENMAC. A MUBi não tem dúvidas: o Governo português é o que menos tem investido na utilização de bicicleta em toda a Europa. Na República da Irlanda (que tem metade da população portuguesa), o Governo decidiu investir um milhão de euros por dia (360 milhões por ano) na mobilidade ativa. Ora, um milhão de euros foi a verba inscrita no OE2023 para as estratégias nacionais para os modos ativos para um ano inteiro.
Outro exemplo: o Governo francês anunciou que vai investir 2 mil milhões de euros nos próximos quatros anos, a que se somam 4 mil milhões das administrações locais e regionais, totalizando mais de 22 euros por ano per capita, para impulsionar o uso da bicicleta no país.
"É incompreensível que um país como a Bulgária, que está há pouco tempo na União Europeia, está a investir dez vezes mais do que Portugal. A Irlanda investe 120 vezes mais do que Portugal para atingir estes objetivos e conseguiu melhorar muito a quota modal da utilização de bicicleta", lamenta Vera Diogo ao JE.
Para esta dirigente, "as cidades não estão preparadas para uma mudança expressiva na utilização de bicicletas, é preciso que se faça mais. Tem havido algumas melhorias mas não é de todo suficiente". E dá o exemplo da cidade onde vive e na qual se move de bicicleta: "Temos um exemplo de que existe até um recuo nessa política. No Porto, mais concretamente na Avenida da Boavista, por causa das obras do metro, vai desaparecer uma parte da ciclovia, o que não faz sentido numa via tão estruturante como esta".