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“Portugal é dos poucos países da UE que não tem um sistema de proteção de riscos catastróficos”

José Leão, diretor de corretores e parcerias do grupo Ageas Portugal, mas também responsável da APS, acredita que o sismo vivido em Portugal esta semana vai dar maior sentido de urgência ao Governo relativamente ao tema da criação de um fundo sísmico. O regulador promete entregar o relatório preliminar sobre este projeto até ao final do ano.

O sismo vivido em Portugal esta semana voltou a colocar em cima da mesa a necessidade de se criar um fundo sísmico nacional para ajudar os cidadãos a enfrentarem as perdas provocadas por um fenómeno de maior intensidade. O país é um dos poucos da União Europeia (UE) que não tem um sistema nacional de proteção de riscos catastróficos, alerta José Leão, diretor de corretores e parcerias do grupo Ageas Portugal e responsável da subcomissão de riscos catastróficos emergentes e patrimoniais da Associação Portuguesa de Seguradores (APS), em entrevista ao Jornal Económico. Um projeto que tem sido trabalhado pelo regulador do sector que irá entregar o relatório preliminar ao Governo até ao final do ano.

A APS considera que a cobertura de risco sísmico devia ser obrigatória. Concorda?

A APS já tinha feito uma proposta há uns anos na qual visava a criação de um sistema nacional de proteção de riscos catastróficos, a começar pelo risco sísmico. Isso significa que como primeira medida devia ser obrigatória a cobertura de risco sísmico para quem já tem uma apólice de seguro multirriscos. Isso aumentaria automaticamente a proteção das habitações em Portugal.

Dados mostram que apenas 47% das habitações têm seguro. Devia ser obrigatório, como acontece nos automóveis?

Na minha opinião, o primeiro passo é tornar obrigatória a cobertura de riscos sísmicos para quem tem um seguro multirriscos. Isso já iria responder a uma grande parte da população. Os dados que a APS deu ontem, que são recentes, dizem que só 53% do nosso parque habitacional, que são cerca de seis milhões de casas, têm seguro. Mas só 19% do parque habitacional, ou seja, só cerca de um milhão de casas, é que têm cobertura de risco sísmico. A missão na indústria seguradora é fazer diminuir o protection gap [diferença entre as perdas seguradas e não seguradas] que é de 81% em Portugal. É um número muito alto. As pessoas têm de ver um seguro como um benefício e não como uma obrigação. 

No caso das casas que têm um crédito à habitação associado e que têm seguro multirriscos, o que é que este seguro cobre no caso de haver um sismo com danos?

Cobre o custo de reconstrução das paredes. Se o cliente fizer também o edifício e o recheio também cobre os conteúdos. 

O seguro base só cobre o valor de reconstrução...

O base só cobre o valor de reconstrução. A grande maioria destes 19% de seguros que existem estão associados ao crédito à habitação. Os bancos emprestam dinheiro, dão crédito, e têm como colateral o imóvel. É importante que os seguros existam porque se não vamos ter uma perda adicional. Os bancos deixam de ter o colateral. Além de os clientes perderem o seu património, os bancos têm de garantir que esses seguros multirriscos estão ativos e têm os prémios pagos. 

O que é preciso fazer para aumentar a percentagem de habitações com seguro com cobertura sísmica?

O mercado privado deve continuar a existir tal como existe, com as pessoas a livremente comprarem seguros e protegerem-se. Devemos apostar na literacia financeira, na consciencialização, na importância que os seguros têm para a economia. As seguradoras têm vindo a fazê-lo e aproveitam estes momentos para transmitirem mensagens adicionais sobre a importância dos seguros. Por outro lado, é importante que haja em Portugal soluções de resiliência partilhada. A criação de um sistema nacional de proteção de riscos catastróficos. A APS fez uma proposta no passado e o regulador está neste momento a trabalhar no tema que passa por tornar a cobertura de riscos sísmicos obrigatória para quem tem um seguro multirriscos e, com isto, aumentar o nível de proteção no mercado português. Vai ser preciso que exista vontade política e que isto aconteça. 

Tornar a cobertura de risco sísmico obrigatória poderá encarecer os seguros e ter o efeito contrário, com as pessoas a desistirem de ter seguro?

Não. Há uma gestão de risco e colocação do risco no mercado de resseguro internacional. E este mercado tem uma capacidade disponível para o mundo todo superior a 600 mil milhões de euros. Portanto, colocar no mercado de resseguro a cobertura adicional que teria de ser adquirida para tornar esta cobertura obrigatória teria um impacto muito reduzido no mercado internacional. Não iria, diria eu, encarecer a cobertura para os  clientes. Penso que há condições técnicas e de procura e oferta no mercado que permitiram ter os prémios muito em linha com aquilo que pagam hoje em dia. 

Este sismo pode aumentar o sentido de urgência do Governo para a criação de um fundo sísmico? 

Como diretor de corretores e parcerias do grupo Ageas Portugal diria que, sem dúvida, o fenómeno que tivemos esta semana vai acelerar [os trabalhos] e é uma excelente oportunidade para a indústria seguradora colocar este tema novamente no topo das prioridades da agenda política e do regulador. Este trabalho tem sido feito pelo regulador e sei que tem havido conversas e reuniões com a indústria seguradora através da APS. Iremos continuar a fazer pressão para que isto seja uma realidade.

Mas do lado do Governo pode haver mais sentido de urgência?

Acho que sim. Portugal é dos poucos países da UE que não tem um sistema nacional de proteção de riscos catastróficos ou soluções de resiliência partilhada em prática. Em Espanha há um consórcio a funcionar, em França também já existe, na Bélgica e noutros países. Temos vários países da UE que têm estas soluções de resiliência partilhada a funcionar. Itália também está neste momento a pensar fazer um. Portugal não pode ficar de fora. Será, sem dúvida, mais uma pressão, neste caso uma pressão externa, para que o país tenha um sistema mais robusto. 

Considera que a criação de um fundo sísmico está entre as prioridades deste Governo? 

Diria que do lado do mercado há a vontade de fazer acontecer. As seguradoras estão preocupadas com o tema. Falamos muito do sinistro de 1755, mas Portugal teve um em 1969. Se tivermos um sismo idêntico ao desse ano, as perdas económicas em Portugal já serão relevantes. Se tivermos um sistema destes a funcionar, o sector privado irá responder de uma forma rápida e adequada. Não precisamos de olhar apenas para o risco sísmico. Vimos o que aconteceu com os incêndios em Portugal em 2017 e a importância que tiveram as seguradoras. O país não pode pensar que está fora destes fenómenos da natureza.